DIA INTERNACIONAL DA MULHER / 2018


MULHER — asas para voar.


Neste Dia Internacional da Mulher / 2018, o Blogue Expressão Mulher-EM abraça as suas mulheres, as suas lutas e as suas asas, ávidas de voo. Para vocês, ROSAS!



Sempre foi — e ainda é — bastante difícil para a mulher realizar-se profissionalmente, porque, muitas vezes, ela é também esposa e mãe.

É sabido que não há igualdade entre homens e mulheres: as possibilidades são sempre maiores para eles, ou seja, os homens podem mais.

Na área das letras, mais especificamente na Poesia, facilmente se comprova que o número de poetas homens é bem maior do que o de mulheres poetas (ou poetisas). Muito provavelmente isso se justifica pelo fato de a escrita, além da vocação,   estar calcada em, pelo menos, três outros requisitos: tempo, concentração e dedicação.

Na área da essência da Poesia, da expressividade  dos versos, a diminuta poesia feminina foi sempre balizada por regras convencionais, resultando em manifestações poéticas que longe estavam de exprimir tudo o que sua autora sentia. Os homens, críticos em potencial, muitas vezes se referem à poesia da mulher como “poesia pó-de-arroz”.

Entretanto, vozes femininas vêm rompendo  barreiras e arrebentando grilhões, inundando os versos com o mundo interior da mulher que ama, sente e deseja; ou seja, revela-se o mundo das sensações “proibidas” da mulher, o mundo maravilhoso do desejo feminino.  

O Blogue EM se orgulha de ter em suas páginas poetisas que não buscaram “escandalizar”, mas sim fazer caminhar com coragem pelo verso poético o seu sentir mais latente, sensual e verdadeiro.

Ei-las (e a sua sensual poesia):  



SOROR DOLOROSA
Sarah de Tobias

(grafia da época)

Reconforta-me a furia dos devassos,
0 suspiro rithmado dos violinos,
O coleio febril dos corpos lassos
E os violentos impulsos femeninos.

Irrita-me a cadencia dos meus passos,
O pello acariciante dos felinos,
O triste colorido dos espaços,
E o rithmo lento dos enfermos sinos...

Tortura-me o desejo das perdidas,
Das que trilham do vicio a longa estrada,
Das que fingem e são apetecidas...

Mas revolta-me o cerco destes muros,
Onde vivo escondida e torturada
Mostrando ás outras pensamentos puros...

 (Do livro Emoções Secretas, 1924)




 Arte de Ilka Vieira



SARAH DE TOBIAS
(nenhuma outra informação além da publicação do livro EMOÇÕES SECRETAS editado em 1924)









EPISÓDIO
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”
(São Paulo/SP, 1882-1963)

O reflexo do ocaso ensanguentado
doirava ainda aquele fim de dia...
De um frasco de cristal, mal arrolhado,
um cálido perfume se esvaía...

Junto ao teu corpo nu, convulsionado,
que de desejo e de volúpia ardia,
o meu corpo, nessa hora de pecado,
uma ânfora de gozo parecia.

Na quietude da tarde agonizante,
um beijo prolongado, delirante,
a flama da paixão veio acender.

E toda a minha feminilidade
era uma taça de sensualidade,
transbordante de vida e de prazer!



(Do livro Rapsódia Rubra: poemas à carne – 1961)






INTIMIDADE
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”


Toda alcova em penumbra. Em desalinho o leito,
onde, nus, o meu corpo e o teu corpo, estirados
na fadiga que vem do gozo satisfeito,
descansam do prazer, felizes, irmanados.

Tendo a minha cabeça encostada ao teu peito,
e, acariciando os meus cabelos desmanchados,
és tão meu... Sou tão tua. Ainda sob o efeito
da louca embriaguez dos momentos passados.

Porém, na tua carne insaciável, ardente,
o desejo reacende, estua... E, de repente,
dos meus seios em flor beijas a rósea ponta...

E se unem outra vez a lúbrica bacante
do meu ser e o teu sexo impávido, possante,
na comunhão sensual de delícias sem conta...


(Do livro Rapsódia Rubra: poemas à carne – 1961)






A CARNE
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Exiges. És ciumenta e egoísta. Não admites
qualquer rivalidade, ou que algo te suplante.
És forte e audaz no teu domínio sem limites,
capaz de transformar a vida, num instante.

És mísera e brutal. Mas nada obsta que agites
e açambarques o mundo! E que essa alucinante
e estranha sensação, que aos humanos transmites,
tenha, como nenhuma, um halo deslumbrante.

Ó carne que possuis no teu imo maldito
mais lodo que contém um charco pantanoso,
mais esplendor também que os astros do Infinito!

Rugindo de volúpia e de sensualidade,
espalhando na terra apoteoses de gozo,
ó carne, serás tu, a única verdade?

(Do livro Distância: poemas de amor e de renúncia, 1948)





SER MULHER...
Gilka Machado
(Rio de Janeiro/RJ, 1893-1980)
(grafia da época)

Ser mulher, vir á luz trazendo a alma talhada
para os gosos da vida: a liberdade e o amôr;
tentar da gloria a etherea e, altivola escalada,
na eterna aspiração de um sonho superior...

Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ella, o infinito transpor;
sentir a vida triste, insipida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um senhor...

Ser mulher, calcular todo o infinito curto
para a larga expansão do desejado surto,
no ascenso espiritual aos perfeitos ideaes...

Ser mulher, e, oh! atroz, tantalica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, preza
nos pezados grilhões dos preceitos sociaes!

 (Do livro Crystaes Partidos, 1915)





ANCIA AZUL (grafia da época)
Gilka Machado

A Francisca Julia da Silva*

Manhans azues, manhans cheias do pollen de ouro
que das azas o Sol levemente saccode!...
quem dera que, numa ode,
como numa redôma,
eu pudesse contêr o intangivel thezouro
da vossa luz, da vossa côr, do vosso arôma!

Manhans azues, manhans em que as aves, em bando,
entoam pelo espaço o hymno da Liberdade!
Que anceio formidando!
Que sêde de infinito o cérebro me invade!
Esta luz, esta côr, este perfume brando,
que se evola de tudo e que, de quando em quando,
o Vento — acolyto mudo,
passa thuribulando;
esta mystica fala,
que das cousas se exhala:
e conclama, e resôa
em toda a natureza,
como uma etherea lôa
entoada á vossa olympica belleza;
tudo á libertação, tudo ao prazer convida
e faz com que a creatura ame um momento a Vida.

Lindas manhans azues!
manhans em que, qual um zumbido
de tão intensa, a luz
sôa por todo o ambiente, echôa-me no ouvido,
e o Sol no alto espreguiça as múltiplas antennas,
quente, lúcido e louro,
como um bezouro
de ouro.
Manhans suaves, serenas,
manhans tão mansas, tão macias,
que pareceis feitas de pennas
e melodias...

Tudo se espiritualisa
á vossa côr sublime, suggestiva,
onde ha dedos de luz levemente a accenar...
a essa invencivel suggestão captiva,
na aza abstracta da brisa,
a alma das cousas sobe e fluctua pelo ar.

Eu, como as cousas, sinto indefinidas ancias:
a attracção do Ignorado,
a attracção das Distancias,
a attracção desse Azul,
ao qual meu pobre ser quizera transportado
vêr-se, da Terra exul.
E que gôso sentir-me em plena liberdade!
longe do jugo vil dos homens e da ronda
da velha Sociedade
— a messalina hedionda
que, da vida no eterno carnaval,
se exhibe phantasiada de vestal.

Manhans azues, manhans em que os vírides prados,
pelo vento ondulados,
parecem mares calmos,
e os mares, mollemente espreguiçados,
sobre as praias espalmos,
são vastos, verdes e floridos prados.
Manhans em que nas estradas
— lindas romeiras, enfileiradas,
diante do vosso sumptuoso templo,
que alto reluz — as arvores contemplo,
dansando todas, com gestos lentos,
ao som dos ventos,
na festa sacra da vossa luz!

O' mágicas manhans!
vós me trazeis ao cérebro ancias vans.
O fulgor que de vós se precipita,
perturba minha vida de eremita,
açora-me os sentidos
na narcose do tédio amortecidos;
ao vêr a Natureza toda em festa,
do seu pagode abrir as portas, par em par,
o meu sêr manifesta
desejos de cantar, de vibrar, de gosar!...

Esta alma que eu carrego amarrada, tolhida,
num corpo exhausto e abjecto,
ha tanto acostumado a pertencer á Vida
como um traste qualquer, como um simples objecto,
sem gôso, sem conforto
e indifferente como um corpo morto;
esta alma, acostumada a caminhar de rastos,
quando fito estes céos, estes campos tão vastos,
aos meus olhos ascende e deslumbrada avança,
tentando abandonar os meus membros já gastos,
a saltar, a saltar, qual uma alma de creança.
E analysando então meus movimentos,
indecisos e lentos,
de humanisada lêsma,
eu tenho a sensação de fugir de mim mêsma,
de meu sêr tornar noutro,
e sahir, a correr, qual desenfreado pôtro,
por estes campos,
escampos.

De que vale viver,
trazendo na existência emparedado o sêr?
Pensar e, de continuo, agrilhoar as idéas
dos preceitos sociaes nas tôrpes ferropéas;
ter impetos de voar,
mas preza me manter no ergastulo do lar,
sem a libertação que o organismo requer;
ficar na inercia atróz que o ideal tolhe e quebranta...
................................................................................
Ai! antes pedra sêr, insecto, verme ou planta,
do que existir trazendo a forma da Mulher!


Aves!
Quem me déra têr azas,
para acima pairar das cousas rasas,
das podridões terrenas,
e sahir, como vós, ruflando no ar as pennas,
e saciar-me de espaço, e saciar-me de luz,
nestas manhans tão suaves!
nestas manhans azues, lyricamente azues!



 (Do livro Crystaes Partidos, 1915)


(*) – poetisa  brasileira Francisca Julia da Silva (1871-1920)


GILKA MACHADO








Para o seu deleite, MULHER, o talento e a especial carícia do poeta Affonso Romano de Sant'Anna em oito fragmentos poéticos da mais sedutora amorosidade.





Affonso Romano de Sant’Anna

Artista e intelectual , com uma produção diversificada e consistente, pensa o Brasil e a cultura do seu tempo, e se destaca como teórico, como poeta, como cronista, como professor, como administrador cultural e como jornalista. Com mais de 40 livros publicados, professor em diversas universidades,  seu talento foi confirmado pelo estímulo recebido de várias fundações internacionais. Nasceu em Belo Horizonte, MG, no ano de 1937.

Fonte:
https://leopoldinense.com.br/coluna/664/poemas-de-affonso-romano-de-sant--anna




"O amor com seus contrários se acrescenta”
                                            
(Camões)


"Poemas para a Amiga"
               (Fragmento 1)

Tu sempre foste una
e sempre foste minha,
ainda quando a cor e a forma tua se fundiam
com outra forma e cor que tu não tinhas.
Por isto é que te falo de umas coisas
que não lembras
nem nunca lembrarias
de tais coisas entre mim e ti
ainda quando tu não me sabias
e dividida em outras te mostravas
e assim dispersa me ouvias.

Tu sempre foste uma
ainda quando o corpo teu
com outro corpo a sós se punha,
pois o que me tinhas a dar
a outro nunca o deste
e nunca o doarias.

Por isto é que te sinto
com tanta intimidade
e te possuo com tanta singeleza
desde quando recém vinda
ostentavas nos teus olhos grande espanto
de quem não compreendia
a antiguidade desse amor que em mim fluía.






"Poemas para a Amiga"
               (Fragmento 2)



Eu sei quando te amo: 
é quando com teu corpo eu me confundo, 
não apenas nesta mistura de massa e forma, 
quando na tua alma eu me introduzo 
e sinto que meu sangue corre em ti, 
e tudo que é teu corpo 
não é que um corpo meu 
que se alongou de mim. 


Eu sei quando te amo: 
é quando eu te apalpo e não te sinto, 
e sinto que a mim mesmo então me abraço, 
a mim 
que amo e sou um duplo, 
eu mesmo 
e o corpo teu pulsando em mim.





"Poemas para a Amiga"
               (Fragmento 3)

É tão natural
que eu te possua
é tão natural que tu me tenhas,
que eu não me compreendo
um tempo houvesse
em que eu não te possuísse
ou possa haver um outro
em que eu não te tomaria.
Venhas como venhas,
é tão natural que a vida
em nossos corpos se conflua,
que eu já não me consinto
que de mim tu te abstenhas
ou que meu corpo te recuse
venhas quando venhas.

E de ser tão natural
que eu me extasie
ao contemplar-te,
e de ser tão natural
que eu te possua,
em mim já não há como extasiar-me
tanto a minha forma
se integrou na forma tua.


"Poemas para a Amiga"
               (Fragmento 4)

As vezes em que eu mais te amei
tu o não soubeste
e nunca o saberias.

Sozinho a sós contigo
em mim mesmo eu te criava,
em mim te possuía

De onde vinhas nessas horas
em que inteira eu te envolvia,
nem eu mesmo o sei
e nunca o saberias

Contudo, em paz
eu recebia o carinho,
compungindo o recebia,
tranqüilo em meu silêncio
e tão tranqüilo e tão sozinho
que calmamente eu consentia:
- que ainda que muito me tardasse
mais ainda, um outro tanto, eu sempre esperaria.




"Poemas para a Amiga"
               (Fragmento 5)

Tanto mais eu te contemplo
tanto mais eu me absorvo
e me extasio

Como te explicar
o que em teu corpo eu sinto,
o que em teus olhos vejo,
quando nua nos meus braços
nos meus olhos nua,
de novo eu te procuro
e no teu corpo vou-me achar?

Como te explicar
se em teu corpo eu me eternizo
e de onde e como
sendo eu pequeno e frágil
pelo amor me dualizo?

Tanto mais eu te possuo
tanto mais te tornas bela,
tanto mais me torno eu puro.

E à força de tanto contemplar-te
e de querer-te tanto,
já pressinto que em mim mesmo
eu não me tenho,
mas de meu ser, ora vazio,
pouco a pouco fui mudando
para o teu ser de graça cheio.




"Poemas para a Amiga"
               (Fragmento 6)


Estás partindo de mim
e eu pressinto que me partes,
e partindo, em ti me vai levando,
como eu que fico
e em mim vou te criando.
Tanto mais tu me despedes
e te alongas,
tanto mais em mim vou te buscando
e me alongando,
tanto mais em mim vou te compondo
e com a lembrança de teu ser
me conformando.

Estás partindo de mim
e eu pressinto
na verdade, há muito que partias,
há muito que eu consinto
que tu partas como um mito...

Mas não és a única que partes
nem eu o único que fico:
sei que juntos e contrários
nos partimos:
-pois tanto mais nos desencontros nos revemos,
tanto mais nas despedidas consentimos.





"Poemas para a Amiga"
               (Fragmento 7)
  
Estranho e duro amor
é o nosso amor, amante-amiga,
que não se farta de partir-se
e não se cansa de querer-se.
Amor
todo feito de distâncias necessárias
que te trazem
e de partidas sucessivas
que me levam.
Que espécie de amor
é esse amor que nos doamos
sem pensar e sem querer com tanto amor
e tão profundo magoar?
Estranho e duro amor
que não se basta
e de outros amores se socorre
e se compensa
e neste alheio compensar-se
nunca se alimenta,
mas se avilta e se desgasta.

Estranho amor,
ferino amor,
instável amor

feito sem muita paz,
com certo desengano
e um desconsolo prolongado.

Feito de promessas sem futuro
e de um presente de saudades.
Chorar tão dúbio amor
quem há-de?

Estranho amor
e duro amor
incerto amor,

que não te deu o instante que esperavas
e a mim me sobejou do que faltava.




"Poemas para a Amiga"
               (Fragmento 8)

Contemplo agora 
o leito que vazio
se contempla.
Contemplo agora
o leito que vazio
em mim se estende
e se me aproximo
existe qualquer coisa
trescalando aroma em mim. 


Onde o teu corpo, amante-amiga,
onde o carinho
que compungido em recebia
e aquela forma que tranquila
ainda ontem descobrias?

Agora eu te diria
o quanto te agradeço o corpo teu
se o me dás ou se o me tomas,
e o recolhendo em mim,
em mim me vais colhendo,
como eu que tomo em ti
o que de ti me vais doando.

Eu muito te agradeço este teu corpo
quando nos leitos o estendias e o me davas,
às vezes, temerosa,
e, ofegante, às vezes,
e te agradeço ainda aquele instante (o percebeste)
em que extasiado ao contemplá-lo
em mim me conturbei
-(o percebeste) me aguardaste
e nos olhos te guardei.

Eu muito te agradeço, amante-amiga,
este teu corpo que com fúria eu possuía,
corpo que eu mais amava
quanto mais o via,
pequeno e manso enigma
que eu decifrei como podia.

Agora eu te diria
o que não soubeste
e nunca o saberias:
o que naquele instante eu te ofertava
nunca a mim eu já doara
e nunca o doaria.

Nele eu fui pousar
quando cansado e dúbio,
dele eu fui tomar
quando ofegante e rubro,
dele e nele eu revivia
e foi por ele que eu senti
a solidão, e o amor
que em mim havia.

Teu corpo quando amava
me excedia,
e me excedendo
com o amor foi me envolvendo,
e nesse amor absorvente
de tal forma absorvendo,
que agora que o não tenho
não sei como permaneço nesta ausência
em que tuas formas se envolveram,
tanto o amor
e a forma do teu corpo
no meu corpo se inscreveram.


Autor: Affonso Romano de Sant'Anna




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