MARIA TERESA HORTA (Portugal)


























                                           A Autora

Maria Teresa Horta nasceu em Lisboa. Desde sempre declaradamente feminista, tem dedicado a maior parte da sua vida à luta

das mulheres. E a partir dos fins dos anos sessenta, a sua escrita tem vindo de forma clara a ser cada vez mais empenhadamente
"a voz feminista", "a palavra da mulher".    
Durante anos, também, dedicou-se ao movimento cineclubista, do qual foi a primeira mulher dirigente em Portugal.

Autora de vasta obra, foi distinguida, por unanimidade, em 2012 com "O Prêmio Literário D. Dinis", instituído pela Fundação da Casa de Mateus pela obra “As luzes de Leonor. A marquesa de Alorna, uma sedutora de anjos, poetas e heróis”, editado pelas Publicações D. Quixote. 

Instituído em 1980 pela Fundação Casa de Mateus, em Vila Real, o galardão é atribuído a uma obra literária - de poesia, ensaio ou ficção - publicada no ano anterior ao da atribuição do prémio.

“As Luzes de Leonor”, obra editada em 2011, é um romance sobre a vida da marquesa de Alorna, Leonor de Almeida Portugal de Lorena e Lencastre (1750-1839), neta dos marqueses de Távora, uma mulher que se destacou na história literária e política de Portugal num período denominado como “o século das luzes”.

D.ª Leonor de Lorena e Lencastre é avó em quinto grau de Maria Teresa Horta, nascida em 1937, em Lisboa.

Maria Teresa Horta estudou na Faculdade de Letras de Lisboa, foi jornalista e activista do Movimento Feminista de Portugal, com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, com quem escreveu o livro “Novas Cartas Portuguesas”.

“Amor Habitado” (1963), “Ana” (1974) e “O Destino” (1997) contam-se entre mais de duas dezenas de obras publicadas da escritora.


Nota do EM:

  — A Marquesa de Alorna está incluída no segmento ETERNAS do blogue Expressão Mulher-EM;

    — Os dados sobre  a poetisa Maria Teresa Horta foram tirados da internet e do seu livro Poesia Completa (1967-1982), cujo segmento "Mulheres de Abril/1977 (páginas 207 a 260) muito bem representa um dos pilares principais do blogue Expressão Mulher-EM.   




                     


                                                                     MARIA TERESA HORTA,                      
                             POESIA COMPLETA (1967 - 1982), Volume II, Litexa - Portugal, 1983



      

                

                         








                        Basta
                        Maria Teresa Horta

                                   Basta.
                        — digo —
                        que se faça
                        do corpo da mulher:

                        a praça  —  a casa

                        a taça

                        A ÁGUA


                        Com que se mata
                        a sede
                        do vício e da desgraça



Mulheres de Abril
Maria Teresa Horta

Mulheres de Abril
somos
mãos unidas

certeza já acesa
em todas
nós

Juntas formamos
fileiras
       decididas

ninguém calará
a nossa
     voz

Mulheres de Abril
somos
mãos unidas

na construção 
operária
do país

Nos ventres férteis
a vontade         
          erguida  

de um Portugal
que o povo
         quis  




Diz
Maria Teresa Horta

Diz mulher
ao teu país
como lutaste até hoje

o que fizeram de ti

o que quiseram
que fosses

Como prenderam teu
grito
sob a boca amordaçada

Mas como cantaste
assim
do teu desgosto apartada

Diz mulher
ao teu país

conta a vida em que
cresceste

Como algemaram
teus pulsos

conta aquilo
que aprendeste

Do saque da tua
vida
relata os dias passados

da cadeia em que estiveste
descreve
o pavor rasgado

as torturas que sofreste
o medo nunca acabado

Diz mulher
ao teu país
como lutaste até hoje

não cales mais
a recusa
do que quiseram que fosses...

não silencies
a renúncia
a que te viste obrigada

Não desistas
de gritar
tua vida encarcerada



Mulher-resistente
Maria Teresa Horta

     A Mariana Janeiro em nome de todas as
     mulheres que lutaram contra o fascismo


Eram tantas as torturas...
O chicote sobre a carne
Que o corpo te inchava
inchava
pelas vergastas cortado

Eram dias sobre noites
em que os olhos te queimaram
em que as veias te romperam
e os ouvidos te rasgaram

Eram meses sobre meses
na cela

           só

isolada

Torturas quantas sofrestes
minha irmã
sempre calada

Que à polícia não se fala
nem que se morra
à pancada!



Mulheres quotidianas
Maria Teresa Horta

Mulheres quotidianas
são aquelas
que ao porem no mundo os filhos
sossegam o sorriso

     indo de sol a sol
colhendo
fazendo o que é preciso

O riso dobram em silêncio
à mistura na tábua
com os lençóis...

Mulheres quotidianas
são aquelas
que as horas percorrem
devagar

    a tactear no escuro

à mistura com  os tachos
e as panelas

Silenciosamente... dão a vida ao mundo
sem nunca ninguém
reparar nelas



Quem?
Maria Teresa Horta

     A todas as mulheres anónimas destruídas —
     — assassinadas. Diariamente aniquiladas:


Quem te disse
e propagou
           perdida?

Quem usou
abusou
           da tua voz?

Quem se cansou
te abandonou
           na vida?

Quem se esqueceu
te perdeu
           e em seguida
te acusou do crime mais atroz?

Quem te tirou
dos braços
           tua filha?

Quem mandou pôr
teu nome
         no jornal?

Quem destruiu
o riso
         que ainda tinhas?

Quem te matou
te assassinou
         te envenenou de mal?

Quem recusou de
             ti
tudo o que vinha?

Quem te meteu 
no corpo
         este punhal?


   
Tinha 38 anos
Maria Teresa Horta

Tinha 38 anos
quando foi assassinada

Quando de bruços
caiu
por duas balas varada

Tinha 38 anos
quando foi assassinada

Um fardo sem importância
que ali ficou enroscado...
e nem um grito saiu do seu peito estilhaçado

Tinha 38 anos
quando foi assassinada

Pelas costas e a frio
com arma de morte
e caça

Tinha 38 anos
quando foi assassinada

Eram 3 horas da tarde
na varanda 
em sua casa...



Tomada de pavor
Maria Teresa Horta

     À Alvarina Domingues presa nas Mónicas,
     por assassínio de seu amante.

Levantaste a mão
e empunhaste a arma...

De tanto amor perdido
— de amor perdida — tu
que já sangravas
com a tua vontade —  vício
o peito que negavas
ali impondo com a tua a sua dor

E quando a bala entrou
dilacerando a carne
bem sentiste no teu
o grito desertado...

Em que sítio esquecido 
te encontravas
quando mataste

             tomada de pavor?



Carta à Isabel
Maria Teresa Horta

     À Isabel Bentinho Pinto

Isabel, que poderei contar
da tua vida
         aos outros?

que tens 27 anos
e estás desesperada...

E do teu rosto?

Isabel, que poderei contar 
da tua vida
          aos outros?

que tens 27 anos
e te tornaste um monstro...

E do teu rosto?

Isabel, que poderei contar
da tua vida
          aos outros?

que o olho fervia na sertã
onde calma fazias o almoço
e caindo de súbito
mergulhaste o rosto?

Isabel, que poderei contar
da tua vida
          aos outros?

que a injustiça fez de teus dias
um único nó, só de desgosto...

E do teu rosto?



Tua vida?
Maria Teresa Horta

     À Célia


    I

A vida que tens
a quem pertence?

Ao patrão?
Ao pai?

A quem te vence?

A quem te usa...
A quem te explora...

A quem te chama:

— Sua pertença
     criada
     ama


   II

A vida que tens
a quem pertence?

    A teu marido?
    que noite e dia te reclama?   

    Ramal dele apenas.
    Sua sombra...

    Tu: repouso
    Tu: ovários
    Tu: fertilidade

(e assim apagaram
              tua chama)

     Tu: o corpo... que a madrugada
         entorna

         Derrama...

Mansamente exausta
          estendida  —  despida sobre a cama



Mulher-solidão
Maria Teresa Horta

     À Leonor

Entre a tristeza-mulher
e a saudade

um vago pátio interior
onde flutua

mansamente nos olhos
e ao fluir dos lábios

a solidão dos dias
sem ternura  



Poema às mulheres anônimas
Maria Teresa Horta

lenta foi a esperança
até hoje ganha
nos teus olhos

incertos os caminhos
Os passos dados
descalços

O desenho dos gestos
que traças
no espaço à sua frente

Que História tens
     (voraz)
no teu passado
mais do que a cama
          o jarro
         e o fogão?

Perto do lume deténs-te
às vezes...
de súbito esquecida
e a casa ganha corpo
à tua volta

A vida...
     passa sem saberes
contigo dentro

E quando dizes: sempre
         Ou sorris deitada
de manso posta num vagar
qualquer...

sabes bem que mentes
e preferes esquecer...



Fechas-te em casa
Maria Teresa Horta

Fechas-te em casa
a lavar o chão...

do teu país o que sabes?

Fechas-te em casa
a remendar a roupa...

do teu país o que sabes?

Fechas-te em casa
a cortar o pão...

do teu país o que sabes?

Fechas-te em casa
perdida na cozinha...

do teu país o que sabes?



Poema de uma mulher dona de casa
Maria Teresa Horta

                          À Filipa

Sou — direi:
trabalhadora

e a casa o meu tear...

Ou teia de minha vida
onde me prendo no lento
dos dias seu desfiar?

Sou  —  direi:
trabalhadora

e a casa o meu fiar...

Fabrico os meses que seco
estendidos como lençóis 
na cama do meu esperar



Enquanto calas
Maria Teresa Horta

Enquanto calas
dobas o medo
que te cresce na fala

E a solidão bordas
a ponto de silêncio



Slide de mulher sentada
Maria Teresa Horta

Sentada no degrau 
da tua porta,
ouves o sol que desliza
pelas folhas das árvores
ali perto...



No interior das casas
Maria Teresa Horta

O silêncio dos olhos
e mais nada...

Ou ainda,
         quem sabe...
lhes reste o tactear do vácuo
      (do sítio vago)
onde estão fechadas...

Dentro de si próprias
no interior das casas...



Mulher-bordadora
Maria Teresa Horta

Secretamente teces
as lágrimas com que bordas
a solidão laqueada
em que adormeces



Irmã mais velha
Maria Teresa Horta

     Às mulheres de terceira idade

As mãos cruzas sobre o ventre 
e esperas...

O fio da idade tecido pelos anos
conduz-te os olhos
até ao fim do tempo

 — O que vês,
irmã mais velha?



Que pensamento, mulher?
Maria Teresa Horta

que secreto segredo,
que sedento...

que insaciada fome,
que secura...

que sede imensa
na seara acesa...

que insustentado seio
na procura...



Com que vida?
Maria Teresa Horta

Que silêncio
         foi bordado
fio a fio   —   na secular solidão
          das horas repetidas?

Em que pano
        brando
desenharam teus dedos a partida
       o fundo penumbroso dos teus dias?

Com que agulha
puxada à altura do peito,
                   mulher?

Com que vida?



Ambivalência
Maria Teresa Horta

Também és ternura
embora força

Também és brandura
embora faca

Também és lonjura
embora perto

Também és secura
embora escassa



Em liberdade
Maria Teresa Horta

Em liberdade
somos
nós mulheres o cimo
da raiz

o caule que
suporta
o peso do fruto e da flor

No ventre das mulheres
o sossego é fértil

em nós cresce o amor



Porque...
Maria Teresa Horta

Porque tens nos olhos
o sol
   e o mar

Porque tens nos olhos
o rio
e também

           o riso
           o fogo

Porque logo te chamam
de manhã
e a comida preparas para todos

Porque no ventre
semeias
os teus filhos...

Porque ceifas a fome
porque ceifas o trigo

Porque tratas os feridos
os perdidos
e os embalas nos braços sem razão
a não ser pela razão do teu carinho

Porque esperas os outros
no caminho
estendendo devagar as tuas mãos



Maria
Maria Teresa Horta

Apresento-me:
Maria

36 anos
seis filhos

Trabalhando desde
os 15
criada rodos os dias

Apresento-me:
Maria

dobrada sobre o soalho

na tábua a passar
os dias

Apresento-me:
Maria

A noite a dentro
do peito

Profissão:
mulher-a-dias



Homenagem às mulheres-a-dias
Maria Teresa Horta         

Pões a saia subida
nos joelhos
quando lavas de joelhos
casas
   escadas

escondendo a tristeza
sob os seios...



Dia de uma criada de servir
e seu lamento-calado
Maria Teresa Horta


     I

— Maria! 
— Minha senhora?

— O banho está arranjado?
  Quero a casa toda limpa!

 E o almoço aprontado!


           LAMENTO:

"Levantei-me ainda
noite
sono  —  solto —  amordaçado..."


     II

— Quero o vestido passado!
  A mesa que esteja posta!
  E o menino lavado!


          LAMENTO:

"Desde as cinco da manhã
que não respito
não paro..."


     III

— Maria!
— Minha senhora?


— Sirva o café!
  Escove os fatos!
  Trate as pratas!
  Lave a loiça!
  Limpe o chão que está molhado!

           LAMENTO:

"Desde as cinco da manhã
que escovo  —   limpo
que lavo..."


     IV

— Maria!
— Minha senhora?

— O menino está lanchado?
  Vai começando o jantar!
  Quero este fato engomado!

            LAMENTO:

"Desde as cinco da manhã
que não me sento
nem falo,,,"


     V

— Maria!
— Minha senhora?

— De pressa, dê-me o casaco!
  Esteja a pé quando eu voltar!
  E o menino deitado!

           LAMENTO:

"Desde as cinco da manhã
que obedeço
e me calo..."



De joelhos lavas:
Maria Teresa Horta



           DE MANHÃ

As escadas
e a madeira lascada
do soalho

          DE TARDE

A roupa sobre a
pedra
sob a chuva

          DE NOITE

O filho  —   na bacia
que colocas (enquanto fazes o jantar)
no chão da cozinha



Canto de uma operária  (I)
Maria Teresa Horta

     À Alda, operária demitida da "Maivest"


Pôs-me o patrão
             isolada
sentada na minha "linha"
Na fábrica

a trabalhar sozinha

Debruçada sobre a máquina
o casaco alinhavava
e as camaradas ouvia

ao longe
      como falavam

Não querendo coser com o pano
o silêncio em que ficava
enquanto ia trabalhando
as nove horas:

cantava:

Dizendo não ao 
                   patrão
o medo desafiava



Canto de uma operária  (II)
Maria Teresa Horta

     À Teresa, operária despedida (quando
grávida) da "Maivest"


Ali me puseram
Ali me ordenaram

A coser
     casacos
9 horas diárias...

as mais todas juntas
que a mim me isolaram

entre duas prensas
para ali me levaram

Cosendo...
Cosendo...

as horas rasgava

Suando...
Suando...

Cosendo a fazenda
que o patrão
          mandava

9 horas à máquina
as pernas andavam...

9 horas cosendo

o corpo alagado
as pernas roçando

Pesadas...
Pesadas...

E o sangue escorrendo
por elas
      manchava
a saia subida
            e no chão pingava

A coser casacos
9 horas diárias...

No calor imenso

Chorava...
Chorava...



Cantar de operária (I)
Maria Teresa Horta

     À Idalina, operária na "Plessey Automática"
     em Cabo Ruivo

Sou Maria:
operária nesta fábrica

desde sempre a odiada
do patrão

Sou aquela que chama
as camaradas
invocando a força da razão.



Cantar de operária  (II)
Maria Teresa Horta

Sou Maria:
operária nesta fábrica

Viúva desde os 30
um filho a quem dar pão

Trabalho 9 horas
sentada a uma máquina

E como paga
tenho:
nas pernas as varizes
na vida a solidão



Trabalhadora grávida despedida
Maria Teresa Horta

Despediu-te o patrão
e estavas grávida

gavinho do teu corpo
o filho
em tuas águas vivo

no vácuo do teu
ventre
já crescido



Fim de dia de uma operária grávida
Maria Teresa Horta

Sente o peso do filho
na barriga
As costas leva curvadas

Nas pernas vê as varizes
Vê as mãos
que traz inchadas

(A casa! Chegar a casa!)

E vai andando apressada: empurrando o corpo
lento
devorado de cansaço
Com um desespero manso e firme a entrar-lhe
pelos braços

(A casa? Chegar a casa?)

E a cama desalinhada?
E a comida por fazer?
E a louça não lavada?

Na fábrica ficou a máquina
na oficina o ruído
a obra já acabada

Mas ainda falta a casa
Com a sua vida a cumprir:
      varrer
      panelas
      jantar

E a roupa do marido
toda ainda por lavar

(A casa... Chegar a casa...)

A que horas vai poder
deitar-se para dormir?
Num sono de se esquecer...

A que horas vai poder?



Tomada de consciência
Maria Teresa Horta


     À Amélia, trabalhadora da "Facel"


     I

Fizeste barreira
desalienada
à opressão que tinhas em casa

Da boca tirastes
a mudez — 
        mordaça

E em casa
       gritaste

Gritaste na fábrica
a voz junta às outras
na mesma razão

— E agora patrão?


     II
  


Fizeste barreira
desalienada
à exploração que tinhas na fábrica

Dos pulsos tiraste
grilhetas
       pesadas


Gritaste na fábrica
e gritaste em casa
A voz  —  só
         crescendo
vencendo o gemido

— E agora marido?



Trabalhadoras rurais
Maria Teresa Horta

Transportas à cabeça
o peso
    da miséria
equilibrando nas pernas
o vacilar dos passos

o fardo
a palha
a bilha

E assim vais andando
mansamente
arrastando na terra os pés descalços 



Cantar de mulher trabalhadora
rural
Maria Teresa Horta

— Repara
  nas minhas mãos!

e assim as mostras:
rudes e cansadas

— Repara
  nas minhas mãos!

e assim as estendes:
duras e gretadas

— Repara
  nas minhas mãos!

e assim as ergues:
ásperas — deformadas

— Repara
  nas minhas mãos!

e assim as dás:
grossas  —  magoadas



Canto às mulheres de Trás-os-Montes
Maria Teresa Horta

Teces a camisa
na solidão das noites

quem ouve a tua voz
dilacerada?

(perdida entre os montes
na tua barraca...)

Teces o pranto
no interior dos olhos despertado

quem ouve o teu gemido
entrecortado?

(perdida entre os montes
na tua barraca...)

Teces o filho
no mais longo do corpo

quem ouve teu grito
amordaçado?

(perdida entre os montes
da tua barraca...)

Teces vida de miséria
num viver desesperado

E quando morreres
um dia
quem contará ao país
de ti o que foi passado?



Mulher que empurra o alcatruz
Maria Teresa Horta

Fazes andar a roda da nora
com os pés

e à água rasgada pela luz
juntas tua voz cansada
como que a empurrar
o alcatruz

E assim andas quilómetros
parada

e assim regas a terra
do patrão

Mulher envelhecida
resignada escrava
de sol a sol
para ganhar o pão



Lamento de mulher
Maria Teresa Horta

Não sei ler
nem sei escrever

(minha mãe dizia o mesmo)

Não sei o que é
comer
nem dormir em cama quente

Não sei juntar duas letras
nem o meu nome assinar

(minha mãe dizia o mesmo)

Não sei o que é
passar
um dia sem trabalhar



Lamento de uma mãe
para um filho soldado nas colónias
Maria Teresa Horta

Meu filho posto
soldado
levado para lá do mar

de negro ando vestida
chorando-te até chegares

Dois braços  —  sei  —  tu levavas
com quantos voltas não sei...

com duas pernas andavas
e com os olhos enxergavas
aqueles montes além

Meu filho neste baraço
de ódio que nunca vem...
uma farda te vestiram e uma arma te entregaram
a mando não sei de quem...

Puz cinza nos meus cabelos
e com um lenço os tapei

vou chorar-te dia e noite
nessa guerra de 
             ninguém

Dois braços  —  sei  —  tu levavas
com quantos voltas não sei...



Fala de uma mulher pedinte 
Maria Teresa Horta

— Aqui estou Senhora
  com os meus filhos
  à vossa porta
  a pedir-vos esmola

Da mesa os restos
o resto que ficou
daquilo Senhora
que os vossos filhos comem



Não deixes que te desdigam
Maria Teresa Horta

Camponesa
as tuas mãos
deitam na terra a semente

sol a sol
junto ao homem
com ele na mesma frente

Camponesa
no trabalho
ao teu país não te furtas

sol a sol 
junto ao homem
na mesma luta

Quem pretende que regresses
à fome da tua
          vida?

Camponesa
não te iludas

não deixes 
que te desdigam



Perguntas e respostas de mulheres
sobre a Reforma Agrária
Maria Teresa Horta


          Mulheres                    Mulheres alentejanas
       que interrogam                  que respondem

— Quem vos quer quebrar,     — Em   foices   pegaremos,
  irmãs,                               irmãs,
  as costas da vontade?        e ceifaremos de ao pé de
                                                                        [nós 
                                        a dúvida  que pode pesar
                                                    [em cada herdade 


— Quem vos quer dobrar,     Desfraldaremos  os  pu-
  irmãs,                                                         [nhos
  o corpo das ideias?           irmãs,
                                        como bandeiras sustidas
                                        na  firmeza  do  recado

— Quem vos quer domar,     — O   amor    semearemos,
  irmãs,                             irmãs,
  desbravando do vosso       e o fruto será — no Alen-
      [sangue a voz do                                     [tejo —
                 [Alentejo?        do nosso ventre  o    fim
                                                        [deste cuidado



Catarina Eufémia
Maria Teresa Horta

O punho ergueste
em haste
de coragem

os pés fincaste
na terra
com ternura

e só de paz falavam
os teus olhos
quando tombaste dobrada
p'la cintura

À tua frente souberas a resposta
na arma pronta
a morte no teu ventre

mas nem um filho
ao colo
te calou a fala

grito de água
no Alentejo ardente



Mulheres comunistas
Maria Teresa Horta

     À Maria Alda Nogueira

De bronze
a vontade

e a certeza
de vencermos

Mil vezes nos
derrubem
mil mais mulheres erguemos



Mulher nova
Maria Teresa Horta

     À Inácia, operária na "Philips"

Tens um cravo
nas mãos
e vens de Abril

operária a construíres-te
pouco a pouco

Trazes constante em ti
o desafio

Mulher nova
a crescer
vinda do povo



Maternidade  (I)
Maria Teresa Horta

Mães do povo somos:
a raiz

Matriz
de um Portugal novo
corre-nos no ventre
o sangue do país



Maternidade  (II)
Maria Teresa Horta

     À Eugénia Cunha!


o muro
     o barro
o aço da matriz

Em nós o povo
nasce

e cresce inteiro

No nosso sangue
o sangue do país



Amamentar
Maria Teresa Horta

Quem alimentas
tu
que dás o peito?

o leite
depois do sangue
do teu corpo

Quem alimentas
tu
que dás o peito?

Mulher de seio
húmido
Calado à boca do povo...



Vamos
Maria Teresa Horta


     À Luisa Amorim

Vamos companheiras
dos caminhos sitiados

de resistência
e bandeira

do canto
nunca calado

Que a vitória será nossa
tomada de ambos os lados



Que país constróis?
Maria Teresa Horta

Porque tens nos olhos
o sol
   e o mar...

Porque tens nos olhos
o rio
      e também:
      o riso
     e o fogo

Por que tens no ventre
a raiz de todas as
crianças...

que país constróis
diariamente?



Mulheres do meu país
Maria Teresa Horta

Deu-nos Abril
o gesto e a palavra

fala de nós
por dentro da raiz

Mulheres
quebrámos as grandes barricadas
dizendo: igualdade
a quem ouvir nos quis

E assim continuamos
de mãos dadas

O povo somos:
mulheres do meu país



Bandeira
Maria Teresa Horta


Secreto cravo
guardas no teu ventre


    desde Abril


Com a força do feto
e da flor
ao mesmo tempo

Cravo de brandura
meigo
     e lento



As mulheres e o 1.º de Maio
Maria Teresa Horta

Tanto povo!
Tanto povo!

Tanta bandeira
vermelha!

Tanta mulher que caminha
Cantando à sua maneira
Camponesas e operárias
todas elas companheiras

Ombro a ombro com os homens
os filhos às cavaleiras

Tanto povo!
Tanto povo!

Tanta bandeira
vermelha!



Trabalho de parto
Maria Teresa Horta

Mulheres — companheiras
ombro a ombro

o ventre a crescer-nos
de coragem

Como tarefa temos
o que somos:
no interior da luta
a sua faca

Mulheres  —  companheiras
ombro a ombro

na construção dos dias
de mão dada

Agora água e depois
o fogo
Hoje a dureza      Amanhã ternura
vencendo um destino de desgraça

Mulheres — companheiras
hoje  —  aqui

em trabalho de parto
de um país



Nota do EM: 

O Expressão Mulher-EM não teve êxito em obter a permissão da poetisa Maria Teresa Horta para a sua inclusão, e de sua obra, neste blogue. Em caso de discordância por parte da autora, lamentarei muitíssimo, mas serei pronto em retirar a sua página.  

Agradecimentos e Respeitos do EM.







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