Luz Interior (1972/1989)
BENEDITA
DE MELLO
Segunda edição – 1989
(grafia da época)
Nota
do digitalizador:
Nesta edição não existem prefácio,
orelha ou
quaisquer outras informações biográficas.
__________
LUZ INTERIOR
Olha os seres de dentro para fora;
banha teu ser na fonte da poesia;
mostra ao mundo de luz que te deplora
o clarão de outra luz que te alumia.
No reino augusto da sabedoria
enxugarás o pranto de quem chora,
que para seres bom, nasceste um dia.
Evita o prejuízo da demora.
Ama a Deus sobre o altar do pensamento,
conserva puros coração e lábios
e ficarás de todo o mal isento.
Da santidade, não te importe o custo:
Melhores do que os reis, foram os
sábios;
Melhor que ser um sábio, é ser um justo.
PREFERÊNCIA
O Saber preferir, - é qualidade
que demonstra fulgor de inteligência,
exigindo do Ser, clarividência
e poder inconteste de vontade.
JESUS, - foi a Suprema Preferência...
foi a Escolha, sem Par, da
Divindade...
Por Ele ficou salva a Humanidade...
O saber escolher é mais que
Ciência...
Escolhe como agir, com teus iguais:
- olhar e gesto e voz; escolhe mais;
escolhe aqueles nos quais deves
crer...
Escolhe o Amor mais puro e mais
profundo
e se pretendes transformar o Mundo,
escolhe o Livro que terás de ler...
MELHOR PROVEITO
Tu és um fruto de feitio exótico,
amor que por amor faz-se tirano,
confiança que anula o desengano,
um grande bem, temível e despótico.
Flor que enflora, em cem anos, um só
ano,
um ritual de luz num templo gótico,
remédio a desfazer qualquer
narcótico;
és a sublimação do ser humano.
Finalmente és um hino de esperança,
dentro da tempestade és a bonança;
tu és constelação em noite escura.
Mas que proveito eu tiraria disso?
O que importa saber não é que és
isso:
é saber quanto tempo é que isso dura.
FELICIDADE
Felicidade! Onde quiser a temos,
ela foi feita para todos nós;
fica às vezes conosco, não a vemos
e fechamos o ouvido à sua voz;
Afasta-se ao sentir que a não
queremos
e retorna a buscar-nos logo após;
vai-se outra vez, não volta, e nós
sofremos
porque entre multidões ficamos sós.
Eu sei de alguém que um dia a
possuiu:
Foi buscar-lhe o modelo na virtude
e com as próprias mãos a construiu.
Eu não a tive porque não a fiz,
pois só soube poder quando não pude
e não soube querer o que mais quis.
BENDITO ENCONTRO
Andei sem rumo pela vida a fora,
à procura de um Deus que, na verdade,
parecia-me estar na imensidade,
onde não chegam queixas de quem
chora.
Perguntava insistente à humanidade,
que em milhares de templos O adora:
Esse Deus de quem falas, onde mora?
E ela dizia: "Lá na
Eternidade".
O Evangelho do Cristo, pela voz
dos que O viram, aponta Deus em nós.
Li, entendi, vi que chegava ao fim.
Ajoelhei-me ante o altar da
consciência.
Eu que O busquei durante uma
existência,
O encontrava, afinal, dentro de mim.
PRESSENTIMENTO
Tenho os pressentimentos mais
profundos
de que ao baixar à Terra, além
deixamos
amigos que ficaram noutros mundos;
por isso é que ao nascer sempre
choramos.
Em tempos tão pequenos quais
segundos,
sem jamais nos cansarmos, regressamos
à pátria de onde somos oriundos;
assim para o progresso caminhamos.
Os que partiram para a Eternidade
têm navios no mar da imensidade
e aguardam almas nos celestes portos.
Então, desenganado quando enfermo,
chegando a vida ao esperado termo,
o homem conversa com os chamados
mortos.
DEUS SEMPRE AMOR
Quando a ciência avança agigantada,
procura Deus, não vê, descrente
insiste,
e despreza o bom-senso e - O QUE É
MAIS TRISTE,
risca a palavra "Deus" e
escreve "nada".
Ou a palavra "nada" não
persiste
na acepção em que sempre foi usada,
ou toda a natureza organizada
é criação de um Ser que não existe.
"Mas se existe",
dir-se-á - "Ninguém o viu"
e ninguém de entre os homens O
conhece.
Todavia, a razão sempre o sentiu.
Não podendo haver obras sem autor,
essa idéia de "Deus"
palpita e cresce,
e só não O vê quem não conhece o
Amor.
INCOMPREENSÃO
Desde que o mundo é mundo, a
humanidade
vive a pedir a Deus o que pretende;
às vezes pede uma infelicidade,
que ela, para seu mal, não
compreende.
Crê que o atendimento só depende
do sagrado Querer da Divindade,
e por isso blasfema, não entende
a razão do que chama
"Crueldade".
Não merecendo a filha o que acha
certo,
teima o Pai em negar e jamais cede,
apontando-lhe firme o abismo perto.
Jesus disse: "Pedi,
dar-se-vos-á",
mas é mister saber o que se pede,
como Deus sabe sempre o que é que dá.
FAZE O BEM
Faze o bem pelo gosto de fazê-lo;
faze o bem para ver outro feliz.
Não te importes se alguém não
merecê-lo.
Faze-o até pelo mal que alguém te
quis.
Planta que tem no amor sua raiz,
se por amor não fazes, vais perdê-lo.
"Bem por amor ao Bem", já
bem se diz.
Evita que te venham devolvê-lo.
Faze o bem. Nunca o deixes em
promessas;
faze o bem para o qual tu te
destinas;
não o calcules, não o pese, nem o
meças.
Faze o bem. Mas é bom que te
previnas:
os humanos te louvam se o começas,
mas te odeiam depois, se o não
terminas.
CELESTE DECLARAÇÃO
"Quem será minha mãe; e meu
irmão quem é?"
indaga à multidão o meigo Nazareno,
ao saber por alguém que, ao sol, ou
que ao sereno,
a sua Mãe e irmãos o esperavam de pé.
Ele, que sobre o grande elevava o
pequeno,
e cuja infância Deus confiou a José,
Cidadão do Universo - e não de
Nazaré,
declara que Seu Pai é Ser
extraterreno.
E para que o amor não tivesse
fronteira,
Jesus, se referindo à humanidade
inteira,
Chama irmão a quem segue o Pai
Celestial.
Quem for Pai ou for Mãe, decore esta
doutrina,
foi Jesus quem ditou - é palavra
Divina:
"Só existe um amor: o amor
universal".
QUE IMPORTA O MAL?
a calúnia dos maus, que importa a
mim?
cada qual é mais fútil e pequena;
como tudo o que é mal, há de ter fim.
Nasce a urtiga junto da açucena;
para provar o bom, existe o ruim.
Que me importa a mim mesma a minha
pena?
para sofrê-la foi que ao mundo vim.
Todo aquele que rouba meu direito,
há de perder um dia o próprio jeito
de perseguir-me como o faz agora.
Que importa a mim maldade
ultrapassada,
se eu durmo e sonho e vivo e sou
amada,
num belo mundo que habitei outrora!
O QUE EU VEJO
Eu vejo o pranto em toda a natureza,
banhando os seres batizando a dor;
lágrima desce até da vela acesa;
também o orvalho faz chorar a flor.
Chora a ovelhinha tímida, indefesa,
nas mãos carrascas do seu matador.
Por trás do riso também há tristeza;
por trás do pranto pode haver amor.
Chora quem ama, o arrependido chora;
quem veio ao mundo e quem daqui
partiu
em busca sempre de uma nova aurora.
Se o monstro chora, jamais se notou.
Nunca se soube que Jesus sorriu,
mas o Evangelho diz que Ele chorou.
TREVA E LUZ
Quem diz que o cego não vê luz, não
pensa
que o Pai dá tudo a todos igualmente;
que entre o vidente e o cego, a
diferença
é que um vê tudo, e o outro tudo
sente.
A luz, com seu poder de onipresença,
a maior invenção do Onipotente,
vários efeitos de uma Causa imensa,
está em toda a parte, em toda gente.
Não é por não ver luz que há gente
cega;
Mas por falhas de um órgão que a
conquista;
Isto é verdade que jamais se nega.
Concordo que a cegueira é cruz
pesada,
mas se alguém nada vê por não ter
vista,
quem tem vista, sem luz, já não vê
nada.
VAIDADE
Nós que somos tomados de vaidade,
quando alguém elogia o que fazemos,
devemos refletir que, na verdade,
copiamos dos outros o que temos.
Que na cópia, faltou-nos humildade
para dizer o pouco que aprendemos
com Povos que viveram noutra Idade,
e, por fim, quase nada é o que
sabemos;
que a vaidade, no fundo, é uma tolice
que se esvai cada dia, cada mês,
como os sonhos se vão, na meninice.
Apenas cada qual tem sua vez;
Tudo que hoje um disser, outro já
disse;
Tudo que hoje um fizer, outro já fez.
AMOR FRATERNO
Sob o teto de certa casinhola,
reuniam-se, ao fim de cada dia,
mendigos para verem quanto a esmola
nesse curto período lhes rendia.
"Nunca mais vou pedir naquela
escola",
este falava, aquele repetia:
"Nem eu naquela igreja",
outro dizia,
exibindo vazia uma sacola.
É quando a voz de um cego faz-se
ouvir:
É do amor que nasce a caridade,
e eu vi o amor fraterno me sorrir;
Tive alguém que me deu seu braço
amigo,
guiou-me pelas ruas da cidade
e não se envergonhou de estar comigo.
EVANGELHO NEGATIVO
Muitos anos ouvi, sempre descrente,
que Deus é sábio, bom, justo,
perfeito;
que ao mau arrependido dá direito
ao mesmo bem que é dado ao inocente;
ao que não se arrepende no presente,
depois da morte já não dará jeito;
todo o mal que um já fez o deixou
feito;
mas um goza, outro sofre eternamente.
Hoje, que tenho n’alma entronizada
a imagem de um Deus clemente, e vivo,
eu sentencio a custo, inconformada,
perante esse evangelho negativo:
É melhor não sentir, não crer em nada,
que amar um ser injusto e vingativo.
DOUTRINA JUSTA
Para você que a meu encontro vem
dizer-me sorridente que é feliz,
que teve nesta vida o que mais quis
e que tem muito mais do que outros
têm,
que para não magoar, nunca maldiz,
que para os bons, foi sempre bom
também,
se bem não fez, não fez mal a
ninguém,
apenas foi hostil para os hostis,
para você existe uma doutrina
que não é de ninguém, porque é
divina.
Veja se tira dela algum proveito;
por ela sempre o bem tem sua vez;
não só se paga o mal que já se fez,
mas até todo o bem que não foi feito.
LÁGRIMAS
Lágrima casta, suave, lenta, pura,
que ainda choro e que chorava
outrora,
ao despontar de radiante aurora,
às vezes triste como noite escura...
Lágrimas vindas todas da amargura
de quem é mais feliz quando mais
chora,
de quem mais perde quando mais
implora
e mais se afasta de quem mais
procura.
Nenhuma foi profunda, foi divina
como aquela, sutil e pequenina,
que me fez rubra assim que a
pressenti...
Que chorei muito só, muito em
segredo,
que enxuguei bem de leve, quase a
medo,
e ninguém soube que a chorei, por ti.
A LUÍS BRAILLE
Tu foste, Braille, o guia mais
perfeito
que já se tenha tido ou desejado;
com vida e morte iguais às de um
eleito,
muito pudeste ver sem ter olhado.
Ao que jeito não tinha, deste jeito;
grande herança deixaste ao deserdado,
levando-o com a glória do teu feito,
do mundo negro ao mundo iluminado.
Criaste a luz que a vista jamais
sente,
luz que apenas no céu terias visto,
luz pela qual tu foste sábio e
crente;
e foste mais: tu foste quase um
Cristo;
porque foste LUÍS BRAILLE, hoje eu
sou gente,
porque um dia nasceste, hoje eu
existo.
MAL MAIOR
Aos que outrora me olhavam com desdém
e aos que me olham ainda com despeito
e aos que guardam no olhar
insatisfeito
certo mal que os não deixa ver-me
bem,
aos que me fitam sem me ver direito,
aos que me espreitam quando vão ou
vêm,
aos que me vendo cá, julgam-me além,
aos que me espiam sempre de mau
jeito,
a todos, de odiar não sou capaz;
que a humanidade nenhum mal nos traz,
que nos possa fazer sofrer por isto.
Somente um grande mal nos faz o
mundo,
que na verdade é grande, que é
profundo:
é deixar-nos passar sem ter-nos
visto.
ARCO-IRIS
Pequenina - eu ouvia comovida,
uma história de estranha tempestade,
quando, por decisão da Divindade,
somente numa barca restou vida.
O que me impressionou, na minha
idade,
foi a faixa arqueada e colorida
que apareceu no azul da imensidade,
ao baixar aquela água enfurecida.
Eu pensava que o Sol, o pai sisudo,
que tudo faz viver e em tudo brilha,
devia ter chorado ao morrer tudo;
que já não tendo, em parte alguma,
flores
para enfeitar a Terra, sua filha,
deu-lhe o Arco-Iris - um jardim de
cores!
LÍRIOS
Sempre que os via abaixo dos
caminhos,
curvados sobre a vala enlameada,
eu pensava: Tão lindos! ...
pobrezinhos! ...
Vou dar-lhes verdadeiro lar de fada.
Vivem sem assistência, sem carinhos,
sem recompensa, a perfumar a
estrada...
E para não murcharem, coitadinhos...
Eu os mudei em fresca madrugada.
Hoje, entre rosas da maior beleza,
plantados no canteiro de um jardim,
nunca mais deram flores. Que
tristeza! ...
Pensando nisto, digo para mim:
"muita gente saída da pobreza,
ao morar num palácio, fica
assim".
CAUSA E EFEITO
Porque é que tenho o ser ao pranto
afeito?
A mim mesma interrogo, na constância
de procurar no tempo e na distância,
alguma coisa errada a meu respeito.
Coração desolado, insatisfeito,
eu continuo a pesquisar com ânsia,
até que chego à minha humilde
infância,
onde deparo a causa deste efeito;
é que em momentos de infantis
enredos,
nas famílias formadas em brinquedos,
sempre era de caçula o meu lugar;
chorona, era por todos castigada...
Sem saber, ia sendo preparada
para os futuros dias de chorar.
SÓ A VERDADE
Não sei se alguém é mau por ser
austero,
nem sei se os que castigam são
daninhos:
Quem fez a rosa com tão grande
esmero,
deu para companheiros, os espinhos.
Encontrarão tropeço em seus caminhos
os que ainda procedem como Nero;
que se tenha avareza nos carinhos,
se assim fazendo, alguém for mais
sincero.
Se as virtudes autênticas, reunidas,
se o verdadeiro amor - base das
vidas,
não fossem fruto da sinceridade,
o que restasse então, seria a triste
negativa de tudo quanto existe
pois nada existe fora da verdade.
SEDUÇÃO
Este Mundo - vastíssima platéia,
assiste indiferente ao grande fogo,
que vai desde a sagrada Galiléia,
até a mesa onde transita o jogo.
Na fogueira vai tudo - até a Idéia;
a labareda acende e cresce logo.
E a Humanidade, frívola e atéia,
analfabeta em crença - assina o rogo.
Nos salões e nos meios de transporte,
nos alpendres em flor, em qualquer
parte
o cinzeiro é jazigo: Lembra a Morte.
E queima-se a saúde, a bolsa, o
Estado.
A fumaça seduz-nos com tanta arte,
que ninguém vê que está sendo
queimado.
CHALÉ AZUL
O chalezinho azul que imaginaste,
entre colinas, sob um céu de cores,
pássaros soltos em redor, e flores
a se embalarem caprichosas, na haste,
era bem este, amor dos meus amores,
que hoje em alto relevo me enviaste,
arrancando-o da cova onde o
enterraste
entre desilusões e dissabores.
Se afinal, puder ser concretizado
esse chalé da minha fantasia
que há tanto tempo tenho em mim
guardado,
alguém que nesta vida te seguia
e por quem não pensavas ser amado,
será feliz ao menos nesse dia.
ALMA FERIDA
Eu era pequenina e não esqueço
que no auge do brincar me machucava;
e, por causas que agora só conheço,
apenas minha mãe eu procurava.
Fingindo dar-me aos gritos grande
apreço
ao ver tola a razão por que eu
chorava,
lembro-me bem - e como lhe agradeço!
ela soprava leve... e a dor passava.
Hoje, quando um ingrato me atormenta,
pisando-me com pés que eu hei lavado,
toda a minh’alma em chagas se
arrebenta.
E terei de sofrer muito na vida,
pois não existe sopro delicado,
capaz de me curar a alma ferida.
ANSEIO
Quero ter nos teus olhos meu olhar,
e que tu vejas tal como eu veria,
uma rosa se abrindo em pleno dia,
um barquinho a sumir-se em pleno mar;
e quero ver um pássaro voar
e um vagalumezinho que alumia
dentro da noite tépida e vazia,
e ver uma serpente caminhar.
Quero ver o rubor das namoradas
pelo primeiro beijo dominadas,
e ver o gesto com que alguém me
chama.
Afinal, por teus olhos quero ter
a sensação do que não posso ver:
O olhar ansioso da pessoa que ama.
ALÉM DO AMOR
Jamais existirá mãe desgraçada,
se souber educar o filho seu,
pois ele a guiará em sua estrada,
a partir do momento em que nasceu.
Se a afeição que o gerou foi
condenada
Aqui na terra, não será no céu:
Qualquer falta por Deus é tolerada
se um grande amor a envolve com seu
véu.
Se para a mãe vidente o filho é
glória,
é de muitas batalhas a vitória,
é caminho estelar que ao céu conduz,
para qualquer mãe cega, neste mundo,
o filho tem sentido mais profundo:
Além de ser amor, é a própria luz.
SANTA ESPERANÇA
Um grande amor que havia atormentado
longa existência de mulher feliz,
por fortunas e glórias arrastado,
caiu em todo o mal que pôde ou quis.
Rolou por onde rola o desonrado
dos erros todos tinham a cicatriz;
rolou no abismo fundo e enlameado
de hediondos crimes e paixões mais
vis.
Perguntei à mulher que achei sincera:
- E você que tanto ama, o que é que
espera
de quem vive caindo aqui e ali?
Como a zombar da própria desventura,
respondeu-me a sofrida criatura:
- "Espero ainda que ele caia em
si".
CAJUEIRO
Eu tive um cajueiro que nasceu
de uma delgada e rústica semente;
num instante feliz alguém me deu
em deslumbrante tarde de sol quente.
Amparei-no na infância e ele cresceu
para dar fruto e sombra a muita
gente.
Pela simples razão de ele ser meu,
sempre lhe achei encanto diferente.
Amei-o mais que se ama uma floresta
num convite a seu palco, sempre em
festa,
desafiando o céu, de forma estranha.
Sabem por quê? É porque o vi menino,
quando era um ponto verde, pequenino,
rasgando o ventre da mamãe castanha.
SIGILO
Não contes teu amor para ninguém,
que o amor falado perde o viço e a
cor,
perde a força do ser, perde o calor,
perde-se a si, perde-te a ti também.
Sendo a mais delicada e linda flor,
só no peito onde nasce, fica bem;
não é só teu, ele é de mais alguém;
não o contes senão ao próprio amor.
Se, porém, de guardá-lo andares
farto,
vai narrá-lo às paredes do teu
quarto,
mas se me atendes, desconfia delas,
que essas paredes duras, frias,
mortas,
vão dizê-lo mais tarde para as
portas,
e as portas, vão dizer para as
janelas.
SOLIDÃO
Menino só, rostinho magro e triste,
não tem camisa, dorme na calçada;
ave do ninho a que faltou alpiste...
Vai alto o dia, e não lhe deram nada.
Menino só! A criatura amada,
vai procurar mais uma vez - insiste;
ela é sozinha, vive desprezada,
e n’alma dela, tua mãe existe.
Menino só, a transitar na rua!
O sol é pai dos que sem pai nasceram;
vê se a mãe de outros, quer também
ser tua.
Ela não ri nem seu olhar tem brilho,
porque se há filhos que sem mãe
viveram,
muitas mulheres não tiveram filhos.
EM LINHA RETA
Linha reta em amor! ... Dá em pensar!
Amor em curva ainda nos completa,
imagine-se amor em linha reta,
quanto será capaz de realizar!
O Evangelho em ação, ação no lar,
a caridade lúcida, correta,
sem jamais vacilar em sua meta,
com desejo incontido de acertar.
O menosprezo às curvas dos caminhos,
sempre trocando flores por espinhos,
e decidido e ereto sempre em frente,
levando aos lares pobres pão e luz,
acompanhando os passos de Jesus,
hoje, amanhã, depois, Eternamente.
O INDEFINÍVEL
Matar amor, jamais alguém consegue.
É soberano, eterno, indefinido,
domina-nos assim que é pressentido;
em toda parte, célere nos segue.
Ninguém há que o não tenha conhecido;
tem de cair-lhe aos pés qualquer que
o negue,
o que se faz por ele, não se alegue,
que ele não dorme sem nos ter punido.
E se afinal pudesse ser queimado,
surgiria, depois, ressuscitado,
para ser bem mais forte e afirmativo;
e após termos chorado o desconforto
lamentando um amor, julgando-o morto,
agora o temos cada vez mais vivo.
OITIZEIRO
O oitizeiro que junto a ti vivia
e me seria uma lembrança tua,
coava, à noite, a branca luz da lua,
amenizava o sol durante o dia.
foi derrubado quando mais servia,
em hora quente sombreando a rua,
dando seus frutos à criança nua,
guardando o sabiá que lá dormia.
Meu amor é uma árvore que insiste
em viver sob os golpes do destino
e que ao ver morrer outra, fica
triste.
Eu declaro a mim mesma e ao mundo
inteiro
que para Deus será grande assassino,
quem feriu meu amor nesse oitizeiro.
PRÓS E CONTRAS
Se infeliz fui porque vivi errante,
na busca inglória de um ideal
perdido,
eu fui feliz por te encontrar
adiante,
olhar amante para mim erguido.
Ser infeliz fui por te saber distante
dos meus carinhos, para além, sumido,
eu fui feliz porque te fui constante:
tinha consciência do dever cumprido.
Se infeliz fui porque fui açoitada,
eu fui feliz por suportar a dor,
se infeliz fui porque fui desprezada
e neste mundo não vi forma e cor,
eu fui feliz porque já fui amada,
porque em nascendo, já provim do
amor.
TRISTE REGRESSO
Quando te conheci, eras formosa
como as flores ao sol no teu jardim.
Se ao mal fugias, rápida, medrosa,
para o bem tinhas sempre um firme
"sim"
Buscando luz, de afeto desejosa,
depressa fui a ti, vieste a mim;
mas por teres em ti alma de rosa,
viverias bem pouco e... veio o fim.
Ao regressar à Terra que foi tua,
não
estarás na mesma casa e rua
onde suavizaste alheias penas:
mas hei de ver-te ainda em pensamento
quando cair no mar do esquecimento,
o teu corpo a dormir sob as verbenas.
TRISTE PRETÉRITO
Em toda parte nasce a humilde grama;
seja em que terra for, encontra-se
ela;
se bem tratada, é alimento e cama
de quantos sofrem e precisam dela.
Verde e fofo tapete, opõe-se à lama;
com sol e céu e chão forma a
aquarela.
É secando-se toda que reclama
O mal que alguém lhe faz, pisando
nela.
Quando eu a encontro, à margem de uma
estrada,
pelos pés de fidalgos machucada,
ou, sem querer eu mesmo a espezinho,
sem que dê a entender, tenho-lhe pena
pois fui tratada enquanto fui
pequena,
como se trata a grama dos caminhos.
ASCENSÃO
Naquele dia em que vos vi de pé,
dez contra um só, famintos de
vingança,
como ferida por aguda lança,
eu, por pouco, não perdi a fé.
A fé... Essa irmã gêmea da esperança,
A confiança do ser, no ser que ele é,
A fé que em sua trajetória alcança
As estrelas, o sol e Deus, até;
pensei: um dia, seja eu viva ou
morta,
amanhã ou mais tarde, não importa,
esquecerei desgostos que sofri.
Vereis o riso transformado em pranto
e que, por terdes vós descido tanto,
foi que, sem o saber, tanto subi.
CARAVANA DO AMOR
Se queres que triunfe a idéia humana,
procura a luz que a experiência
encerra,
porque quem mais viveu menos te
engana;
por isso, ouvindo-a muito menos se
erra,
já que o presente do passado emana.
Constrói a paz onde existir a guerra;
forma por toda parte, caravana
que de fluido amorável cubra a Terra.
Caravana do Amor! Avante! Avante!
Todo o universo é de quem é
constante;
quando ficares triste, olha uma flor.
Sorri ao bem que só o bem acalma;
o que governa o corpo é a noss’alma;
o que equilibra os mundos é o amor.
SEMPRE SAUDADE
Tudo se esvai, deforma ou se
espedaça.
Desaparece a crença no futuro;
foge a recordação de uma desgraça,
a luz se afasta e dá lugar ao escuro.
Sempre evoluindo para ser mais puro,
perece o caçador após a caça;
porque nada na vida está seguro;
porque dizer - existe, é dizer -
passa.
Esmagam-se com força de vontade,
o ideal, o sonho, o gosto, a
liberdade.
Tudo se torce ou desfigura ou trunca;
para o aniquilamento há sempre jeito.
Estrangula-se o amor dentro do peito,
mas a saudade não se acaba nunca.
TU ME FAZES SOFRER
Tu me fazes sofrer sem que sejas
culpado
do meu padecimento, um momento
sequer,
Separada de ti, mais te sinto a meu
lado;
não se rompe esse nó que te prende a
meu ser.
A tu’alma é de santo, a minha é de
mulher.
Eu te ensinei a amar, me ensinaste a
sofrer.
E vai ter fim na terra esse amor
malsinado
sem que sejas feliz e sem que eu
possa ser.
Tu me fazes sofrer mas eu te quero
alegre;
sem
um amor se interrompe e ninguém há que o integre,
será só nesta vida atormentada e
avessa.
Não te devo causar tristezas nem
remorsos;
Se
não me é dado um bem, jamais, sem meus esforços,
nenhum mal me virá também sem que eu
mereça.
DIÁLOGO
Na alameda florida, em plena sesta,
ela com ele - a rica e o pobrezinho,
brincam. A natureza acha-se em festa.
"Quem é teu pai?" pergunta
Iva a Joãozinho.
"Meu pai morreu, eu tinha um só
aninho...
mas tenho um rico", o pequenino
atesta;
"é dono deste mundo, ele
sozinho".
O sol declina agora na floresta.
"Vês o céu? Vês a Terra? Vês o
mato?
É tudo Dele", afirma o tagarela.
Ivinha escuta com infantil recato.
De noite, diz ao pai, mostrando a
estrela:
"Compra, paizinho, vai ficar
barato,
porque o pai do Joãozinho é dono
dela".
ROLAS
Em nosso belo vir de sol de outono,
toda a inocência acorda em seu
cantares;
despertam campos do pesado sono,
e gemem rolas pela mata, aos pares.
Muitas jamais regressarão aos
lares...
e cada ninho em cada galho é tronco.
Arma assassina as acertou nos ares.
Há milhares de ninhos no abandono.
Rolas do céu! Vítimas da maldade!
Quão superiores sois à humanidade,
Filhas de Deus, diletas irmãzinhas!
No futuro, Jesus, como tu queres,
hão de ser puros homens e mulheres,
e nunca mais se matarão rolinhas.
DE UMA FILHA À SUA MÃE
Eu vivia a sorrir no teu desejo;
tu me pediste a Deus e foste ouvida;
vim através da prece colorida
das rosas tintas que em tu’alma vejo.
Dois corações vibrando o mesmo
arpejo,
têm sido os nossos, minha mãe
querida;
no calor do teu beijo dás-me vida,
eu sou a vida que te anima o beijo.
Eu sou a luz que ainda tens na Terra.
A inspiração que esse meu nome
encerra,
deposito a teus pés, sincera e
crente.
BENVINDA LúCIA!... nome que me deste!
Pela bonita idéia que tiveste,
Eu te serei BENVINDA eternamente.
A MELHOR SORTE
À memória de Crispim de Miranda
Henrique,
o maior profissional cego que conheci.
Perder quase ao nascer, a alegria da
vida,
jamais ouvir do amor as expressões
amenas,
matar no coração cada ilusão querida,
sofrer, sem se queixar, ingratidões
terrenas.
Ser do meio em que vive, alma
incompreendida,
sentir tudo a ruir nas horas mais
serenas,
ver no passar do tempo uma eterna
descida,
querer ser pai de um filho - e ser um
filho apenas,
mas, num dia molhado e tristemente
lindo,
ouvir, sem ter remorso, a doce voz da
morte
a dizer-lhe: "querido, agora
tudo é findo"...
e subir e subir às plagas siderais,
não é ter sorte boa: é ter a melhor
sorte;
Já não é ser feliz; é ser feliz de
mais.
AOS ESPERANTISTAS
Seres da mesma estirpe, em toda parte
há tantos!...
Deus lhes deu fala igual sobre esse
mundo inteiro.
Exprimindo igualmente as mágoas e os
espantos,
ladram todos os cães como o cão
brasileiro;
do mesmo modo o olhar traduz
quaisquer encantos;
sempre os do mesmo idioma entendem-se
primeiro;
falam em pensamento almas da treva, e
santos.
Diferença de língua é que faz
estrangeiro.
Seja pois, o esperanto, a corrente de
luz
que liga o servidor de Buda ao de
Jesus;
somente haja um dizer, das estrelas
ao pó;
com palavras iguais escrevam-se as doutrinas;
dêem-se a mesma forma às expressões
divinas,
cantem todo o amor numa linguagem só.
PERDA MAIOR
Quem cedo perdeu Mãe, perdeu a
infância,
perdeu na vida, a aurora do viver;
flor que ao desabrochar perde a
fragrância,
jamais há de encontrá-la, até morrer.
Qualquer forma ideal de bem-querer,
desinteresse ao máximo, constância,
no amor materno apenas pode haver,
porque entre filho e mãe não há
distância.
Dia de festa é noite de vigília
para o triste orfãozinho tenro e
langue;
quem não tem Mãe, também não tem
família.
Porém mais tarde, uma doutrina o
acalma:
a doce amiga que lhe dera o sangue,
poderá vir reconfortar su’alma.
MORTE DE JOAQUINA
...e Joaquina morreu. No penúltimo
dia
da sua luta insana ainda lhe falei;
respondendo ofegante ao que lhe
perguntei,
revelava na voz muita paz e alegria.
A mestra da faxina, a limpeza fazia,
em zelosa função sempre ali a
encontrei;
sem sequer despedir-me, assim foi que
a deixei,
sem saber que jamais na Terra
sorriria.
Os dias de mau tempo iam-se de repente;
o nevoeiro desfez-se: o sol voltou
mais quente
dando à flor do jasmim uma essência
divina.
A alma do povo humilde era toda
tristeza;
mas, por tanto esplendor que eu vi na
natureza,
houve festa no céu para esperar
Joaquina.
VIBRAÇÃO
Vibração pode vir do alegre ou
triste,
depende da palavra ou de uma ação,
seria o que eu senti e o que sentiste
naquele simples apertar de mão.
Foi do mal que sofri, quando
mentiste,
dando-me garantias de afeição.
Por tudo o que eu te disse e tu
ouviste,
tudo o que existe, causa vibração.
Vibração vem da vida e sentimento,
domina-nos o ser, fibra por fibra,
pelo grande poder do pensamento.
Onde existir a vida, tudo vibra,
sem precisar de espaço ou de momento.
Vibração vem do amor que os mundos
equilibra.
17 DE SETEMBRO
Aos meus alunos
Eu desperto a cantar e ouço cantando,
o mundo que se encontra ao meu redor;
velhas canções que mal guardei de
cor,
sem nem saber porque, vou recordando.
Se hoje está ruim, é que ontem foi
pior;
e a minh’alma se vai engalanando
e de papoulas rubras se enfeitando...
E a vida vai do bom para o melhor.
As tristezas têm horas de alegria;
Toda gente que sofre tem seu dia
de ser feliz ao menos uma vez.
De ingratidões passadas não me lembro
E neste DEZESSETE DE SETEMBRO
Venho brincar de roda com vocês.
ABNEGAÇÃO
Às enfermeiras
Anjo nos hospitais, ela se torna
obscura;
ignora quase sempre o grande bem que
faz;
deixa às vezes em casa a tristeza, a
amargura
e para o sofredor só alegrias traz.
Se para maior mal, a droga já não
cura,
Mostra no rosto amigo um sorriso de
paz;
E mentindo consola e desfaz-se em
ternura.
Só a mãe de Jesus, de tanto foi
capaz.
Tem na mão milagrosa o remédio que
acalma;
todo de amor fraterno o coração
inflama.
E
há brancura em seu traje e há brancura em su’alma.
Quando pousa no enfermo o doce olhar
de crente,
consegue retirar-lhe o cansaço da
cama
e fazê-lo esquecer até que está
doente.
CONFISSÃO
De cem ovelhas, cada qual mais
branca,
fui eu somente a que saiu fugida;
e feia e triste e desgarrada e manca,
hoje confesso que fiquei vencida.
Agradecendo a quem me dá guarida
e, quando pode, o meu gemido estanca,
prossigo ainda bendizendo a vida,
esperançosa, resoluta e franca.
Pastor do céu que todo o bem promove,
Deixei-te perto e me perdi além!
É noite escura, relampeja, chove.
Vem compassivo procurar-me, vem!
Ao teu rebanho de noventa e nove,
deixa que eu volte a completar as
cem.
UMA CARTA
Dedicada a Maria da Penha Maciel
Pereira
Uma carta que chega é uma promessa
do retorno de alguém que está
distante;
é sinal de amizade que começa,
ou é indício de um amor constante.
No prazer de servir que jamais cessa,
antes que o dono parta, vai adiante;
Conforta quem espera e quem regressa.
Por isso vale mais que um diamante.
Bendita seja pois, a mão que a
escreve
e a mão que a entrega para ser em
breve
transformada em lembrança tão
querida.
Contendo o pensamento ali grafado,
de alguém que, longe como ao nosso
lado,
é um traço de luz em nossa vida.
O TRABALHO
Qualquer trabalho traz sua colheita,
seja que espécie de trabalho for;
é das obras de Deus a mais perfeita
se a semente plantada vem do amor.
Um só minuto que não se aproveita,
é prejuízo do trabalhador.
O tempo é sacratíssima receita
para todo cansaço do labor.
Possui em cada ser um pioneiro...
Eis o pinto, um exemplo verdadeiro.
Ao vê-lo meditamos: quanto impasse?
Num peque no ambiente, comprimido,
ele trabalha antes de ter nascido:
Se não abrir o ovo ele não nasce.
O OUTRO LADO DA VISÃO
Mesmo que o cego fosse seu amigo,
atravessando perigosa praça,
disse o Zeca ao tirá-lo do perigo;
"A cegueira é de fato uma
desgraça".
Nesse instante, outro cego que ali
passa,
contente com seu ser, feliz consigo,
embora a frase nenhum mal lhe faça,
toma aquelas palavras por castigo.
Contrariando o que d’ele hoje se pensa,
diz o moço que é cego de nascença,
p’ra todos: "o ceguinho",
ele é Djalma.
"Se cego é ter um modo seu de
ver,
é, sem ter vista, tudo perceber.
Ser cego é ter os olhos dentro
d’alma".
CONTRASTE
Meu Deus que tudo criaste,
como, porque e até quando
há de haver este contraste?
- um no palácio, chorando,
- outro a mendigar, cantando;
rosa e espinho na mesma haste
e a mesma brisa embalando.
2ª. PARTE
UM POUCO DE BRASIL em 22 Sonetos
I
O Brasil esperou, sem maior
ansiedade,
a concretização de uma promessa
escrita...
Dela havia de vir uma terra bonita,
que seria uma Deusa em forma de
cidade.
Para tirar do pó a famosa Beldade,
padece o coração de uma nação aflita;
mas, num dia feliz, o mundo inteiro
grita:
"Esperança! BRASÍLIA agora é
realidade".
Tudo lhe foi trazido: A própria
Natureza
na faixa azul de um lago enorme,
transparente,
a cerca de esplendor sua estranha
beleza.
Sob um céu que Deus fez, de encanto
diferente,
foi criada uma fonte, a refletir,
acesa,
os olhos de BRASÍLIA e o coração da
gente.
II
Brasil és tu somente, brasileiro!
É por amor a ti que o tens de amar
desde os vales mais fundos ao
Cruzeiro,
das fronteiras, ao teto do teu lar.
Esse céu essas matas, rios, mar
e a Liberdade de que és tu o
herdeiro,
não têm rivais, talvez no mundo
inteiro,
são tesouros que deves conservar.
O Brasil é no espaço, a voz de um
sino;
na voz de um sino, a voz de uma
saudade,
um pai velhinho, um filho pequenino,
um anseio, uma força, uma vontade,
uma promessa dentro de um destino,
e, em tudo isto, Amor, Fraternidade.
III
Brasil é tudo aquilo que entendemos
sem o esforço sequer, de traduzir;
é expressão carinhosa que aprendemos
desde os primeiros dias do existir.
Príncipes, fadas que jamais veremos,
ternas canções nas horas de dormir,
um afago no dia em que sofremos,
um adeus no momento de partir.
É o São Francisco, de caudal profundo
que nasce e morre no Brasil - seu
mundo,
no afã de servir só a sua gente.
Brasil é a quixabeira em longo estio,
que ao grande sol resiste anos a fio
suportando o calor heroicamente.
IV
Brasil possui um Hino e uma Bandeira:
Alma e corpo da gente destemida,
que aspira a Paz e sabe ser
guerreira,
porque nas guerras, nunca foi
vencida.
O Hino é a essência que dá vida à
vida,
Grito de Liberdade, que a ribeira
passa cantando em triunfal descida,
entre ramos em flor da cordilheira.
A Bandeira é um mundo pequenino,
que, terra, céu, floresta e mar,
resume!
Formoso corpo, tem por alma um Hino.
Brasil! Noites de luar iguais ao dia,
amanhecer de cântico e perfume,
entardecer de cores, que extasia!
V
Brasil é General que na Batalha,
defende a Paz, desembainhando a
espada;
quando vitorioso - não gargalha:
A dor do seu irmão é respeitada.
É o homem cuja pena não tem falha,
que, por sua palavra inigualada,
a serviço da gente infortunada,
a fama de um País, no Mundo espalha.
É também – quem se vai – matas a
fora,
levando o sol da intrepidez consigo,
apontando aos selvagens, nova aurora;
quem respeita o Heroísmo do Passado,
quem leva ao homem do Brasil antigo
o moderno Brasil civilizado.
VI
Brasil é um suspiro que se esvai
nas horas de saudade, em terra
estranha;
é flor de ipê que na ribeira cai
e na corrente límpida se banha.
É jovem cor de jambo, que se acanha
perante o olhar do noivo, junto ao
pai;
é enxame de abelha que se assanha,
se braço estranho a seu cortiço vai.
O Brasil, de extensões desmesuradas,
é essência de três raças depuradas
por atos bravos e torturas mil;
é no escrínio terrestre, a melhor
jóia;
é Barroso, Luiz Gama, Araribóia;
é o sacrifício de vinte e um de
abril.
VII
Brasil mostra o caboclo nordestino,
que de alguns paus constrói a sua
nave
e entrega às ondas, crespas, seu
Destino,
ágil nas águas, qual no espaço, uma
ave.
Se ali morrer um dia, alguém lhe cave
em terra a sepultura; e cante um hino
a brisa que passar, fresca e suave,
minorando o calor do sol a pino.
Brasil recorda a rede e o violão,
uma cruz solitária junto à estrada,
um sonho de mulher e uma canção...
É, no infinito, um átomo disperso;
cabe inteiro, num simples coração;
é uma inspiração dentro de um verso.
VIII
Brasil! Formosas praias de coqueiros,
sobre lençóis de conchas nacaradas,
contando aos que lá vão coisas
passadas
no tempo de Maurício e de Negreiros.
Aqui e ali, carnaubais coiteiros,
palmas ao vento a farfalhar,
curvadas...
E há cochichos de folhas açoitadas
e há queixumes de gaitas nos
terreiros.
O Brasil é o caboclo do sertão
cuja herança paterna é o violão
modulando toada em noite morta.
O Brasil é a viola que ressoa
e quanto mais soluça, mais magoa
e quanto mais magoa, mais conforta.
IX
Brasil sente o soluço de amargura
da mãe que tem seu filho em plena
guerra;
é, por vezes, o grito de tortura
que o desabafo de um herói encerra.
Brasil é a voz melodiosa e pura
de seresteiros ao luar, na serra;
é o exilado numa noite escura
lembrando o sol de sua amada Terra.
Brasil é a Mulher de quem vieste,
e por quem no momento em que
nasceste,
pela primeira vez, foste beijado...
Brasil é uma rica e linda tela
de cores naturais: verde e amarela,
sob esse céu, de estrelas cravejado.
X
Brasil de uma só língua e uma só
gente,
quer a paz, quer amar, quer ser
amado;
vive o atual, honrando o seu passado,
e é simples como as águas da
corrente.
Toma o seu estandarte e segue em
frente;
é gênio de tal forma iluminado,
que até por mãos informes de aleijado
dá vida às pedras e deslumbra o
crente.
É Ordem combatendo o despotismo
que procura levá-lo para o abismo,
a pretexto de incerta liberdade;
sensato, Ele recusa estranho auxílio;
é Gonzaga partindo para o exílio,
é Marília morrendo de Saudade.
XI
Brasil é todo um Povo destemido
que a vastidão dos pampas tem no
peito,
desassombrado, intrépido, aguerrido,
que, num só gesto seu, impõe
respeito.
Galho de tronco estranho que, nascido
à luz de um novo sol, cresceu a jeito
do País pelo qual foi recebido
e agora o ama, por gosto e por
direito.
É o boiadeiro da campina imensa...
No seu cavalo em fogo, ele condensa
o impulso ardente de uma vida
inteira;
quando regressa à solitária estância,
traz no semblante o cunho da
arrogância,
que lhe inspira a coxilha brasileira.
XII
Brasil é a cabecinha cacheada,
escura ou loura, da menina em flor,
que antes de vir ao mundo, era
adorada
pelo belo ideal de um sonhador.
Filha do coração, filha mimada,
futuro lenitivo a qualquer dor,
olhar inquieto, borboleta alada
no céu azul do paternal amor.
É aquela Mestra, moça, inteligente,
através de anos, ensinando à gente,
infatigável na sagrada lida.
Dá gosto ouvi-la, e é dever prezá-la:
Com ela aprende-se o ABC da fala;
no mundo aprende-se o ABC da vida.
XIII
Brasil tem na Amazônia portentosa,
grandezas que conseguem deslumbrar;
ante seu esplendor, a alma orgulhosa
do cético, se ajoelha a meditar.
Ali, tudo extasia e faz sonhar,
desde a flor pequenina e perfumosa,
à copa escura da árvore frondosa
e ao bravo retorcer do Rio-Mar.
O Amazonas galopa formidando,
no dorso da floresta retumbando,
da fauna em peso, a receber louvores.
Faz-se mar ao tornar-se brasileiro,
Sobre ser o maior do mundo inteiro,
ainda o cobrem as maiores flores.
XIV
Brasil, se é brasileiro, é
complacente,
é vaidoso de si, do seu irmão,
de um pugilo de bravos descendente,
de ser bom brasileiro, faz questão.
Esse brio, é Brasil; e porque não?
É um patriotismo intransigente,
em saber o que vale, em ser valente,
com jactância, com garbo, com razão.
Reconhece quem foi Pedro Primeiro
que lhe deu um Brasil mais
brasileiro,
para assim, o guardarem nossos Pais.
Sabendo aquilo de que mais precisa,
ele estuda, trabalha e realiza
os seus mais avançados Ideais.
XV
Brasil é o índio que ao cair da
tarde,
sonha proezas de uma vida inteira;
tem a vantagem de não ser covarde
e tem a mata para conselheira.
Aqui, dorme a lagoa, sem alarde...
Ali, desce estrondosa, a cachoeira;
mas se à mingua de chuvas o solo
arde,
Ele tem filho que assim mesmo o
queira.
O vigor do Brasil culto ou selvagem,
cobriu de honras e feitos nossa
História,
dando a todos exemplos de coragem.
Brasil, gente cabocla, altiva raça,
que não leva vinganças à vitória
e não conhece o luto da desgraça.
XVI
Brasil é o ninho balouçando no alto,
no galho airoso da viril mangueira,
que o sol bem cedo vai tomar de um
salto,
banhando de ouro, a Natureza inteira.
Brasil é o carro a deslizar no
asfalto
da cidade serrana, ou da praieira,
de verdes mares, céu azul-cobalto,
jardins, pomares, edifícios, feira.
Brasil é a jovem de alva cor vestida,
que em seu ofício desconhece entrave,
se, ao moribundo, vai salvar a Vida;
doce enfermeira, que, em seu
bem-servir,
ao pé do enfermo vai contar suave,
longas histórias de fazer dormir.
XVII
Brasil é gesto de anciã cansada,
fraca velhinha que a tremer te fala,
que vai da vida já no fim da estrada
e hoje cochila no sofá, na sala.
É essa avozinha cuja voz pausada
narra antigas histórias de senzala;
mãe várias vezes, afetiva e amada,
nota já débil de infinita escala.
Brasil é a tia solitária e boa
Que a ti somente vê em toda a terra,
Que todo mal, se vem de ti, perdoa.
Que sempre reza pelo teu sucesso
e se tu partes para o horror da
guerra,
fica chorando pelo teu regresso.
XVIII
Brasil é a tumba em que teu pai
descansa,
ou em que dorme o pequenino ser
que outrora alimentou tua esperança
e hoje é saudade que te faz viver.
É de um passado caro, uma lembrança.
Brasil é o berço que te viu crescer,
filho das matas de real pujança,
irmão do leito em que virás morrer.
Brasil é o lenço com que ao longe
acenas,
feito das fibras do algodão macio,
testemunha sem voz, das tuas penas;
é os olhos claros de celeste brilho,
da mulher casta, de perfil esguio,
que com seus beijos, deu-te lar e
filho.
XIX
Brasil também se torna aventureiro,
se foge à terra, quando seca e nua,
para matar, nas águas, de um ribeiro,
a sede que seus traços, acentua.
Porém, se em seu longínquo tabuleiro,
vem a chuva e refresca a areia crua,
o Patriota regressa ao seu terreiro,
porque essa Terra que o castiga, é
sua.
O Sertão entra em franca primavera,
no desejo que tem, de muito dar -
a quem trabalha e luta e crê e
espera.
Ele, que o vale fértil, bem conhece,
ama esse chão onde formou se lar -
e porque sabe amar, perdoa, esquece.
XX
Se és brasileiro e se me lês, escuta!
- Vai a o Norte sentir o desafio
que o mar enfrenta ao defrontar um
rio,
no ventre hostil da Natureza bruta.
Vê como é desigual essa disputa,
de um forte contra um fraco; e o
poderio,
do maior, mais valente, mais bravio,
não consegue vitória em sua luta.
Em peregrinações, verás ainda,
como entre rochas, nasce flor tão
linda!
Mas... Vai depois às quedas do
Iguaçu...
Pensa que em Pátria, tão potente e
bela,
se não fores um filho digno dela,
tu te envergonharás de seres tu.
XXI
Brasil é muito mais do que hoje digo!
Só muito Amor pode cantar seu Brilho;
o verso é falho e não encontra abrigo
na trajetória de seguir-lhe o trilho.
Não falar nele, me será castigo;
da sua história fiz um estribilho
que, se não canto, penso a sós,
comigo,
seguindo os passos de quem é bom
filho.
Tudo o que é belo, por Brasil
entendo.
Tudo o que eu disse, sem cansar,
repito;
se nisto peco, nunca me arrependo.
Que a minha vida, em seu louvor se
gaste!
Lamento apenas, que o que tenho
escrito,
seja tão pouco, que ao Amor não
baste.
XXII
O Brasil é sentir de humanidade,
é, no mar da aflição, porto seguro,
é sentimento imaculado, puro,
é grandeza, afeição, fraternidade.
É o verso repassado de saudade
do poeta do sertão, vivendo obscuro,
é bravo lavrador do solo duro,
que ao próprio clima impõe sua
vontade.
Brasil é o carioca, alma indulgente,
Que tem da Guanabara o coração,
Imenso e aberto para toda a gente.
O seu amor ao bem é tão profundo,
que vendo em cada homem seu irmão,
ele abre os braços e recebe o mundo.
3ª. PARTE
ALGUMAS TROVAS
Eu a todos já perdoei:
Orgulho, inveja, cobiça;
só nunca perdoarei
a quem cegou a Justiça.
Nenhum cego é desgraçado,
mesmo pobre ou mal vivido;
o que faz desventurado
é não ser compreendido.
Teu amor foi minha cruz,
arrastei-o à vida inteira...
Hoje transformou-se em luz,
para eu morrer na fogueira.
Que a vida um suplício seja,
disto não duvido eu,
que a gente sempre deseja
a vida que não viveu.
Mamãe, deram-te um só dia;
mas é tão pouco, meu Deus!
Garanto, sem fantasia,
Que te dou todos os meus.
Cega, minha mãe querida
tão bem me serviu de guia,
que só tarde, já na vida,
foi que eu vi que ela não via.
- "Sossega! Tens repetido -
confia no nosso afeto".
Onde é que viste, querido,
quem tem amor ficar quieto?
Deste-me um leque; o teu plano
foi abrandar-me o calor;
mas se com ele me abano,
fico abrasada de amor.
Quis ser lembrada e encontrei
a chave da operação:
Dando-te um lenço fiquei
quase sempre em tua mão.
No teu amor traiçoeiro,
onde eu fiquei escondida,
só me verá o porteiro,
que fecha a porta da vida.
Conforta-me o teu carinho,
mesmo num ano, um só mês;
minha orquídea, em tempo igual,
só me dá flor, uma vez.
Prudência no amor...Bobagem!
Para nós nunca dá certo;
separados, temos muita...
Nenhum temos de perto.
Não sei se isto é falsidade,
ou procedimento feio:
Quando estou longe de ti,
passo a gostar do correio.
Você desprezou um cego...
Para castigar você,
bastava eu poder privá-lo
de tudo o que não se vê.
Este mundo... Quem o nega?
É mesmo de Satanás;
até a Justiça é cega,
para não ver o que faz!
Não só é sincero o amor,
pelos sinais que apresenta;
mas é sempre verdadeiro,
quando na distância, aumenta.
Dezembro chega a seu fim.
Voltas dois dias depois:
é quando o ano pra mim
começa no dia dois.
O caminho do vidente,
como o do cego, é incerto;
na reta, ele enxerga longe,
na curva, ele não vê perto.
A vida curta do cão
é para dar a entender,
que é sorte do coração,
muito amar, pouco viver.
O amor, é divina chama
que Deus, da altura irradia.
Quem tem ciúme não ama
quem ama não desconfia.
Desconfio que a saudade
inveja nossos carinhos:
para não vê-los, se evade
quando ficamos sozinhos.
Tenho sorte boa e rara,
nesta minha noite preta;
porque se não vejo cara
também não vejo careta.
Sentadinha junto a ti,
numa casa esburacada,
fui feliz como as princesas
nos velhos contos de fada.
Desde a mocidade de Eva,
que a cegueira é lamentada;
o cego que só vê treva,
lamenta o Que não vê Nada.
Ouvimos a mãe dizer:
"Minha filha, minha flor!"
É quando passa a sofrer
da tal cegueira de Amor.
Da vida, o que direi eu,
se tanto mal me fizeram?
Adoro a que Deus me deu,
mas detesto a que me deram.
Ele é rico e não percebe,
é grande e não reconhece,
quanto mais dá, mais recebe,
quanto mais se dá, mais cresce.
Fazer bem sem interesse,
uma recompensa traz,
a qual só consiste em ter-se
o bem que esse bem nos faz.
Nunca se pergunte quando
alguém principia a amar;
de repente está-se amando;
não se sente começar.
Em amor não se acredita;
para aos fatos dar valor,
dizemos: Palavra de honra!
E não: Palavra de amor!
O prazer de alguns amantes
é difícil de entender:
um sente prazer sofrendo,
outro, fazendo sofrer.
Tinhas um falar macio,
mas agora és turbulento.
Foi muito falso elogio
que te fez cheio de vento.
A palavra sem ação
é pólvora incendiada,
não parte do coração:
só faz barulho, mais nada.
Se prometes e não cumpres,
não me interessa a razão,
que o fato de não cumprires,
já serve de explicação.
A rosa e a mãe sempre vão
percorrendo o mesmo trilho;
renasce uma no botão
outra renasce no filho.
Se tu fumas, com vontade
que a saudade se desfaça,
previno-te que saudade
não se mata com fumaça.
Não nos pertence a saudade
que bem e que mal nos faz...
Ela é de alguém que não vem
e quando vem não a traz.
Quando dizias verdades,
eu não te queria ouvir,
quando me dispus a crer,
tu começaste a mentir.
Não sei se é tolo ou profundo
aquilo que vou dizer:
- Há muita coisa no mundo,
que é bom não se poder ver...
Se escreves para alegrar-me,
e tua carta entristece,
é que escreves na alvorada,
e eu leio quando anoitece.
Que será viver a Vida?
Viver mal ou viver bem?
Só é bem vivida a vida
que se vive por alguém.
Qualquer vingança de amor,
nenhum resultado alcança...
Quem se vinga sofre mais
do que quem sofre a vingança.
O ciúme é uma vindita
que de um contra-senso veio...
Eu já vi mulher bonita,
ter ciúme de homem feio.
Não pensem que sou vivida,
que viver não é assim;
eu não passei pela vida;
a vida passou por mim.
Não sinto falta de ti...
Falta não seria assim;
Sinto é que sem ti, me falta
mais de metade de mim.
É cego o amor? Quem diz, mente;
o amor enxerga demais:
Vê qualidades na gente,
que outro nunca vê iguais.
Amor é coisa que nunca
pode ser qualificada;
quem mais entende de amor,
diz: "Amor..." não diz mais
nada.
Sigilo em amor faz medo...
Estraga a nossa delícia;
amor que exige segredo,
não é amor, é malícia...
Na cadeira junto à minha,
onde você ficaria,
pode sentar quem quiser,
que há de estar sempre vazia...
Não chore o pobre na choça
uma existência sofrida,
que esta vida não é nossa,
nem nós somos desta vida.
Podes pedir proteção
a bem ou a malfeitores;
mas nunca estendas a mão
a quem te deve favores.
O bem que se faz a alguém
tem tão malvadas respostas,
que eu acho até que convém
fazer-se o bem pelas costas.
Quando tu ficas calado,
e de amor eu vou falando,
o teu silêncio é tão alto
que fica me perturbando.
A saudade que me fazes,
já muito infeliz me fez;
mas não desejo matá-la,
para não ver-te outra vez.
Distâncias grandes, pequenas,
deixando um cá e outro além,
se são de corpos apenas
nunca separam ninguém.
Aquele grande segredo
que me quiseste dizer,
guardei-o com tanto medo,
que me esqueci de saber.
Minha vida amargurada
não encontra a tua vida;
se me atraso na chegada,
tu te adiantas na partida.
Se uma tristeza incontida
a cegueira em nós derrama,
lembro que o pior da vida,
é ver chorar a quem se ama.
Guardei a cartinha tua
na mesinha, junto ao leito;
ela é minha Ave-Maria,
que rezo quando me deito.
"Serás de alguém a metade",
diziam-me desde o berço...
Mentira! Porque sem ti,
valho até menos de um terço.
Amigo, eu digo a você:
penso que me compreende,
cego não é quem não vê,
é quem vendo, não entende.
Esses meus irmãos terrenos
o meu lugar sempre esquecem,
quando eu desço, eles me sobem,
quando eu subo, eles me descem.
Seja qual for minha sorte,
recuso a vela fingida;
que só me alumie a morte,
quem me foi sincero em vida.
Separados, somos sérios,
juntinhos, não somos tanto;
garanto por mim, por ti,
mas por nós dois, não garanto.
Quem vive sempre a dizer,
que o amor nasce do olhar,
acha impossível de crer,
que alguém cego possa amar.
Cada qual tem o seu jeito:
eu falo e você se cala;
e com o meu jeito me ajeito
ao jeito da sua fala.
Nosso amor não tem perigo:
tu és puro, eu sou prudente;
mas se fico só contigo,
tudo fica diferente.
Nosso amor irá morrer
sem que o possamos curar:
tu receias me dizer,
eu receio acreditar.
Na vida, curta viagem,
aprende-se desde cedo,
que a gente só tem coragem
tendo medo de ter medo.
Por duas culpas, Valfrido
apanhava de chinela:
a culpa de ter nascido
e de ter mãe como aquela.
No lugar da carochinha
que o passar dos anos consome,
temos hoje a mentirinha
de mulher igual a homem.
Quem defender igualdade,
tire impressões digitais:
Que o autor da humanidade
não fez dois dedos iguais.
A República de agora
e também a do amanhã,
não deve esquecer que outrora
foi de Benjamim Constant.
Não sei o que mais atrasa
e causa maior vigília;
se é ter família; sem casa
ou ter casa sem família.
Entre todos os engodos
que nesta vida encontrei,
o maior foi este: "todos
são iguais perante a lei".
Quem mais perde na conquista
de uma saúde? É o fato
de algum médico sem a vista?
Ou de outro que não tem tato?
A cabeça virou pé.
Mudou tanto nossa vida,
que agora temos até
infância prostituída.
Embora nada lhe sobre,
do que tem para viver,
pense que toda mãe pobre
tem fortuna sem saber.
Esta trova tagarela
que humildemente lhe dou,
representa a autora d’ela,
que a cegueira não cegou.
A minha obra, quase nada,
que hoje lhe é oferecida,
é muito pouco inspirada
e muitíssimo vivida.
Seu costume de dizer:
"Seja assim, se Deus
quiser",
mude p’ra "se eu merecer",
que o que é bom, Deus sempre quer.
O seu amor, eu entendo,
faz pena! Sabe por quê?
É de você a estar vendo
e ela não o poder ver.
Garanto e até aposto
e não perco p’ra ninguém:
Não é de você que eu gosto.
É de um "quê" que você tem.
Quem exige gratidão,
cobra o que há de mais caro;
tributo de coração
é o que existe de mais raro.
Para uma Criança
Você é uma avezinha
de asas brancas, pés azuis
dono de uma cabecinha
cheia de pingos de luz.
--xxx--
FONTE:
1.
Texto do Livro Luz Interior, de
Benedicta de Mello,
2ª. Edição, 1989
https://visionvox.com.br/biblioteca/b/Benedicta_de_Mello_Luz_Interior.txt
2. Apoio: Livro LUZ INTERIOR, de Benedita
Melo – Composto e impresso nas Oficinas Gráficas da Cooperativa Cultural dos Esperantistas, Av.
13 de maio, 47 – Sobreloja 208, Rio de Janeiro/RJ (não consta o ano da edição,
mas há informação de que é 1972)
Nota
explicativa:
Levamos em conta as 2 fontes citadas acima, para que a obra LUZ INTERIOR, de Benedicta de Mello, fosse apresentada o melhor possível.
rc/Rio de Janeiro-Out-Nov-2023
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