JOÃO DE CASTRO NUNES com FERNANDO PESSOA


O Amor...

O amor é um sonho que chega para o pouco ser que se é.
Amar é cansar-se de estar só: é uma cobardia, portanto, é uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos).
Amor não se conjuga no passado, ou se ama para sempre ou nunca se amou verdadeiramente.
O amor é uma amostra mortal da imortalidade.
O sonho jovem do amor é muito velho.
Quando puderes dizer o teu grande amor, deixa o teu grande amor de ser grande.
(Fernando Pessoa)

Nunca amamos ninguém
Nunca amamos ninguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso – em suma, é a nós mesmos – que amamos. Isso é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa.
                                                      (Fernando Pessoa)


Amor ausente
João de Castro Nunes

Teu mal, Pessoa, foi não ter amado
a sério uma mulher, como eu amei,
mãe de oito filhos que eu alimentei
sob o carinho seu… tão partilhado!

Falar de amor sem nunca o ter provado
mesmo que fora dos grilhões da lei
foi coisa que jamais… eu perfilhei
por ser um sentimento simulado.

Ao que julgo saber, caro Pessoa,
a mulher para ti, celibatário,
nunca foi mais que tema literário.

Contrariamente àquilo que apregoa
por esse mundo fora muita gente,
o amor nos versos teus se encontra ausente!


Presságio
Fernando Pessoa

O AMOR, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar, 
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...


Amor Consumado
João de Castro Nunes

Amei-te, amor, por um imperativo
da minha natureza: não podia
deixar de amar-te desde aquele dia
em que me deste, amor, esse motivo!

Eras em tudo aquilo que eu sonhava:
porte distinto, olhar afectuoso,
linda de rosto, mais do que formoso,
um jeito de sorrir que cativava.

Cabeça levantada, ombros erguidos,
era o teu mote de procedimento
em todos os aspectos e sentidos.

Predestinado ou não, meu grande amor,
sacramentado pelo casamento,
perdura ainda em todo o seu fulgor!


Quando ela passa
Fernando Pessoa

Quando eu me sento à janela
P´los vidros que a neve embaça
Vejo a doce imagem dela
Quando passa... passa... passa...
Lançou-me a mágoa seu véu:-
Menos um ser neste mundo
E mais um anjo no céu.
Quando eu me sento à janela,
P´los vidros que a neve embaça
Julgo ver a imagem dela
Que já não passa... não passa...


Dez Anos Depois
João de Castro Nunes

Levou-te Deus de mim, querida Esposa,
deixando-me em tristeza mergulhado;
levou-te para sempre do meu lado,
tornando minha vida… dolorosa!

Se acaso Deus julgou que te levando
eu por me conformar acabaria,
rotundamente se equivocaria
crendo que eu arderia em lume brando.

Só conseguiu, com força redobrada,
atear a labareda que me queima
por dentro o peito em chaga descarnada.

Nunca  estiveste, Esposa, tão presente
na minha vida, meu amor, que teima
em não te ver sair… da minha frente!


O Amor Romântico
Fernando Pessoa

O amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e, em breve, sob a veste do ideal que formámos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos. O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão. Só o não é quando a desilusão, aceite desde o príncipio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida.                                


Nunca  Estou Só!
João de Castro Nunes

Nunca estou só, pois tenho sempre à frente
da minha vista a tua doce imagem
cujo retrato, mesmo que eu me ausente,
levo comigo dentro da bagagem.

Nunca estou só: no lar ou em viagem
estou teu rosto a ver constantemente
sem nada me importar com a paisagem
perante a qual me sinto indiferente.

Nunca estou só, seja em que sítio for,
pois em lembrança ou em fotografia
estás sempre comigo… noite e dia.

Onde quer que eu me encontre, ó meu amor,
nunca estou só, pois sinto ao meu redor
a tua imaginária… companhia!


O Amor pede identidade com diferença
Fernando Pessoa

O amor pede identidade com diferença, o que é impossível já na lógica, quanto mais no mundo. O amor quer possuir, quer tornar seu o que tem de ficar fora para ele saber que se torna seu e não é. Amar é entregar-se. Quanto maior a entrega, maior o amor. Mas a entrega total entrega também a consciência do outro. O amor maior por isso é a morte, ou o esquecimento, ou a renúncia – os amores todos que são os absurdiandos do amor.
(…) O amor quer a posse, mas não sabe o que é a posse. Se eu não sou meu, como serei teu, ou tu minha? Se não possuo o meu próprio ser, como possuirei um ser alheio? Se sou já diferente daquele de quem sou idêntico, como serei idêntico daquele de quem sou diferente? O amor é um misticismo que quer praticar-se, uma impossibilidade que só é sonhada como devendo ser realizada.


As Linhas do Teu Rosto
João de Castro Nunes

Para além do retrato em que figuras
inconfundivelmente definida
procuro refazer as linhas puras
da tua face um tanto diluída.

Cada dia que passa, mais distante
te encontra, meu amor, da minha vista,
mas tua imagem não me sai diante
dos olhos de maneira realista.

À margem do retrato que mantenho
emoldurado junto à cabeceira
a par de uma porção do santo lenho,

continuamente, amor, faço e refaço
na minha mente em tudo verdadeira
tua fisionomia… traço a traço!


Fernando Pessoa 
                 por 
                       Fernando Pessoa


Quando Olho Para Mim Não Me Percebo
Fernando Pessoa

Quando olho para mim não me percebo. 
Tenho tanto a mania de sentir 
Que me extravio às vezes ao sair 
Das próprias sensações que eu recebo. 

O ar que respiro, este licor que bebo, 
Pertencem ao meu modo de existir, 
E eu nunca sei como hei de concluir 
As sensações que a meu pesar concebo. 

Nem nunca, propriamente reparei, 
Se na verdade sinto o que sinto. Eu 
Serei tal qual pareço em mim? Serei 

Tal qual me julgo verdadeiramente? 
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu, 
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.


Deixei de Ser Aquele que Esperava
Fernando Pessoa

Deixei de ser aquele que esperava, 
Isto é, deixei de ser quem nunca fui... 
Entre onda e onda a onda não se cava, 
E tudo, em ser conjunto, dura e flui. 

A seta treme, pois que, na ampla aljava, 
O presente ao futuro cria e inclui. 
Se os mares erguem sua fúria brava 
É que a futura paz seu rastro obstrui. 

Tudo depende do que não existe. 
Por isso meu ser mudo se converte 
Na própria semelhança, austero e triste. 

Nada me explica. Nada me pertence. 
E sobre tudo a lua alheia verte 
A luz que tudo dissipa e nada vence. 


João de Castro Nunes 
                     por 
                         João de Castro Nunes


Dentro da  Curva
João de Castro Nunes

Aproxima-se a morte a largos passos
para em seus braços me levar a Deus
atravessando os siderais espaços
e às minhas ilusões dizendo adeus.

Sinto-lhe os dedos a bater-me à porta
chamando-me de fora com carinho
naquele tom de voz que não comporta
delongas para o início do caminho.

Saudades levo deste mundo, imensas,
embora muitas vezes salpicado
me visse de baixezas e de ofensas.

Tive meus dissabores algo amargos,
mas em compensação, por outro lado,
dei  pleno cumprimento aos meus encargos!


A Sedutora
João de Castro Nunes 

A morte anda connosco de mão dada,
sentando-se connosco nos jardins,
rosas colhendo, cravos e jasmins,
qual noivo a par da sua namorada.

Nunca o rosto lhe vi, mas imagino
que alguns encantos deve ter, perante
o modo como certo mendicante
se lhe entregou festivo como um sino.

Quantos heróis nos campos de batalha
Dela se cativaram… permitindo
que o peito lhes crivassem de metralha!

Eu quero crer, sem morbidez alguma,
que seu semblante deverá ser lindo
e seu contacto… leve como espuma!


Pessoa e Castro Nunes 
           – Distintos Poetas de Portugal
                   - Poetas distintos de Portugal





JOÃO DE CASTRO NUNES / 7º POETA CONVIDADO MÊS



JOÃO DE CASTRO NUNES
(†17-06-2016, Portugal)

A admiração, o aplauso e a saudade do


Blogue Expressão Mulher-EM

______________



A força da oração
(para Ilka Vieira)

Pareça embora que não,
nada possui mais vigor
que uma simples oração
que nos vem do interior.

Nem sempre quando se reza
para Deus as mãos erguendo
é na mira de a riqueza
ele nos ir concedendo.

Reza-se às vezes apenas
para lhe testemunhar
nossas agruras e penas.

A oração tem o poder,
que ninguém pode negar,
de montanhas remover!

João de Castro Nunes
Coimbra, Portugal







Mulher, Uma Flor...




Suprema Criatura
João de Castro Nunes

Foi na mulher que Deus deve ter posto
sua atenção melhor para criar,
desde o espírito às feições do rosto,
o ser universal mais singular!

Talvez pensasse já nesse momento
que um dia no seu ventre encarnaria,
segundo reza o Velho Testamento
em clara e assumida profecia.

O certo é que pôs nela de raiz
os atributos todos da beleza,
sem precisar de usar nenhum verniz.

Aceito piamente essa versão
em toda a sua extrema singeleza
que em nada contradiz minha razão!


Eva
João de Castro Nunes

Autêntico ou somente literário
nunca deixaste de cantar o amor,
Luís Vaz de Camões, cujo ideário
foi dominado pelo seu ardor!

Talvez tivesse sido imaginário
o nome de Natércia ou Lianor,
mas não deixou de ser extraordinário
o que escreveste em verso a seu favor.

Nenhum poeta teu contemporâneo,
itálico, espanhol ou conterrâneo,
te superou nem te igualou sequer-

Pode mesmo afirmar-se que teu génio,
seja qual for o século ou milénio,
formalizou… o culto da Mulher!


A Mulher Adúltera
João de Castro Nunes

Trouxeram a Jesus, para o provarem,
uma mulher adúltera de facto
e começaram por lhe perguntarem
o que pensava acerca daquele acto.

Olhando-os e citando a lei moisaica,
Cristo não discordou dos seus preceitos
mas conhecendo a ronha farisaica
trocou a volta à astúcia dos sujeitos.

"Sabeis qual é a lei, executai-a,
mas quem a apedrejar, veja primeiro
se tem pecado algum da mesma laia"!

Foram caindo as pedras no terreiro
uma após outra... e foi assim que Cristo
os confundiu a todos... só com isto!


Zêuxis: Beleza e Fealdade
João de Castro Nunes

Não existindo numa só mulher
a perfeição de Helena, Zêuxis teve
a ideia genial, ao que se escreve,
de a várias, em Crotona, recorrer:

os olhos de uma; de outra, o seu cabelo;
os seios desta; daqueloutra, a perna…
e assim refez, para ficar eterna,
a bela Helena, arquétipo e modelo!

“Não me convence! – alguém logo interveio –
se ele não for capaz, do mesmo jeito,
de retratar o horrendamente feio!”

“É para já! – lhe retorquiu o artista –
Dirija cada qual a sua  vista
para a sua alma… e veja o seu efeito!”


Poética Magia
João de Castro Nunes

Lutaram por Helena dois impérios,
o grego e o troiano, dois estados
com seus heróis, monarcas e soldados
sob um furor de mútuos impropérios.

Durou dez anos essa guerra atroz
pela posse de Helena entabulada
e por Homero em verso eternizada
ao cabo de alguns séculos após.

Difícil é saber quem foi maior
se o myrmidon Aquiles ou Heitor
no singular combate que travaram.

Mais velha Helena pouco já valia,
mas foi pelos poetas que a cantaram
que bela se manteve… todavia!


“La Boina Gris”
João de Castro Nunes

Pela minha existência não passaram
Natércias verdadeiras ou fingidas
nem quaisquer outras musas referidas
pelos Poetas que as imaginaram.

Não tive Marissóis nem Marissombras,
as “boinas grises” das canções de amor
dos verdes anos de Neruda em sombras
e brasas escaldantes… de louvor.

Com Dinamenes, Bárbaras cativas,
Ofélias, Julietas não sonhei
nem poeticamente as invoquei.

Sem prestar culto a literárias divas,
apenas à “Rucinha”, em que só penso,
com devoção queimei nuvens de incenso!


As Minhas Antígonas
João de Castro Nunes

Três Antígonas tive em minha vida
quando a velhice à porta me bateu
e meu vigor mental… enfraqueceu,
qual delas mais solícita ou sofrida!

Foram meus olhos, quando foi preciso,
para no escuro ver… sem tropeçar,
minhas sandálias para caminhar
sem figura fazer… de pouco siso!

Três filhas Deus me deu para amparar-me
nos derradeiros passos da existência,
como se fossem meus sinais de alarme!

Como o rei cego da tragédia grega,
eu nelas encontrei toda a assistência
que importa ter… quando a velhice chega!



Ao Meu Eterno Amor... À Minha Mulher... À Minha "Rucinha"...


Soneto nº 1.870

Amor em Cada Verso
João de Castro Nunes

Meus versos cor do céu e da turquesa
e das ondas do mar quando está calmo
pretendem ser um género de salmo
a tudo quanto é bom na natureza.

Pretendem ser rivais das sinfonias
cantadas pelos anjos nas estrelas,
pretendem ser iguais ou paralelas
às obras-primas das antologias.

São a minha maneira de rezar
a Deus que me criou para O amar
sobre todas as coisas do universo.

Abaixo d’Ele, amor, só tu mereces
as minhas poesias que são preces,
uma oração de amor em cada verso!


MARIA DE LOURDES GUIMARÃES
João de Castro Nunes
Coimbra – Portugal

Em Góis nasceu, em Góis a namorei,
a Maria de Lourdes Guimarães,
com quem na capelinha me casei
mandada construir, além do mais,

pelo senhor da povoação de Góis
e conde de Sortelha, guarda-mor
de D. João Terceiro, embaixador,
que em Góis viria a falecer depois.

Recordo a vila sempre com saudade
pois lá passei românticos momentos
de rara e juvenil felicidade.

Sempre que lhe ouço o nome ou quando o leio,
é para lá que vão meus pensamentos
pois foi dali que minha esposa veio.


A Consorte
João de Castro Nunes

Tu foste, amor, a minha Inês de Castro,
a minha casta Eurídice de Orfeu,
a minha Beatriz, em cujo rastro
o enamorado Dante andou no céu.

Foste a minha Natércia, a alma gentil
cantada por Luís Vaz de Camões,
a minha Dinamene, o meu Brasil
das esmeraldas vindas aos montões.

A minha Helena foste, pela qual
dez anos guerreou a Grécia inteira
para ficar sem ela… no final.

Foste a minha Judite, a minha Ester,
mas foste sobretudo, à minha beira,
acima das demais… minha mulher!


Sorte  Minha / Maria de Lourdes Guimarães  (“Rucinha”)
João de Castro Nunes

Ela era o supra-sumo das mulheres
em todos os sentidos, sem mazela
de espécie alguma, virtuosa e bela,
sem nunca descurar seus afazeres.

Mulher assim, dirão, nunca existiu,
nunca Deus a criou para ninguém
nem mesmo, desde logo, para quem
em seu marido… se constituiu.

Esse é de todos o maior engano
que alguém já cometeu por simplesmente
vez alguma a ter visto à sua frente.

O seu olhar lembrava o oceano,
entre verde e azul, e seu cabelo,
de tom dourado, era um espanto vê-lo!


Felizão
João de Castro Nunes

Tu nunca, meu amor, hás-de morrer,
pois cantada por mim, o teu marido,
no tom mais elevado, mais sentido,
nunca ninguém de ti se há-de esquecer.

Tu andarás nos livros das crianças,
nos lenços regionais das namoradas,
nos manuais das noivas e casadas,
no enxoval das que andam de esperanças.

Todos os homens, lendo os meus sonetos
ou que os ouvirem, sendo analfabetos,
gostariam de ter mulher assim!...

Só que mulher assim, que não tem preço,
guardou-a Deus apenas para mim,
que permanentemente lhe agradeço!


Carvões ao Rubro
João de Castro Nunes

Quando em Coimbra, amor, ainda estudantes,
os nossos corações se incendiaram,
em pleno outono, como dois amantes,
não mais em nós as brasas se apagaram.

Fizesse sol ou chuva, noite ou dia,
em nossas almas sempre havia fogo,
bastando um sopro, quando esmorecia,
para em fogueira transformar-se logo.

Não precisámos nunca de acendalhas
e muito menos ressequidas palhas
para em carvões ao rubro nos mantermos.

Se é lícito expressar-me nestes termos,
ouso dizer que os nossos corações
arderam sempre como dois tições!


As Linhas do Teu Rosto
João de Castro Nunes

Para além do retrato em que figuras
inconfundivelmente definida
procuro refazer as linhas puras
da tua face um tanto diluída.

Cada dia que passa, mais distante
te encontra, meu amor, da minha vista,
mas tua imagem não me sai diante
dos olhos de maneira realista.

À margem do retrato que mantenho
emoldurado junto à cabeceira
a par de uma porção do santo lenho,

continuamente, amor, faço e refaço
na minha mente em tudo verdadeira
tua fisionomia… traço a traço!


Singularidade
João de Castro Nunes

Maria que de Lourdes te chamaste
e de mulher e santa te revezas,
aceita aí no céu as minhas rezas
que em vida tantas vezes me ensinaste.

Nossas Senhoras há muito diversas
conforme o nome que se queira dar-lhes,
muito bom sendo com fervor rezar-lhes
em virtuais e místicas conversas.

Mas as vezes não fazem de quem és:
a santa mais mulher de que há lembrança
ou a mulher mais santa a que me apegue.

Como santinha da cabeça aos pés
desde os primeiros anos de criança,
Senhora alguma existe que te chegue!


Tesouro Meu
João de Castro Nunes

Em tudo eras perfeita, meu amor,
desde a beleza corporal ao trato,
tudo era em ti vincadamente exacto
sem sombra do mais leve desprimor!

Dava aflição tanta elegância tua,
tanto moral como de fino porte,
valer fazendo o artístico recorte
dos teus vestidos de sair à rua!

Em casa, nos jardins, em qualquer parte,
davas nas vistas pelo aprumo teu,
uma honra sendo , amor, acompanhar-te!

Era demais… a tua perfeição
que tive o privilégio de ser eu
a receber no altar… a tua mão!


Ferro em brasa
João de Castro Nunes

Foi como um ferro em brasa o meu amor
queimando-me as entranhas vivamente
numa espécie de fogo incandescente
que longe estva de causar-me dor!

Dava-me gozo aquela sensação
que interiorizava deleitado,
tudo fazendo para estar ao lado
daquela que me deu seu coração.

Nunca sofreu qualquer abrandamento
esse calor que a vida me aqueceu
durante prolongado… casamento.

Ainda hoje o sinto, quase a escaldar,
como no dia em que ela se me deu
purinha… como o linho… por fiar!


Casablanca
João de Castro Nunes

Pouco depois da tua adolescência
ficaste mais que nunca parecida
com Ingrid Bergman, a sueca tida
pela mulher-padrão por excelência.

Tinhas o mesmo porte e distinção,
o seu sorriso doce e amorável,
feições iguais, uma expressão amável,
tudo certinho na comparação.

Quem não se lembra dessa grande estrela
que em Casablanca enfrenta e desmantela
a trama dos agentes alemães?

Tu dizias, porém, com ironia,
ser antes ela quem se parecia
à Maria de Lourdes Guimarães!


Por Ela!
João de Castro Nunes

Ó Senhora da Candosa,
vez nenhuma em tua ermida,
sobre o Ceira construída,
viste cara tão formosa!

Pertencia à minha esposa,
na vila de Góis nascida,
vila muito conhecida
e desde logo famosa.

Agora que ela morreu
e que se encontra no céu
a fazer-te companhia,

vou-te levar uma vela
acendendo-ta por ela
como ela por mim faria!


A Minha Poesia, Amor, És Tu!
João de Castro Nunes

A minha poesia… é toda luz,
a luz dos astros que me chega pura
e, penetrando em mim, não se mistura
com as forçosas sombras que produz.

A minha poesia é obviamente
diáfana. incorpórea, vaporosa,
porque passa por ti, sagrada esposa,
que tens de santa a alma transparente.

A minha poesia não é nada
senão fio de luz a pôr a nu
minha interioridade desvendada.

Sem filiação de escola ou teoria,
límpida e limpa como a luz do dia,
a minha poesia, amor, és tu!


Morrer em Vida
João de Castro Nunes

Na hora em que morreste, ó meu amor,
Morri  também contigo: a vida foi-se,
cortada cerce pela mesma foice
que te levou de mim para o Senhor.

Se ainda me pulsa o coração no peito,
é pura circunstância biológica,
sem sentido nenhum, sem qualquer lógica,
pois mais não é que um acto contrafeito.

Corpo sem alma é desde agora o meu,
clamando dia e noite contra o céu
que me privou da tua convivência.

Sem já ter alma, que viver é este
a partir do momento em que morreste
deixando-me sozinho na existência!...




Coimbra dos Meus Amores
João de Castro Nunes

Recantos de Coimbra: em cada qual
se evoca uma romântica novela
de amor e de paixão sentimental,
sem qualquer outra igual ou paralela.

Ressoam nomes como Pascoaes,
Antero de Quental, João de Deus,
António Nobre e tantos outros mais
que da poesia… foram corifeus.

Recordam-se episódios entre lentes,
futricas, estudantes e bedéis,
de míticos contornos envolventes.

De mim falando, pelos anos trinta,
para narrar meus pessoais papéis
precisos eram… púcaros de tinta!


Falar com Rosas
João de Castro Nunes

Falar com rosas é falar com Deus
que nelas pôs a sua complacência,
sem precisão de O procurar nos céus
onde Ele tem a sua residência.

Nelas eu vejo a sua natureza
na sua especiosa perfeição,
deixando-me vencer pela certeza
de nelas eu ter Deus à minha mão.

Se Deus tem cheiro, como às vezes penso,
o mesmo deve ser que as rosas deitam,
mais apurado embora ou mais intenso.

Quando com Deus desejo conversar,
sirvo-me delas, que aos montões enfeitam
as jarras "Vista Alegre" do meu lar!


Poética Lava
João de Castro Nunes

Tenho no peito um vulcão
vomitando poesia
quer de noite quer de dia
em permanente erupção.

Não consigo pôr travão
a tamanha hemorragia
que o coração me esvazia
até quase à exaustão.

Sobre o papel deslizando
meus sonetos vou lançando
numa letra inconfundível.

Eu não discuto o seu nível,
mas em números apenas
passam já das dez centenas!


Subir de Tom
João de Castro Nunes

Não deixes que meus versos se pervertam,
renunciando à poesia pura,
não deixes que por nada se convertam
em circunstancial... literatura;

não permitas, meu Deus! te peço e rogo,
com toda a minha fé no teu poder,
que mais não seja do que mero jogo
a minha propensão para escrever;

inspira-me, Senhor! poemas nobres
de forma, conteúdo e sentimento
mesmo que em tudo o mais pareçam pobres!

Que rivalizem com o firmamento
em luz, altura, graça e harmonia
longe da sordidez… do dia a dia!


Banda Larga
João de Castro Nunes

Mar português da cor das esmeraldas,
atlântico e autêntico oceano,
mar de Camões que tens o tom das algas,
contrariamente ao grego e ao romano;

mar henriquino com sabor a sal
que no dizer poético e sentido
de Fernando Pessoa foi devido
às lágrimas das mães de Portugal;

mar que embalaste no teu verde lombo
as curvas naus do Gama e de Colombo
em demanda de novo tosão de ouro;

a tua brisa histórica e amarga
traz-me, como se fosse em banda larga,
evocações… do seu cabelo louro!


Poético Desvairo
João de Castro Nunes

Um dia os meus sonetos andarão
por esse mundo fora onde é falada
a língua de Camões, que foi levada
pelo universo… a cada região.

De Macau a Timor, na Oceania,
passando por Angola e Moçambique,
meus livros de sonetos em despique
alcançarão no verso a primazia.

Mas onde correrão de boca em boca
a par dos seus poetas preferidos
será no território… carioca,

onde presentemente já circulam
nos meios literários presumidos
que pelas urbes do Brasil pululam!


Sabedoria Oriental
(Parábola da suspeição)

Tendo um dia perdido o seu machado,
um certo camponês logo pensou
no filho do vizinho, a quem achou
com todo o viso de lho ter roubado.

Bastava olhar para ele … para ver
que tinha mesmo cara de ladrão,
passando a espiá-lo na intenção
de eventualmente o vir a surpreender.

Acontece, porém, que em dada altura,
por mero acaso, em meio da verdura
perdido o camponês o descobriu.

Caindo em si de súbito admitiu
que o filho do vizinho referido
até nem tinha… modos de bandido!


Sob o Céu de Arganil
João de Castro Nunes

Sob o céu de Arganil correu feliz
a minha vida enquanto lá vivi
de amigos rodeado, quantos quis,
grande parte dos quais eu já perdi.

Recordo-os com saudade, me escusando
de seus nomes citar, embora os tenha
sempre presentes, dia algum deixando
de na sua memória… deitar lenha.

A sete pés de fundo do seu solo
que arqueologicamente investiguei
e cuja ilustre origem demonstrei,

espero um dia adormecer ao colo
da regional Senhora do Mont’Alto,
a cujas cerimónias… nunca falto!



Fevereiro de 2006
(soneto inscrito em pedra de xisto que se encontra na
Mata do Hospital Condessa das Canas, em Arganil, onde 
o poeta Miguel Torga prestou serviços médicos)

“Fumo e Cismo”
João de Castro Nunes

É nos raios do sol incandescente
que meu cigarro gosto de acender,
deixando vaguear a minha mente
pelos espaços… para me entreter.

Vêm-me à ideia coisas fascinantes
acerca das raízes do universo
que mais não são do que visões distantes
que tento em vão reproduzir em verso.

Assim meu tempo passa sem chegar
a ter de nada pensamento algum
que valha a pena acaso registar.

O mal é quando o sol se põe no mar
e deixa de existir processo algum
de meu cigarro… nele se atear!


A Anilha
João de Castro Nunes

Na evolução que rege o ser humano
não somos mais que um elo da cadeia,
menos talvez que uma onda no oceano
ou no universo inteiro um grão de areia.

Anteriormente a nós houve milhões
de criaturas que nos precedendo
na base estão de novas gerações
que nos irão sem termo sucedendo.

Na engrenagem da máquina da vida
unicamente somos uma anilha
que só por si não se distingue ou brilha.

A verdade, contudo, é que sem ela,
sem essa desprezível bagatela,
ficava a construção comprometida!


Razão de Peso
João de Castro Nunes

Eu podia, Senhor! falar contigo
nas variadas línguas que estudei
desde o latim vulgar ao grego antigo
e muitas outras em que me formei.

Em qualquer delas sei que me entendias,
pois não existe língua ou dialecto
que não ouças falar todos os dias
às claras ou em código secreto.

Das línguas que sabia Carlos Quinto,
é tradição que o augusto soberano
para falar-te usava… o castelhano.

Pelo que dele tenho lido e sinto,
estou em crer que deste modo o fez
tão-só por não falar… o português!


Caruncho
João de Castro Nunes

Tenho uma colecção de antiguidades
que em grande parte dos meus pais herdei
e que em diversas oportunidades
dia após dia aos poucos aumentei.

Em cada região por onde andei,
desde as pequenas vilas às cidades,
a pé, de carro, interrogando a grei,
obtive uma porção de raridades.

Móveis antigos, livros, pergaminhos,
armas, brasões, damascos e arminhos,
faianças, porcelanas, santos velhos

dos mais variados sítios e concelhos,
não só me cercam de arte e poesia
como também me fazem companhia!


Ratoeira
João de Castro Nunes

Estúpido não é, mas insensato
o povo português, a nossa gente,
deixando-se levar frequentemente
por um qualquer fulano mentecapto.

Por isso os maus políticos prosperam
no seio deste povo que é o nosso,
a quem nada mais deixam que o caroço
dos frutos cuja polpa eles comeram.

Por falta de bom senso ou de cautela,
sem nos valer de nada a experiência,
caímos sempre todos na esparrela.

Com lérias ou cantigas de arroz pardo,
induzem-nos, à força de insistência,
a docilmente... suportar o fardo!


A chanceler
João de Castro Nunes
(Bocageando)

A senhora dona Merdas
veio ver a que cheirava
a sanita das esquerdas,
sempre que alguém defecava.

Mas terminou constatando
que a sanita das direitas
ao mesmo estava cheirando,
uma vez as contas feitas.

Fugindo então dos extremos,
verificou que no centro
era aquilo que sabemos.

Acabou por se ir embora
cheia de nojo por dentro
deste Portugal de agora!


Amor à vista!
João de Castro Nunes
(Ode camoniana)

Se amor é fogo que arde sem se ver,
como se fosse lâmpada apagada,
por outro lado há que reconhecer
que assim não pensa a criatura amada.

Esta o denota nas feições do rosto
e no jeito de olhar de quem no peito
a labareda sente a contragosto
por ao seu fogo oculto estar sujeito.

Mesmo que ao próprio esteja confinado,
o amor é um sentimento que não pode
ante a pessoa amada… ser negado.

Por todas as maneiras ele acode
à fisionomia exterior
de quem lhe sofre o propalado ardor!


Prece pontifical
João de Castro Nunes

Por duas vezes, Senhora!
me livraste de morrer:
não terá chegado a hora
para eu deixar de viver!

Talvez me queiras dizer,
antes que eu me vá embora,
alguma coisa a reter
nos livros santos de agora…

Se assim for, anda depressa,
não vá ser que me aconteça
outro atentado… talvez!

Como diz certo ditado,
é preciso ter cuidado,
pois à terceira é de vez!


Coimbra Hoje
João de Castro Nunes
(Para o Dr. Joaquim de Montezuma de Carvalho)

Ilustre, grato e assumido filho
da Coimbra dos lentes e futricas,
como resposta a todas as rubricas
aponto-lhe os critérios que perfilho!

Atenha-se ao presente da cidade
sem preocupações revivalistas,
cosmopolita, o encanto dos turistas,
velhinha… a respirar modernidade!

Desligue-se da sua “canforeira”
que é letra morta e nem sequer já cheira
por mais activo olfacto que se tenha!

Mais dia menos dia… será lenha,
mas os versos de Torga, se calhar,
o véu da eternidade irão “furar”!


Fundamentalismo
João de Castro Nunes

Tem cada qual… a sua poesia,
seu modo de expressar seus sentimentos
segundo as circunstâncias ou momentos
da sua literária… fantasia.

Tem cada qual direito a se afirmar
do jeito que entender ou lhe aprouver
sem ter de se inscrever ou filiar
numa corrente oficial qualquer.

É livre cada qual de nos seus versos
dizer pelos processos mais diversos
o que lhe faz vibrar… o coração.

O que não pode cada qual deixar
de ter em justa consideração
é que a poesia… tenha o seu lugar!


A Minha Atenuante
João de Castro Nunes

Logicamente, pela minha idade
que à casa dos noventa está chegando,
vou ter em breve a oportunidade
de contas Te prestar em me finando.

Sabendo embora as vezes que pequei
por pensamentos, actos e omissões
e não desconhecendo a tua lei
que eu infringi mil vezes ou milhões,

não temo apresentar-me a julgamento
no que respeita ao meu comportamento
para sofrer a pena… merecida.

É que, Senhor, eu tenho a meu favor
o facto de, apesar de pecador,
Te haver amado em toda a minha vida!


Lastro Poético
João de Castro Nunes

Nos alçapões da minha poesia,
fechados desde logo a cadeado,
se encontra a sete chaves bem guardado
o lastro dos meus versos de hoje em dia.

Tendo no fundo gregos e romanos,
sucedem-se, por ordem cronológica,
em sedimentação arqueológica,
os clássicos rivais italianos:

Dante, Petrarca e logo os portugueses,
Camões, Bocage, Antero… tantas vezes
de idêntica craveira ou estalão.

De todos recolhendo inspiração,
a minha poesia, há que dizê-lo,
não tem qualquer arquétipo ou modelo!


Camões à Parte
João de Castro Nunes

Camões à parte, neste poemário
perpassa uma dezena de figuras
que pelo seu talento literário
são minhas preferidas criaturas:

Antero de Quental, António Nobre,
Aquilino Ribeiro, Pascoais,
perante os quais minha alma se descobre
e a lira toca em versos musicais.

E José Régio e Torga e Montezuma,
o meio-azteca e lúcido ensaísta
que em gládio transformou a sua pluma?

Minha harpa vou por eles dedilhar
sem Neruda esquecer, esse humanista
sem grego nem latim nunca estudar!


Abençoado Anto!
João de Castro Nunes

Tu foste, António Nobre, desde moço,
antes de eu em Coimbra ir estudar,
o meu modelo e, sem exagerar,
meu ídolo, meu santo, o meu colosso!

Acostumei-me em tudo a chamar nosso
ao que era apenas meu, particular,
por forma tal que longe de mudar
de ti me considero um puro esboço.

Quem haveria de dizer, António,
que foi até por causa da “Purinha”
que eu soube da existência da “Rucinha”!

Consumado entre nós o matrimónio,
foi por razão de ti que eu encontrei
aquela que era toda “ouro de lei”!


Aceleração do Tempo
João de Castro Nunes
(Ode horaciana)

Olha que o tempo, Lídia, cada vez
caminha mais depressa, mais ligeiro,
a uma hora reduzindo um longo mês
e a pouco mais de um dia o ano inteiro!

Não deixes fugir, pois, a ocasião
de na hora exacta, em tua mocidade,
resposta dar à voz do coração,
enquanto, Lídia, to consente a idade!

Pronto de branca neve os altos montes
se toucarão, vestindo-se de linho,
e velha te farás, sem que tu contes.

Olha que o tempo, traiçoeiro e lesto,
quando os seus pés de lã põe ao caminho,
tudo ao passar destrói… sem deixar resto!


A Vida Comanda o Sonho
João de Castro Nunes

Mais do que o sonho a comandar a vida
está minha vontade, o meu querer,
que à sua frente leva de vencida
quanto se oponha ao que pretendo ser.

É bonito sonhar de olhos abertos
perante a mais banal realidade,
mas é preciso dar os passos certos
para atingir qualquer finalidade.

Venha o sonho dourar em cada dia
meus actos, meus projectos pessoais
como se fossem pura fantasia!

As coisas mais concretas e reais
não devem prescindir da Poesia
que lhes confere a luz dos Ideais!


A Cepa do Sonho
João de Castro Nunes

Terminada a vindima, fica a cepa,
promessa de vindoura produção,
por cujo interior a seiva trepa
para florir na próxima estação.

Do vinho não bebido fica um resto
que misturado ao da colheita nova
lhe dá, como aliás é manifesto,
mais doce paladar… quando se prova.

Lembrar isto me faz os sonhos nossos,
de cujos estilhaços e destroços
outros surgindo vão que os regeneram.

O mal é quando a cepa chega ao fim
e os sonhos em poeira degeneram,
deixando de haver rosas no jardim!


A Força do Destino
João de Castro Nunes
(Camoneando)

Tem cada qual marcado o seu destino,
escrito nas estrelas, com certeza,
tem cada qual a sua natureza
e tudo o mais… é puro desatino.

Assim comigo penso ou imagino
e creio desde logo com firmeza,
não me causando mais do que tristeza
esse cruel princípio que abomino.

Não vale a pena, pois, com teimosia
remar contra a maré, porque é sinal
de imensa falta de… sabedoria.

Ninguém foge ao que está determinado,
logo ao deixar o ventre maternal,
por Quem de tudo é dono incontestado!


Abaixo a Eternidade!
João de Castro Nunes

Ao nosso Criador, quem quer que seja,
importa agradecer… ter limitado
nossa existência, que ninguém deseja
ir para além de um tempo moderado.

Podia acaso haver maior tortura
que fazer-nos viver eternamente,
mesmo que a vida fosse uma doçura
e se passasse o tempo a dar ao dente?

Em demasia tudo na existência
acaba por fartar e causar tédio,
perdendo seus contornos de excelência.

Tenhamos, pois, em mente que morrerem
mais não será, talvez, do que um remédio
para as pessoas… não se aborrecerem!


A Razão de Miguel Ângelo
João de Castro Nunes

Quando perante o Papa o escultor
a Pietá mostrou publicamente
um burburinho estranho de repente
a sala percorreu… em desfavor.

“Como é possível?” – dizem com horror
alguns dos cardeais abertamente –
“Como é que se tolera ou se consente
tão nova ser a Mãe do Redentor?”

“Sabei” – diz o Pontífice em defesa
de Miguel Ângelo escandalizado
por esse despropósito invocado.

“Sabei que é de ordem tal a Natureza
da Mãe de Deus que desde a eternidade
Ele a criou… para não ter idade!”.


Liberdade
João de Castro Nunes
Coimbra - Portugal

Eu quero a liberdade, a verdadeira,
escrita com maiúsculas na base
dos monumentos sem nenhuma frase
que a desvirtue por qualquer maneira.

Eu quero a liberdade na soleira
da minha porta para quando entrar
saber que ela se encontra no meu lar
sem trela, sem açaimo e sem coleira.

Eu quero a liberdade como Deus
ao ser humano a deu quando o criou
para o amar na vastidão dos céus.

Eu quero a liberdade sem mais nada
exactamente assim como brotou
para entre todos ser compartilhada!


Previdência
João de Castro Nunes
Coimbra – Portugal

Se um dia em plena serra te encontrares
sob inclemente céu e sol ardente
e não tiveres onde te abrigares,
toma esta decisão na tua mente:

quando de novo por ali passares
não te esqueças de pôr uma semente
para fazer nascer, nesses lugares,
uma árvore… num gesto previdente.

Quem sabe se mais tarde, anos andados,
passando por ali um neto teu,
ele não vai agradecer ao céu

ter providenciado no sentido
de naquela aridez haver surgido
uma sombra… devida aos teus cuidados!


“FAZ TAMBÉM COMO ELE!” 
João de Castro Nunes
Coimbra – Portugal

Segundo Lucas, um doutor da lei
a Cristo perguntou publicamente,
para o comprometer perante a grei,
como é que se vivia eternamente.

Jesus, dando-se conta da intenção,
instou-o a que, de moto pessoal,
dissesse os termos da legislação
que manda amar o próximo em geral.

"Mas… ele é quem?" – Jesus sem responder,
dando-lhe a volta, o fez reconhecer
o bom carácter…do samaritano

que ao viandante, a quem fizeram dano,
com desvelo o tratou do ferimento
sem dele ter sequer… conhecimento!


Soneto nº 1980
Sabor a Rebuçado
João de Castro Nunes

Gosto de ouvir meus versos propalados
em feminina boca brasileira
com ligeiro sabor a rebuçados
de mel, canela e cana açucareira.

Ganham não sei que espécie de ternura
que longe estão de ter em português,
uma suave e musical doçura
a par de uma inefável liquidez.

Imagino-me às vezes à viola
cantado por Betânia em sua voz
que às multidões parece que se cola.

Ninguém melhor, porém, que Elis Regina
se viva fosse, para os ler a sós
naquela sua voz… quase divina!


Dez Anos de Solidão
João de Castro Nunes

A língua portuguesa teve em mim,
no mundo dos sonetos, o maior
e desde logo o mais fecundo autor

em jeito de diário boletim.
Em dez anos de imensa solidão
escrevi para cima de três mil
inconfundíveis pelo seu perfil

sem do meu nome terem precisão.
Em menos nunca pus a qualidade
de poema nenhum, sempre tratado
como jóia de extrema raridade.

Se Deus minha existência prolongar,
espero não me dar por jubilado
caso consiga… a lira… segurar!


Destinos
João de Castro Nunes

Tornou-se no Brasil o português
uma outra língua mais adocicada,
mais bela porventura e até talvez
mais ternurenta para ser cantada.

Em Cabo Verde se ajeitou também,
na fala dos crioulos, a expressar
a saudade sentida por alguém
que teve pela fome de emigrar.

Como será nosso idioma um dia
na terra dos soberbos imbondeiros,
essa guerreira Angola em parceria

com seus irmãos de raça, os brasileiros,
que em grande parte são filhos de escravos  
saídos dos seus portos por dois chavos?!


Inconformista
João de Castro Nunes
(Para o meu filho Manuel)

Ser de direita ou de esquerda
desde logo é secundário:
o que importa nesta merda
é ser-se… contestatário.

Ser do contra é que interessa
seja daquilo que for
mesmo que tudo pareça
estar a nosso favor.

Infeliz do ser humano
que com pouco se conforma,
deixando-se ir ao engano!

Apenas fica na história
quem remando contra a norma
é tido à conta de escória!


Morte Enfeitada
João de Castro Nunes
(Para Marta)

Cantar a morte, Senhora,
pode ser uma maneira
de torná-la sedutora
e mesmo até prazenteira.

Eu gosto de imaginá-la
bem vestida, bem trajada,
em carruagem de gala,
como se fosse uma fada.

Ela é no fundo o caminho
que me abrirá nesta idade
com requintes de carinho

o acesso à eternidade.
Embora o diga em segredo,
ela não me causa medo!


Medo Ancestral
João de Castro Nunes

Há que perder o medo e combater
de peito feito e de cabeça erguida
todo e qualquer despótico poder
que nos pretenda controlar a vida!

Há que perder o medo de falar
que vem de muito longe, das raízes,
desde que o humano ser, sem protestar,
se sujeitou a alheias directrizes.

Há que perder o medo de sair
à rua e proclamar sem desistir
os ideais que estão na nossa mente.

Há que perder o medo de supor
que carecemos todos de valor
como se nem sequer fôssemos gente!  


Final Feliz!
João de Castro Nunes

Quando a morte vier buscar-me a casa
sem me avisar antecipadamente,
vou recebê-la com um golpe de asa
de quem não teme vê-la pela frente.

Não a procuro nem tão-pouco a chamo,
mas quando ela vier será bem-vinda,
achando à porta o respectivo ramo
se porventura a não conheça ainda.

Depois irei, na sua companhia,
por esse espaço fora, de mão dada,
na direcção do reino da alegria.

Só junto àquela que me precedeu
e em longos anos tanto amor me deu
acabará por fim minha jornada!



“Expressão Mulher”
João de Castro Nunes

Um dia meus poemas andarão
na boca das cantoras brasileiras
naquele tom de voz das cachoeiras
Que sem cessar ecoam no sertão!

Ganharão porventura mais calor
e mais profunda musicalidade
sob os efeitos da brasilidade
e seu vernaculíssimo sabor.

De cidade em cidade com Betânia
desinibida, autêntica, espontânea,
meus poemas de amor à portuguesa

ressoarão pelo Brasil afora
como a expressão mais enternecedora
de quantas dotou Deus a natureza!



Poético Consenso
João de  Castro Nunes

Já correm no Brasil os meus sonetos
a par dos de maior categoria
por além de sonoros e correctos
constituírem… vera poesia.

Muito longe de serem, como creio,
apenas exercícios literários
para entreter meus ócios em recreio,
são brados de alma em seus contextos vários,

predominando aqueles que se prendem
com a noção de amor entre os esposos
que numa vida idílica… se entendem.

É neste aspecto que por sorte penso
ser entre os brasileiros mais ditosos
que meus poemas lograrão consenso!


Trovinhas



I.
Se eu tivesse esse poder,
tomaria a decisão
de sem nenhuma excepção
endeusar cada mulher!


II.
Cada mulher desde o berço
tem de Deus a assinatura
como sendo a criatura
mais perfeita do universo!























                   - doutorado em Filologia Clássica pela Fac de Letras da Univ de Coimbra, em 1955;

                   - bolseiro do Instituto para a Alta Cultura, exerceu a docência, como prof. de língua
                     e cultura portuguesa, nas Universidades de Santiago de Compostela, Barcelona, Salamanca
                     e Paris, de l946 a 1961;

                   - de regresso ao país, em 1961, prestou provas de Exame de Estado para o ensino secundário,
                     sendo então colocado na Escola Industrial de Gouveia, que igualmente dirigiu até 1973;

                   - a convite, nesta data, assumiu a direcção dos Cursos de Letras de Sá da Bandeira, em Angola, 
                     cargo que acumulou com o de vice-reitor da Univ. de Luanda e consultor, para o ensino superior,
                     do Ministro da Educação do 1º Governo Provisório;

                   - regressado ao país, em 1975, foi chamado para o Serviço Cívico e colocado em Arganil, sendo 
                     entretanto convidado para, no ano imediato, exercer a docência na Fac. de Letras da Univ. de Lisboa,
                     onde se manteve até à sua jubilação, por limite de idade, em 1991;

                   - igualmente a convite, acumulou funções docentes nas   Universidades Nova de Lisboa e Lusíada, cujo 
                     Departamento de História dirigiu em substituição do Embaixador Franco Nogueira e por vontade expressa deste;

                   - integrou, por vezes como orientador, diversos júris de Mestrado e Doutoramento nas áreas da História, 
                     Arqueologia e História das Ideias, entre outras;

                   - é autor de meia centena de trabalhos de investigação científica nos domínios da Linguística Histórica e
                     Arqueologia e promoveu diversas campanhas de escavação arqueológica, tanto em Angola como em Portugal, 
                     designadamente na estação da Lomba do Canho, em   Arganil, pelo próprio descoberta;

                   - lançou as bases do futuro Museu Regional de Arquelogia, a instalar na vila de Arganil;

                   - proferiu os elogios académicos do Embaixador Franco Nogueira e do Bispo de Setúbal, D. Manuel Martins, entretanto publicados. 

                 -   medalha de ouro do concelho de Arganil.

       



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