A Autora
Maria Teresa Horta nasceu em Lisboa. Desde sempre declaradamente feminista, tem dedicado a maior parte da sua vida à luta
das mulheres. E a partir dos fins dos anos sessenta, a sua escrita tem vindo de forma clara a ser cada vez mais empenhadamente
"a voz feminista", "a palavra da mulher".
Durante anos, também, dedicou-se ao movimento cineclubista, do qual foi a primeira mulher dirigente em Portugal.
Autora de vasta obra, foi distinguida, por unanimidade, em 2012 com "O Prêmio Literário D. Dinis", instituído pela Fundação da Casa de Mateus pela obra “As luzes de Leonor. A marquesa de Alorna, uma sedutora de anjos, poetas e heróis”, editado pelas Publicações D. Quixote.
Instituído em 1980 pela Fundação Casa de Mateus, em Vila Real, o galardão é atribuído a uma obra literária - de poesia, ensaio ou ficção - publicada no ano anterior ao da atribuição do prémio.
“As Luzes de Leonor”, obra editada em 2011, é um romance sobre a vida da marquesa de Alorna, Leonor de Almeida Portugal de Lorena e Lencastre (1750-1839), neta dos marqueses de Távora, uma mulher que se destacou na história literária e política de Portugal num período denominado como “o século das luzes”.
D.ª Leonor de Lorena e Lencastre é avó em quinto grau de Maria Teresa Horta, nascida em 1937, em Lisboa.
Maria Teresa Horta estudou na Faculdade de Letras de Lisboa, foi jornalista e activista do Movimento Feminista de Portugal, com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, com quem escreveu o livro “Novas Cartas Portuguesas”.
“Amor Habitado” (1963), “Ana” (1974) e “O Destino” (1997) contam-se entre mais de duas dezenas de obras publicadas da escritora.
Nota do EM:
— A Marquesa de Alorna está incluída no segmento ETERNAS do blogue Expressão Mulher-EM;
— Os dados sobre a poetisa Maria Teresa Horta foram tirados da internet e do seu livro Poesia Completa (1967-1982), cujo segmento "Mulheres de Abril/1977 (páginas 207 a 260) muito bem representa um dos pilares principais do blogue Expressão Mulher-EM.
Nota do EM:
— A Marquesa de Alorna está incluída no segmento ETERNAS do blogue Expressão Mulher-EM;
— Os dados sobre a poetisa Maria Teresa Horta foram tirados da internet e do seu livro Poesia Completa (1967-1982), cujo segmento "Mulheres de Abril/1977 (páginas 207 a 260) muito bem representa um dos pilares principais do blogue Expressão Mulher-EM.
MARIA TERESA HORTA,
POESIA COMPLETA (1967 - 1982), Volume II, Litexa - Portugal, 1983
Basta
Maria Teresa Horta
Basta.
— digo —
que se faça
do corpo da mulher:
a praça — a casa
a taça
A ÁGUA
Com que se mata
a sede
do vício e da desgraça
Mulheres de Abril
Maria Teresa Horta
Mulheres de Abril
somos
mãos unidas
certeza já acesa
em todas
nós
Juntas formamos
fileiras
decididas
ninguém calará
a nossa
voz
Mulheres de Abril
somos
mãos unidas
na construção
operária
do país
Nos ventres férteis
a vontade
erguida
de um Portugal
que o povo
quis
Diz
Maria Teresa Horta
Diz mulher
ao teu país
como lutaste até hoje
o que fizeram de ti
o que quiseram
que fosses
Como prenderam teu
grito
sob a boca amordaçada
Mas como cantaste
assim
do teu desgosto apartada
Diz mulher
ao teu país
conta a vida em que
cresceste
Como algemaram
teus pulsos
conta aquilo
que aprendeste
Do saque da tua
vida
relata os dias passados
da cadeia em que estiveste
descreve
o pavor rasgado
as torturas que sofreste
o medo nunca acabado
Diz mulher
ao teu país
como lutaste até hoje
não cales mais
a recusa
do que quiseram que fosses...
não silencies
a renúncia
a que te viste obrigada
Não desistas
de gritar
tua vida encarcerada
Mulher-resistente
Maria Teresa Horta
A Mariana Janeiro em nome de todas as
mulheres que lutaram contra o fascismo
Eram tantas as torturas...
O chicote sobre a carne
Que o corpo te inchava
inchava
pelas vergastas cortado
Eram dias sobre noites
em que os olhos te queimaram
em que as veias te romperam
e os ouvidos te rasgaram
Eram meses sobre meses
na cela
só
isolada
Torturas quantas sofrestes
minha irmã
sempre calada
Que à polícia não se fala
nem que se morra
à pancada!
Mulheres quotidianas
Maria Teresa Horta
Mulheres quotidianas
são aquelas
que ao porem no mundo os filhos
sossegam o sorriso
indo de sol a sol
colhendo
fazendo o que é preciso
O riso dobram em silêncio
à mistura na tábua
com os lençóis...
Mulheres quotidianas
são aquelas
que as horas percorrem
devagar
a tactear no escuro
à mistura com os tachos
e as panelas
Silenciosamente... dão a vida ao mundo
sem nunca ninguém
reparar nelas
Quem?
Maria Teresa Horta
A todas as mulheres anónimas destruídas —
— assassinadas. Diariamente aniquiladas:
Quem te disse
e propagou
perdida?
Quem usou
abusou
da tua voz?
Quem se cansou
te abandonou
na vida?
Quem se esqueceu
te perdeu
e em seguida
te acusou do crime mais atroz?
Quem te tirou
dos braços
tua filha?
Quem mandou pôr
teu nome
no jornal?
Quem destruiu
o riso
que ainda tinhas?
Quem te matou
te assassinou
te envenenou de mal?
Quem recusou de
ti
tudo o que vinha?
Quem te meteu
no corpo
este punhal?
Tinha 38 anos
Maria Teresa Horta
Tinha 38 anos
quando foi assassinada
Quando de bruços
caiu
por duas balas varada
Tinha 38 anos
quando foi assassinada
Um fardo sem importância
que ali ficou enroscado...
e nem um grito saiu do seu peito estilhaçado
Tinha 38 anos
quando foi assassinada
Pelas costas e a frio
com arma de morte
e caça
Tinha 38 anos
quando foi assassinada
Eram 3 horas da tarde
na varanda
em sua casa...
Tomada de pavor
Maria Teresa Horta
À Alvarina Domingues presa nas Mónicas,
por assassínio de seu amante.
Levantaste a mão
e empunhaste a arma...
De tanto amor perdido
— de amor perdida — tu
que já sangravas
com a tua vontade — vício
o peito que negavas
ali impondo com a tua a sua dor
E quando a bala entrou
dilacerando a carne
bem sentiste no teu
o grito desertado...
Em que sítio esquecido
te encontravas
quando mataste
tomada de pavor?
Carta à Isabel
Maria Teresa Horta
À Isabel Bentinho Pinto
Isabel, que poderei contar
da tua vida
aos outros?
que tens 27 anos
e estás desesperada...
E do teu rosto?
Isabel, que poderei contar
da tua vida
aos outros?
que tens 27 anos
e te tornaste um monstro...
E do teu rosto?
Isabel, que poderei contar
da tua vida
aos outros?
que o olho fervia na sertã
onde calma fazias o almoço
e caindo de súbito
mergulhaste o rosto?
Isabel, que poderei contar
da tua vida
aos outros?
que a injustiça fez de teus dias
um único nó, só de desgosto...
E do teu rosto?
Tua vida?
Maria Teresa Horta
À Célia
I
A vida que tens
a quem pertence?
Ao patrão?
Ao pai?
A quem te vence?
A quem te usa...
A quem te explora...
A quem te chama:
— Sua pertença
criada
ama
II
A vida que tens
a quem pertence?
A teu marido?
que noite e dia te reclama?
Ramal dele apenas.
Sua sombra...
Tu: repouso
Tu: ovários
Tu: fertilidade
(e assim apagaram
tua chama)
Tu: o corpo... que a madrugada
entorna
Derrama...
Mansamente exausta
estendida — despida sobre a cama
Mulher-solidão
Maria Teresa Horta
À Leonor
Entre a tristeza-mulher
e a saudade
um vago pátio interior
onde flutua
mansamente nos olhos
e ao fluir dos lábios
a solidão dos dias
sem ternura
Poema às mulheres anônimas
Maria Teresa Horta
lenta foi a esperança
até hoje ganha
nos teus olhos
incertos os caminhos
Os passos dados
descalços
O desenho dos gestos
que traças
no espaço à sua frente
Que História tens
(voraz)
no teu passado
mais do que a cama
o jarro
e o fogão?
Perto do lume deténs-te
às vezes...
de súbito esquecida
e a casa ganha corpo
à tua volta
A vida...
passa sem saberes
contigo dentro
E quando dizes: sempre
Ou sorris deitada
de manso posta num vagar
qualquer...
sabes bem que mentes
e preferes esquecer...
Fechas-te em casa
Maria Teresa Horta
Fechas-te em casa
a lavar o chão...
do teu país o que sabes?
Fechas-te em casa
a remendar a roupa...
do teu país o que sabes?
Fechas-te em casa
a cortar o pão...
do teu país o que sabes?
Fechas-te em casa
perdida na cozinha...
do teu país o que sabes?
Poema de uma mulher dona de casa
Maria Teresa Horta
À Filipa
Sou — direi:
trabalhadora
e a casa o meu tear...
Ou teia de minha vida
onde me prendo no lento
dos dias seu desfiar?
Sou — direi:
trabalhadora
e a casa o meu fiar...
Fabrico os meses que seco
estendidos como lençóis
na cama do meu esperar
Enquanto calas
Maria Teresa Horta
Enquanto calas
dobas o medo
que te cresce na fala
E a solidão bordas
a ponto de silêncio
Slide de mulher sentada
Maria Teresa Horta
Sentada no degrau
da tua porta,
ouves o sol que desliza
pelas folhas das árvores
ali perto...
No interior das casas
Maria Teresa Horta
O silêncio dos olhos
e mais nada...
Ou ainda,
quem sabe...
lhes reste o tactear do vácuo
(do sítio vago)
onde estão fechadas...
Dentro de si próprias
no interior das casas...
Mulher-bordadora
Maria Teresa Horta
Secretamente teces
as lágrimas com que bordas
a solidão laqueada
em que adormeces
Irmã mais velha
Maria Teresa Horta
Às mulheres de terceira idade
As mãos cruzas sobre o ventre
e esperas...
O fio da idade tecido pelos anos
conduz-te os olhos
até ao fim do tempo
— O que vês,
irmã mais velha?
Que pensamento, mulher?
Maria Teresa Horta
que secreto segredo,
que sedento...
que insaciada fome,
que secura...
que sede imensa
na seara acesa...
que insustentado seio
na procura...
Com que vida?
Maria Teresa Horta
Que silêncio
foi bordado
fio a fio — na secular solidão
das horas repetidas?
Em que pano
brando
desenharam teus dedos a partida
o fundo penumbroso dos teus dias?
Com que agulha
puxada à altura do peito,
mulher?
Com que vida?
Ambivalência
Maria Teresa Horta
Também és ternura
embora força
Também és brandura
embora faca
Também és lonjura
embora perto
Também és secura
embora escassa
Em liberdade
Maria Teresa Horta
Em liberdade
somos
nós mulheres o cimo
da raiz
o caule que
suporta
o peso do fruto e da flor
No ventre das mulheres
o sossego é fértil
em nós cresce o amor
Porque...
Maria Teresa Horta
Porque tens nos olhos
o sol
e o mar
Porque tens nos olhos
o rio
e também
o riso
o fogo
Porque logo te chamam
de manhã
e a comida preparas para todos
Porque no ventre
semeias
os teus filhos...
Porque ceifas a fome
porque ceifas o trigo
Porque tratas os feridos
os perdidos
e os embalas nos braços sem razão
a não ser pela razão do teu carinho
Porque esperas os outros
no caminho
estendendo devagar as tuas mãos
Maria
Maria Teresa Horta
Apresento-me:
Maria
36 anos
seis filhos
Trabalhando desde
os 15
criada rodos os dias
Apresento-me:
Maria
dobrada sobre o soalho
na tábua a passar
os dias
Apresento-me:
Maria
A noite a dentro
do peito
Profissão:
mulher-a-dias
Homenagem às mulheres-a-dias
Maria Teresa Horta
Pões a saia subida
nos joelhos
quando lavas de joelhos
casas
escadas
escondendo a tristeza
sob os seios...
Dia de uma criada de servir
e seu lamento-calado
Maria Teresa Horta
I
— Maria!
— Minha senhora?
— O banho está arranjado?
Quero a casa toda limpa!
E o almoço aprontado!
LAMENTO:
"Levantei-me ainda
noite
sono — solto — amordaçado..."
II
— Quero o vestido passado!
A mesa que esteja posta!
E o menino lavado!
LAMENTO:
"Desde as cinco da manhã
que não respito
não paro..."
III
— Maria!
— Minha senhora?
— Sirva o café!
Escove os fatos!
Trate as pratas!
Lave a loiça!
Limpe o chão que está molhado!
LAMENTO:
"Desde as cinco da manhã
que escovo — limpo
que lavo..."
IV
— Maria!
— Minha senhora?
— O menino está lanchado?
Vai começando o jantar!
Quero este fato engomado!
LAMENTO:
"Desde as cinco da manhã
que não me sento
nem falo,,,"
V
— Maria!
— Minha senhora?
— De pressa, dê-me o casaco!
Esteja a pé quando eu voltar!
E o menino deitado!
LAMENTO:
"Desde as cinco da manhã
que obedeço
e me calo..."
De joelhos lavas:
Maria Teresa Horta
DE MANHÃ
As escadas
e a madeira lascada
do soalho
DE TARDE
A roupa sobre a
pedra
sob a chuva
DE NOITE
O filho — na bacia
que colocas (enquanto fazes o jantar)
no chão da cozinha
Canto de uma operária (I)
Maria Teresa Horta
À Alda, operária demitida da "Maivest"
Pôs-me o patrão
isolada
sentada na minha "linha"
Na fábrica
a trabalhar sozinha
Debruçada sobre a máquina
o casaco alinhavava
e as camaradas ouvia
ao longe
como falavam
Não querendo coser com o pano
o silêncio em que ficava
enquanto ia trabalhando
as nove horas:
cantava:
Dizendo não ao
patrão
o medo desafiava
Canto de uma operária (II)
Maria Teresa Horta
À Teresa, operária despedida (quando
grávida) da "Maivest"
Ali me puseram
Ali me ordenaram
A coser
casacos
9 horas diárias...
as mais todas juntas
que a mim me isolaram
entre duas prensas
para ali me levaram
Cosendo...
Cosendo...
as horas rasgava
Suando...
Suando...
Cosendo a fazenda
que o patrão
mandava
9 horas à máquina
as pernas andavam...
9 horas cosendo
o corpo alagado
as pernas roçando
Pesadas...
Pesadas...
E o sangue escorrendo
por elas
manchava
a saia subida
e no chão pingava
A coser casacos
9 horas diárias...
No calor imenso
Chorava...
Chorava...
Cantar de operária (I)
Maria Teresa Horta
À Idalina, operária na "Plessey Automática"
em Cabo Ruivo
Sou Maria:
operária nesta fábrica
desde sempre a odiada
do patrão
Sou aquela que chama
as camaradas
invocando a força da razão.
Cantar de operária (II)
Maria Teresa Horta
Sou Maria:
operária nesta fábrica
Viúva desde os 30
um filho a quem dar pão
Trabalho 9 horas
sentada a uma máquina
E como paga
tenho:
nas pernas as varizes
na vida a solidão
Trabalhadora grávida despedida
Maria Teresa Horta
Despediu-te o patrão
e estavas grávida
gavinho do teu corpo
o filho
em tuas águas vivo
no vácuo do teu
ventre
já crescido
Fim de dia de uma operária grávida
Maria Teresa Horta
Sente o peso do filho
na barriga
As costas leva curvadas
Nas pernas vê as varizes
Vê as mãos
que traz inchadas
(A casa! Chegar a casa!)
E vai andando apressada: empurrando o corpo
lento
devorado de cansaço
Com um desespero manso e firme a entrar-lhe
pelos braços
(A casa? Chegar a casa?)
E a cama desalinhada?
E a comida por fazer?
E a louça não lavada?
Na fábrica ficou a máquina
na oficina o ruído
a obra já acabada
Mas ainda falta a casa
Com a sua vida a cumprir:
varrer
panelas
jantar
E a roupa do marido
toda ainda por lavar
(A casa... Chegar a casa...)
A que horas vai poder
deitar-se para dormir?
Num sono de se esquecer...
A que horas vai poder?
Tomada de consciência
Maria Teresa Horta
À Amélia, trabalhadora da "Facel"
I
Fizeste barreira
desalienada
à opressão que tinhas em casa
Da boca tirastes
a mudez —
mordaça
E em casa
gritaste
Gritaste na fábrica
a voz junta às outras
na mesma razão
— E agora patrão?
II
Fizeste barreira
desalienada
à exploração que tinhas na fábrica
Dos pulsos tiraste
grilhetas
pesadas
Gritaste na fábrica
e gritaste em casa
A voz — só
crescendo
vencendo o gemido
— E agora marido?
Trabalhadoras rurais
Maria Teresa Horta
Transportas à cabeça
o peso
da miséria
equilibrando nas pernas
o vacilar dos passos
o fardo
a palha
a bilha
E assim vais andando
mansamente
arrastando na terra os pés descalços
Cantar de mulher trabalhadora
rural
Maria Teresa Horta
— Repara
nas minhas mãos!
e assim as mostras:
rudes e cansadas
— Repara
nas minhas mãos!
e assim as estendes:
duras e gretadas
— Repara
nas minhas mãos!
e assim as ergues:
ásperas — deformadas
— Repara
nas minhas mãos!
e assim as dás:
grossas — magoadas
Canto às mulheres de Trás-os-Montes
Maria Teresa Horta
Teces a camisa
na solidão das noites
quem ouve a tua voz
dilacerada?
(perdida entre os montes
na tua barraca...)
Teces o pranto
no interior dos olhos despertado
quem ouve o teu gemido
entrecortado?
(perdida entre os montes
na tua barraca...)
Teces o filho
no mais longo do corpo
quem ouve teu grito
amordaçado?
(perdida entre os montes
da tua barraca...)
Teces vida de miséria
num viver desesperado
E quando morreres
um dia
quem contará ao país
de ti o que foi passado?
Mulher que empurra o alcatruz
Maria Teresa Horta
Fazes andar a roda da nora
com os pés
e à água rasgada pela luz
juntas tua voz cansada
como que a empurrar
o alcatruz
E assim andas quilómetros
parada
e assim regas a terra
do patrão
Mulher envelhecida
resignada escrava
de sol a sol
para ganhar o pão
Lamento de mulher
Maria Teresa Horta
Não sei ler
nem sei escrever
(minha mãe dizia o mesmo)
Não sei o que é
comer
nem dormir em cama quente
Não sei juntar duas letras
nem o meu nome assinar
(minha mãe dizia o mesmo)
Não sei o que é
passar
um dia sem trabalhar
Lamento de uma mãe
para um filho soldado nas colónias
Maria Teresa Horta
Meu filho posto
soldado
levado para lá do mar
de negro ando vestida
chorando-te até chegares
Dois braços — sei — tu levavas
com quantos voltas não sei...
com duas pernas andavas
e com os olhos enxergavas
aqueles montes além
Meu filho neste baraço
de ódio que nunca vem...
uma farda te vestiram e uma arma te entregaram
a mando não sei de quem...
Puz cinza nos meus cabelos
e com um lenço os tapei
vou chorar-te dia e noite
nessa guerra de
ninguém
Dois braços — sei — tu levavas
com quantos voltas não sei...
Fala de uma mulher pedinte
Maria Teresa Horta
— Aqui estou Senhora
com os meus filhos
à vossa porta
a pedir-vos esmola
Da mesa os restos
o resto que ficou
daquilo Senhora
que os vossos filhos comem
Não deixes que te desdigam
Maria Teresa Horta
Camponesa
as tuas mãos
deitam na terra a semente
sol a sol
junto ao homem
com ele na mesma frente
Camponesa
no trabalho
ao teu país não te furtas
sol a sol
junto ao homem
na mesma luta
Quem pretende que regresses
à fome da tua
vida?
Camponesa
não te iludas
não deixes
que te desdigam
Perguntas e respostas de mulheres
sobre a Reforma Agrária
Maria Teresa Horta
Mulheres Mulheres alentejanas
que interrogam que respondem
— Quem vos quer quebrar, — Em foices pegaremos,
irmãs, irmãs,
as costas da vontade? e ceifaremos de ao pé de
[nós
a dúvida que pode pesar
[em cada herdade
— Quem vos quer dobrar, Desfraldaremos os pu-
irmãs, [nhos
o corpo das ideias? irmãs,
como bandeiras sustidas
na firmeza do recado
— Quem vos quer domar, — O amor semearemos,
irmãs, irmãs,
desbravando do vosso e o fruto será — no Alen-
[sangue a voz do [tejo —
[Alentejo? do nosso ventre o fim
[deste cuidado
Catarina Eufémia
Maria Teresa Horta
O punho ergueste
em haste
de coragem
os pés fincaste
na terra
com ternura
e só de paz falavam
os teus olhos
quando tombaste dobrada
p'la cintura
À tua frente souberas a resposta
na arma pronta
a morte no teu ventre
mas nem um filho
ao colo
te calou a fala
grito de água
no Alentejo ardente
Mulheres comunistas
Maria Teresa Horta
À Maria Alda Nogueira
De bronze
a vontade
e a certeza
de vencermos
Mil vezes nos
derrubem
mil mais mulheres erguemos
Mulher nova
Maria Teresa Horta
À Inácia, operária na "Philips"
Tens um cravo
nas mãos
e vens de Abril
operária a construíres-te
pouco a pouco
Trazes constante em ti
o desafio
Mulher nova
a crescer
vinda do povo
Maternidade (I)
Maria Teresa Horta
Mães do povo somos:
a raiz
Matriz
de um Portugal novo
corre-nos no ventre
o sangue do país
Maternidade (II)
Maria Teresa Horta
À Eugénia Cunha!
o muro
o barro
o aço da matriz
Em nós o povo
nasce
e cresce inteiro
No nosso sangue
o sangue do país
Amamentar
Maria Teresa Horta
Quem alimentas
tu
que dás o peito?
o leite
depois do sangue
do teu corpo
Quem alimentas
tu
que dás o peito?
Mulher de seio
húmido
Calado à boca do povo...
Vamos
Maria Teresa Horta
À Luisa Amorim
Vamos companheiras
dos caminhos sitiados
de resistência
e bandeira
do canto
nunca calado
Que a vitória será nossa
tomada de ambos os lados
Que país constróis?
Maria Teresa Horta
Porque tens nos olhos
o sol
e o mar...
Porque tens nos olhos
o rio
e também:
o riso
e o fogo
Por que tens no ventre
a raiz de todas as
crianças...
que país constróis
diariamente?
Mulheres do meu país
Maria Teresa Horta
Deu-nos Abril
o gesto e a palavra
fala de nós
por dentro da raiz
Mulheres
quebrámos as grandes barricadas
dizendo: igualdade
a quem ouvir nos quis
E assim continuamos
de mãos dadas
O povo somos:
mulheres do meu país
Bandeira
Maria Teresa Horta
Secreto cravo
guardas no teu ventre
desde Abril
Com a força do feto
e da flor
ao mesmo tempo
Cravo de brandura
meigo
e lento
As mulheres e o 1.º de Maio
Maria Teresa Horta
Tanto povo!
Tanto povo!
Tanta bandeira
vermelha!
Tanta mulher que caminha
Cantando à sua maneira
Camponesas e operárias
todas elas companheiras
Ombro a ombro com os homens
os filhos às cavaleiras
Tanto povo!
Tanto povo!
Tanta bandeira
vermelha!
Trabalho de parto
Maria Teresa Horta
Mulheres — companheiras
ombro a ombro
o ventre a crescer-nos
de coragem
Como tarefa temos
o que somos:
no interior da luta
a sua faca
Mulheres — companheiras
ombro a ombro
na construção dos dias
de mão dada
Agora água e depois
o fogo
Hoje a dureza Amanhã ternura
vencendo um destino de desgraça
Mulheres — companheiras
hoje — aqui
em trabalho de parto
de um país
Nota do EM:
Estou muito feliz pela presença desta grande escritora no EXPRESSÃO MULHER. A escolha foi brilhante, Maria Teresa Horta tem uma força interior que fortalece seu leitor; ela também sabe como cobrir de rosas as feridas mais feias e tristes que atingem a MULHER. É isso, sou fiel leitora dela e sugiro aos leitores do EM que não deixem passar sem leitura faminta, qualquer que seja o texto construído por esta corajosa mulher!
ResponderExcluirAbraços carinhosos,
Soraya Simões
Teresa Horta é conhecida na França como "abridora de trilhas femininas", ela é uma guerreira e sua escrita fez e fará sempre grandes benefícios internacionais a mulher. Tenho um livro autografado por ela e orgulho-me disso, não esqueço o seu sério sorriso e a temperatura energética da mão que escreve, autografa e luta!
ResponderExcluirSincero abraço, Èmily
No zigue-zague tramado por Teresa Horta em versos duros, reside uma beleza diferente, chocante à primeira vista porque clamam, sem pejo, pela conscientização daquele "outro lado" da mulher, aquela alquebrada pela injusta desigualdade, aquela afogada no próprio pranto, na própria dor, a grande fortaleza vestida de aparente fragilidade. Seus versos despem verdades de quaisquer véus e creio que aí reside a beleza que não brilha mas comove, que machuca mas encanta.Meu carinho sempre. Cleide
ResponderExcluirMaravilhosa surpresa encontrar Teresa Horta neste blog. Todos os meus aplausos pra ela, ela merece porque vai a luta!
ResponderExcluirAbraços fraternos e parabéns pelo lindo blog.
Angelina Mattos
Maria TEresa Horta sabe enaltecer como ninguém a figura feminina. A mulher é colocada no seu lugar mais bonito, o de uma guerreira.
ResponderExcluirParabéns pelas escolhas da nova atualização.
Tetê D' Oliveira
Aplaudindo em pé Maria Teresa Horta defensora da Mulher,
ResponderExcluirque com versos profundos deixa marcas em nós.
Parabéns pela escolha, Ilka e Regina!
Com o meu carinho e admiração,
Sandra
Poucos foram os poemas de Maria Teresa Horta que tive a oportunidade de ler, mas em todos eles a temática é uma só: a sua revolta contra a opressão, a discriminação e o preconceito a que as mulheres portuguesas eram submetidas durante o regime antecedente à Revolução dos Cravos, mediante a qual Portugal retornaria à normalidade de um regime democrático. Foi uma das feministas mais ardorosas e combativas que o mundo conheceu. Só depois de seus libelos poéticos é que se passou a conhecer o quanto sofreram aquelas pobres mulheres, não só nos variados serviços que executavam, mas, especialmente, nas agressões morais e físicas a que eram submetidas as insubmissas ao regime de governo anterior. Dotada de agudo senso de observação e munida de um desassombro incomum, fundamentou suas verrinas literárias na descrição dos vários tipos de operárias que, no campo ou na cidade, e mesmo no recesso do lar, sofriam as mais torpes explorações, conforme se vê nos contundentes poemas aqui publicados. Infensa a ameaças, lançava tais opróbrios no rosto das autoridades, que, não obstante sua dureza e truculência, nunca se atreveram a calar a eloquência da sua voz. Maria Teresa Horta merece inteiramente, pois, a homenagem que lhe prestam Regina Coeli e Ilka Vieira ao acolher seus vibrantes poemas no “Expressão Mulher”. Meus calorosos parabéns a ambas por mais esse magnífico trabalho.
ResponderExcluirHumberto – Poeta.
São Paulo (SP)