* YDE SCHLOENBACH BLUMENSCHEIN – "Colombina"


Eu
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Sou só e sou eu mesma. O que pensem e digam
os demais, nada importa; eu tenho a minha lei.
Que outros a multidão, covardemente, sigam,
pelo caminho oposto, altiva, eu seguirei. 

Que, sem brio e vergonha, outros tudo consigam
e que zombem de mim porque nada alcancei;
quanto mais, com seu ódio, o meu nome persigam,
tanto mais orgulhosa em trazê-lo, serei. 

As pedradas não fujo e as tormentas aceito;
mas a espinha não curvo em prol de algum proveito,
minha atitude sempre a mesma se revela; 

a mim mesma fiel, a minha fé não traio;
e, se em dia fatal ferida pelo raio,
tombar minha bandeira, eu tombarei com ela! 


Exaltação
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Olhas nos olhos meus. E eu vejo neste instante
toda a terra subir a um céu que desconheço.
Olho nos olhos teus. E fica tão distante
o mundo: e todo o fel que ele contem, esqueço.

Sorris... e, contemplando o teu lindo semblante,
o ideal de minha vida, enfim, eu reconheço.
Falas... ouço-te a voz, e, impetuosa, radiante,
num gesto de ternura, os lábios te ofereço. 

Beijas a minha boca. E neste beijo grande
-- como uma flor que ao sol desabrocha e se espande -- ,
todo o meu ser palpita e freme e vibra e estua. 

Tudo é um sonho, no entanto; o seu beijo... o meu crime.
Mentirosa ilusão! Pobre ilusão que exprime
somente o meu desejo imenso de ser tua!


A Carne
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Exiges. É ciumenta e egoísta. Não admites
qualquer rivalidade, ou que algo te suplante.
És forte e audaz no teu domínio sem limites…
capaz de transformar a vida num instante, 

És mísera e brutal. Mas, nada obsta que agites
e açambarques o mundo, e que essa alucinante
e estranha sensação que aos humanos transmites,
tenha, como nenhuma, um halo deslumbrante. 

Oh, carne que possuis no teu imo maldito
mais lodo que contém num charco pantanoso,
mais esplendor, também, que os astros do Infinito… 

Rugindo de volúpia e de sensualidade,
espalhando na terra apoteoses de gozo,
ó, carne, serás tu a única verdade?



Aos Meus Amigos
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Não sei como expressar o sentimento
De gratidão imensa que me invade...
Parece até um dos sonhos que eu invento,
essas provas de afeto e de amizade,

Que de Vocês recebo. É um monumento
a sua indiscutível lealdade;
Na jornada que há tanto tempo enfrento,
não pode haver maior felicidade

Que essa de ter amigos como os tenho,
e que, de conservar, tanto me empenho,
Feliz, agradecida e emocionada.

Não sei como dizer... Mas, essas provas
de bem-querer são esperanças novas,
semeando roseirais em minha estrada.


A Poesia
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”


           É meu tormento. Chamam-lhe poesia, arte
           do verso. Chamo-lhe o madeiro, a cruz da
           minha noite e do meu dia.
                              A. J. Pereira da Silva

Devo a ti o que sou e, embora nada seja,
o meu culto te rendo, excelsa companheira
da minha pobre vida de cigarra andeja,
dessa angústia sem fim, da qual sou prisioneira?

Muitas vêzes és como um pássaro que adeja,
nas asas me trazendo a mensagem fagueira
de alguém que me recorda e, sem despeito ou inveja,
bendiz o meu viver de humilde cantadeira.

Amiga! Dizem-me uns que nada vales; nada
constróis... Mas, outros há que vêm em ti, poesia,
a dádiva maior que por Deus nos foi dada. 

Para mim sempre foste e és o bendito sonho,
que me faz esquecer a dôr que me crucia,
envolvendo em beleza os versos que componho!


Amanhecer
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Para Luiz Otávio

Quando as estrêlas se apagam,
recolhe a noite o seu véu
e dedos róseos afagam
a imensa concha  do céu.

Com suas vestes radiosas,
vai surgindo a madrugada,
cobrindo de orvalho as rosas,
acordando a passarada.

Por detraz daquele monte,
abrindo o leque de luz,
o sol transforma o horizonte
numa tela que seduz.

De pombas mansas um bando
dos altos telhados desce...
Todo o céu vai se tornando
Festivo e azul... Amanhece!

As andorinhas despertam
alegres, no seu beiral
e com as outras acertam
seu passeio matinal.

Surgem nas ruas e praças,
buscando o trabalho e o pão,
homens de todas as raças,
que para as fábricas vão.

Mais verdes ficam os montes,
mais intenso o azul, lá no alto,
clareando ruas e pontes
da cidade do Planalto.

Que o dia que nasce agora
traga a você, meu irmão,
uma ventura por hora
e paz ao teu coração.


                          Trova

                    Diz o povo uma verdade
                    por ser compreensivo e humano:
                    — se dóe muito uma saudade,
                    quanto mais... um desengano! 


Símbolo
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Para Alcina Bueno Month

No modesto jardim de uma casa visinha,
havia uma roseira que não dava flor;
era velha demais e bons tratos não tinha,
porque ninguém lhe dava o mínimo valor.

Aconteceu porém, que um pássaro que vinha
nos seus galhos pousar à hora azul do sol-pôr,
ao vê-la triste assim, desfeita e pobrezinha,
uma linda canção entoara em seu louvor.

E na manhã seguinte — oh! milagre divino!
A roseira infeliz do jardim pequenino,
amanheceu viçosa e toda aberta em flor...

É minha alma também roseira maltratada,
que, embora em pleno inverno, amanhece enflorada,
e mil rosas produz por milagre de amor!


Verão
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

À memória de Martins Fontes

Tomando o seu pincel de mais estima
e as tintas mais sutis, a natureza
põe-se a compor, genial, sua obra prima,
num êxtase de sonho e de beleza.

Põe lantejoulas no ar. No azul, lá em cima,
Alinda mais do sol a tiara aceza.
a terra revigora e, poeta, rima
a voz do céu com a voz da correnteza.

Põe cânticos nas árvores frondosas,
abre os botões magníficos das rosas
e cobre de esplendor vales e montes.

Verão! A ti, o meu tributo rendo,
nesta linda manhã de sol, relendo
os versos imortais de Martins Fontes!


Ilusionismo
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Para Aristeu Bulhões

O mago vai tirando da cartola
coelhos, pombos e mais uma porção
de brinquedos e, entre eles desenrola
bandeiras que se desfraldando vão...

Depois nos apresenta aquela bola
de cristal, onde escritos sempre estão
os dias do futuro... E a vida rola
como sempre rolou. Tudo ilusão!

O amor é aquele mago que retira
da cartola brinquedos de mentira,
e assim ilude e engana como quer

O ingênuo coração da humanidade,
que ainda acredita na felicidade,
plasmada numa imagem de mulher!


                          Trova

              Para uma criatura bela que pretendeu desprestigiar-me:

                    És o sol; eu sombra, apenas.
                    Ès a rosa; espinho eu sou.
                    Mas, sendo rosa, envenenas,
                    sendo espinho, eu rosas deu.


Meu Roseiral
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

I

SONHEI que na mocidade haveria
de possuir, um dia, um roseiral,
onde nenhuma rosa faltaria,
de beleza e de fama universal.

De manhã cedo, ao vê-las orvalhadas,
como seria lindo o amanhecer!
Seriam rosas-musas, namoradas,
enchendo de alegria o meu viver!

Brancas, vermelhas, róseas, amarelas...
(Cada qual diferente em seu matiz):
a imaginá-las e a sonhar com elas,
sentia-me encantada e até feliz.

Seria o seu perfume tão intenso 
que o sentiria sempre em torno a mim,
como se acaso fosse um frasco imenso
de aromas, esse meu lindo jardim!

Aos amigos que então me visitasse,
com prazer, haveria de ofertar
todas as rosas que lhes agradassem
— nesse êxtase feliz que é poder dar...

II

E a vida foi passando, indiferente
ao meu desejo ardente de possuir
esse florido chão, que a minha mente
sonhara ser a glória do porvir! 

Meu lindo roseiral foi sonho, apenas;
Não o pude jamais concretizar;
pois, neste mundo as ambições pequenas
são sempre as mais difíceis de encontrar.

Mas, para compensar-me o desencanto,
Deus, em minh’alma, um roseiral plantou;
(talvez não tenha tanto brilho e encanto
como aquêle que a vida me negou)...

Mas, nêle vão florindo, ainda viçosas,
— nos caminhos, nos cantos, nos desvãos,
as rimas que eu invento... São as rosas
que hoje venho depôr em tuas mãos!


Outonal
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

              Mon coeur est pléin, jé veux pleurer...
                                 Lamartine

Arrepios na pele. O céu nublado;
nenhum canto nas árvores despidas.
Panorama cinzento, desolado...
Andorinhas fazendo as despedidas.

Tristeza de viver... E do passado
só recordar as ilusões perdidas.
Não mais reage o espírito alquebrado;
sangram no coração velhas feridas.

Desesperança. Estranha covardia
de fugir, desertar, ante a sombria
perspectiva de tédio e desalento.

E bastaria só que “alguém” voltasse,
para não haver mais as lágrimas na face
todo o outono ser deslumbramento!


Visionária
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Para Jacob Neto

Num estranho poder, que, de onde vem ignoro;
que não sei se é alguém ou fantasia, eu creio.
Pois é quem o meu pranto enxuga quando choro
E comigo sorri, se acaso, devaneiro...

Força que me dá fé, quando a vida deploro;
Revelação de paz que nas estrêlas leio...
É dela que me vêm os versos que decoro;
— Invisível poder, no qual tenho um esteio!

Companheira fiel nessa estrada que eu trilho,
ora é sombra discreta, ora tem tanto brilho,
que enche de estranha luz tudo em que os olhos ponho.

Transforma o meu pensar numa janela aberta:
em minha alma noturna alvoradas desperta
e põe résteas de sol na angústia do meu sonho!


                          Trova

                    Para ser tiranisado,
                    ser mártir ou pecador,
                    ser feliz ou desgraçado,
                    há sempre um motivo – o amor.


Resgate
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”
                    
                       Amé mucho, Señor, y muchas
                       Horas, mas sufri por mas tiempo todavia.
                                                      Campoamor

— “Castigai-me, Senhor, pelo que tenho feito
de mal, embora sem o querer; reconheço
que a culpa é toda minha, e humildemente aceito
Vossa condenação, pois, de certo a mereço.

“Mas, não tem qualquer ser o sagrado direito
de defender-se? E então as mágoas que padeço
e as espadas que tenho encravadas no peito
não serão de uma culpa involuntária o preço?

“Condenai-me, Senhor! Justa é a Vossa sentença
pois, ensinou-me a fé que nutro e a minha crença
a ver em Vós o mais benigno dos juízes.

“Castigai-me, Senhor! cumprindo a minha pena,
resgatarei, talvez, nesta vida terrena,
a culpa dos que são ainda mais infelizes.”


Cantiga de Ninar
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

                    Musicado por Laura O. de Figueiredo

Dorme filhinho adorado!
tece a noite em teu redor
vaporoso cortinado,
feito de paz e de amor.

As estrelas são anjinhos
o teu sono a acalentar...
Há tanta luz nos caminhos
como espumas tem o mar...

Papai do céu por ti vela;
Nossa Senhora também;
silente, a noite revela
tôda a beleza que tem. 

Dorme filhinho querido,
até a alvorada raiar;
num jardim todo florido,
novamente, irás brincar.

Dorme, filhinho! Lá fora,
campeia o doce luar...
E tua mãezinha, agora,
precisa, enfim, descansar.

Nina-nina meu filhinho,
que és meu tesouro e meu bem!
A noite reza, baixinho,
e os anjos dizem — Amem!
            

Intimidade
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Toda alcova em penumbra. Em desalinho o leito,
onde, nus, o meu corpo e o teu corpo, estirados
na fadiga que vem do gozo satisfeito,
descansam do prazer, felizes, irmanados. 

Tendo a minha cabeça encostada ao teu peito,
e, acariciando os meus cabelos desmanchados,
és tão meu… Sou tão tua. Ainda sob o efeito
da louca embriaguez dos momentos passados. 

Porém, na tua carne insaciável, ardente,
o desejo reacende, estua…E, de repente,
dos meus seios em flor beijas a rósea ponta… 

E se unem outra vez a lúbrica bacante
do meu ser e o teu sexo impávido, possante,
na comunhão sensual das delícias sem conta…


                          Trova

                    No meu silêncio eu escuto
                    Vozes de dias passados...
                    Para quem tem a alma em luto,
                    Sempre é dia... de finados.


Amor
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Amor nunca se impõe nem se mendiga:
inspira-lo, porém, é um dom de Deus.
É para o coração uma cantiga
e é dos astros que vêm os ritmos seus.

É uma sagrada lei que a tanto obriga!
E obedecem-lhe os nobres e os plebeus;
e quem, no coração, sincero, o abriga,
será feliz até o último adeus...

Amor é um sentimento que avassala
a mente e o coração e nada iguala
o seu poder de glória e de martírio.

Como saber não hei de o que êle seja,
se no imo do meu ser, vibra e lateja
o pecado de amar-te com delírio?


Aparência
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Para Salvito Eugenio

                            Ho La morte nel cuore e Il
                            riso em boca,
                            ma Il cor nessuno lo vede.

                                  Sterchetti

Tàcitamente esconde os seus pezares,
ostentando sorrisos e alegria:
canta como a cigarra nos pomares,
na hora em que a colheita se anuncia.

Parece sobrevoar serras e mares,
da sua voz a cálida eufonia,
buscando nas estrelas milenares
as fontes perenais do amor — poesia...

Mas ninguém sabe que essa voz ardente
vem de uma dor profunda, persistente,
que as torturas mais trágicas suplanta.

E quando com mais arte e graça arrula
frases de amor, homérica, estrangula
um soluço de angústia na garganta.


O Amor
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Para José Joaquim de Araujo

Mesmo sofrendo muito, e injustamente,
por causa de um amor que deste a alguém,
não o maldigas não, pois é um presente
divino o ter sabido querer bem.

O amor é mesmo assim: engana, mente,
chega e se vai embora como vem,
sem ter motivo, displicentemente,
e não pede desculpas a ninguém.

Enfim, o seu mister consiste nisso:
a gente se prender ao seu feitiço,
e perdê-lo, algum dia, sem razão.

Mas, se ele é quase sempre desgraçado,
muito pior é nunca ter amado,
pois é de amor que vive o coração.


                          Flores do Meu Caminho
                 Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

                    Flores do meu caminho, são as amizades
                    que a inspiração me trouxe  — sempre generosa.
                    Para mostrar-me, que apezar das adversidades,
                    “a vida também tem seu lado cor de rosa”.


Escravidão 
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Para Eduardo Oliveira

Que somos afinal? — Caravana inconsciente,
levada pela vida... Escravos, nada mais.
Uns presos à ilusão de uma ventura ausente,
outros, incréus, destruindo os próprios ideais.

Escravos do ouro, tantos são! Só tendo em mente
a usura de aumentar — Espécie de chacais!
Outros, de uma paixão indômita, absorvente...
Escravos do seu vício, outros pobres mortais.

Escravos da vingança ou da própria vaidade;
muitos escravos são de uma cruel saudade,
de um complexo inferior, de uma obssessão suicida.

Escravos de uma fé que não perdoa nada,
oh! triste caravana inerme, acorrentada
ao jugo da maior escravidão — a vida!


Fidalguia
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Natureza, tu fôste avara e bem mesquinha,
não me dando sequer um traço de beleza:
de complexos encheste a subconsciência minha
e de uma angústia atroz tu me fizeste prêsa.

Madrasta fôste: injusta e má. Que culpa eu tinha
de nascer sonhadora e de ambições ilesa?
— É a beleza que faz a mulher ser rainha,
quem não a tem, — eu sei, — todo mundo a despreza.

São tantos os teus dons e todos me negaste,
indiferente e fria, deixas que eu arraste
comigo esse cruel estigma de ser feia...

Porém, estava escrito que eu me vingaria:
furtei-te, oh! Natureza, a rara fidalguia,
de, em versos, exaltar a formosura alheia!


Ainda uma Vez
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Vem ver-me ainda uma vez. Sacrifica uns instantes
da tua vida alegre e sempre descuidada
a quem te soube dar, em dias já distantes
a ventura maior por ti tão desejada.

Prometo não lembrar as horas delirantes
daquêle nosso amor... – É uma historia passada.
Mas, vem ainda uma vez! Preciso ver-te, antes
que me surpreenda o ponto extremo da jornada.

Não é um capricho, não. É algo de mais profundo,
êsse anseio que não respeita as leis do mundo,
que desafia o insulto e a maldição, talvez...

Êsse apelo que não vem do meu sangue que estúa,
nem da matéria vil – que valeu por ser tua,
é o coração que pede: Oh! vem, ainda uma vez!


                          Trova

                    Nenhuma ventura existe
                    que tenha maior valia,
                    que animar quem está triste,
                    dar a alguém uma alegria.


Quando uma Estrêla Cai...
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Para Zélio Benevides

– “Quando uma estrela cái, Você deve, Querida,
externar nesse instante o seu maior desejo!”
Assim ele dissera e, ouvindo-o, comovida,
eu contemplei o céu, à espera desse ensejo.

E logo após, no pálio astral e imenso, vejo
resvalar uma estrela em rápida caída!
Porém, no mesmo instante, em minha boca um beijo
Realizou a mercê – antes de ser pedida...

E o céu continuava a fulgir... Oh, quem dera
que o sonho dessa noite azul de primavera
fosse o prelúdio bom dos nossos ideais!

Tombaram depois dessa, inúmeras estrelas,
mas foi em vão pedir, foi em vão bendizê-las,
– o que eu pedira não me deram nunca mais...


Para Conceição Costa Neves
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Êsse Deus bom, que deu aos pássaros errantes
árvores, onde possam construir seus ninhos;
que pôz no firmamento estrêlas cintilantes
para, dos que vão sós, alumiar os caminhos;

Êsse Deus bom, que lá, das esferas distantes,
fez o grão transformar-se em algodão e linhos...
Para que o dividisse entre os seus semelhantes,
pôz no teu coração um mundo de carinhos.

E eu, que escolhida fui pela tua amizade,
– não merecendo, embora, essa felicidade –
em tua alma encontrei como um facho de luz,

o carinho melhor que a vida me trouxera:
ao meu inverno dando um sol de primavera,
para que uma vez mais florisse a minha cruz!


Edelweiss
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein - "Colombina"

Para SIEGRID

Lembras aquela flôr estranha, que floresce
nas montanhas de neve e se chama — Edelweiss.
Colhê-la é perigoso e apenas a merece
quem, de coragem der verídicos sinais.

Entre os abismos que há, em larga e farta messe
nas escarpas de gêlo, altaneiras, glaciais,
essa flôr de veludo os seus encantos tece:
e quem a vê uma vez não a esquece jamais.

"Edelweiss" que encontrei no fervilhante asfalto,
sob o sol tropical que requeima o Planalto,
és tu, sincera amiga e poetisa também.

Flôr do gêlo não és, tu, que a todos encantas,
ardente é a tua lira e é com calor que cantas
em versos revelando o teu amor a alguém.


                          Rosas Vermelhas
              Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

                             Porque estás toda inteira numa trova
                                E vives palpitando em cada rima.
                                                       Antonio Lobo

                    Se nunca, por dom ou por anseio,
                    versos no papel gravaste,
                    o mais lindo poema eu leio
                    nas rosas que me mandaste.


A Mulher Alemã
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein - "Colombina"

Fôste Gretchen, Isolda ou Margarida.
Visão sentimental do romantismo,
Mas veio a guerra, a fome... E a tua vida
ficou sendo renúncia e sendo heroísmo.

Altiva e digna nos teus miseréres,
tu fôste companheira do teu povo,
(sobrepujando em tudo essas mulheres,
das quais faz alarde o mundo novo).

Eu te vejo incansável, trabalhando
na remoção de ruínas e de escombros;
embora dolorosa e carregando
o lenho dos vencidos sôbre os ombros.

Mulher de fibra, corajosamente,
sofrêste humilhação, angústia e dôr.
Não te louvo a beleza, é ùnicamente,
pelo que tu fizeste — o meu louvor.

Já não és Gretchen nem Isolda triste,
já não desfolhas nenhum malmequér...
Mas redimir a Pátria conseguiste
com a tua nobreza de mulher!

Reergue-se a Alemanha e mostra ao mundo
que o seu trabalho até milagres faz...
E luta, com o seu saber profundo
e com sua cultura — em pról da paz.

E deve a ti a redenção completa,
do seu martírio... Porque esposa, irmã
e Mãe e filha, tu fôste a discreta
mensageira das luzes do amanhã.

Oh! Filha da Germânia, eu te saúdo,
com a minha mais profunda admiração!
Tu provaste que vale mais que tudo
ter caracter, ter alma e coração.


Versos à Musa
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein - "Colombina"

             — Águia real, aponta-me a subida!
                        (Florbela Espanca)

Dá-me o teu braço. Estou demais cansada
dêste caminho que me foi impôsto;
Não me deixes à beira da calçada,
chorando de cansaço e de desgôsto.

E, apoiada por ti, ainda arrosto
os entraves que houver em minha estrada;
e nem será preciso que o meu rôsto
se esconda com receio da pedrada.

Guia-me tu, que és pura e que és divina,
pelo caminho... E, à branda luz dos astros,
prosseguirei, cumprindo a minha sina...

Pelo teu braço, ó Musa merencórea,
eu irei — não de joelhos nem de rastros,
mas de cabeça erguida, para a glória!


“Ela”
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein - "Colombina"

     Para Marion
                         Felicidad, te vi cerca, péro no
                         Pude hablar contigo...
                                 Santos Chocano.

Passou à minha porta. Era cedinho.
Olhou-me com ternura, mas não disse
quem era... E foi seguindo o seu caminho
e eu deixei que sòzinha ela seguisse...

Esperei que voltasse. Esperei tanto.
Dias longos, sem fim; semanas, meses...
Mas não voltou e eu soube, com espanto,
que ela não passa nunca duas vezes

diante da mesma porta. Eu não sabia
que fosse assim esquiva, passageira...
Olhara-me com tanta simpatia,
quando eu a vi, aquela vez primeira.

Esperei que viesse novamente.
Oh! Seria tão bom tornar a vê-la.
Mas nunca mais a vi; ficou ausente;
Talvez fosse habitar alguma estrela...

E ainda hoje, com minha alma quase morta,
num misto de remorso e de saudade,
suplico: — “Oh! Vem passar à minha porta,
sòmente ainda uma vez, “Felicidade!”


                          Trova

                    Dorme, Querido, que eu velo,
                    de longe, pensando em ti.
                    E é com um beijo que eu selo
                    a carta que te escrevi.


Versos a Um Poeta Irmão
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

                      Ces dormeurs que La vie
                       Oublia d’éveiller
                                      Romaim Collus

Se a vida é uma cruz — e às vezes tão pesada,
que um só não é capaz de até o fim a levar,
feliz é quem encontra alguém em sua estrada,
que esse lenho pesado o ajude a carregar.

Poeta, que tens no peito uma alma torturada
e um pobre coração que vive a soluçar,
saibas que também tenho a alma crucificada,
que, entre espinhos, também tenho que caminhar.

Mas, tu és meu irmão e eu quero acompanhar-te,
de longe, te seguindo o andar por toda a parte,
da tua cruz fazendo a minha cruz também.

Talvez, um dia, por mercê de Deus, consiga,
poeta irmão, apertar a tua mão amiga,
nêsse mundo melhor, que fica muito além...


Ironia
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

                         Es wär zu schoen gevesen
                         Es hat nicht sollen sein
                                       Victor Scheffel.

Naquela noite, um céu desconhecido havia
aberto para nós as suas portas de ouro.
E enquanto ao teu meu coração batia,
tu eras meu amor, eu era o teu tesouro.

Prendiam-se nos meus os teus olhos de mouro,
um beijo, a tua boca à minha boca unia...
E, sob um quebra-luz, o meu cabelo louro
bem junto ao teu cabelo escuro refulgia...

Porém, aquêle céu que, generosamente,
abrira para nós as portas da ventura,
era o instante do amor que passa, num repente.

E agora, eu digo, a rir: — “Foi uma coisa louca!”
Tu dirás com desdém: — “Foi mais uma aventura!”

(Como sabem mentir, a tua e a minha boca!)


Platonismo
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Amar-te é o meu destino. E nem sequer procuro
saber, se deste amor tomas conhecimento.
Nada espero de ti, nada desejo, e juro:
presente sempre estás, neste meu pensamento.

É assim o meu amor: um sentimento puro,
feliz, por não causar-te o mínimo tormento.
Se ignoras este meu viver sozinho e obscuro,
minha presença não te traz constrangimento.

Quero te amar assim, no meu silêncio. Altiva,
sabendo que êsse amor, de gozos não te priva,
nem obsta que por ti eu reze cada dia.

No entanto, se eu tivesse a glória inesperada
que o adivinhasses e por ti eu fôsse amada,
nem quero imaginar o que aconteceria...


                          Saudade (Trovas)
                Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

                     A saudade é uma andorinha,
                     mas uma andorinha estranha:
                     quando, num peito se aninha,
                     as outras não acompanha…

Saudade – coisa que a gente
não explica nem traduz;
faz do passado, presente,
e traz sombras, sendo luz…

                               Saudade – febre que a gente
                               sem querer, pode apanhar,
                               nunca mata de repente,
                               vai matando, devagar…

                                                             Saudade – a princípio é pena
                                                             que nos deixa uma partida;
                                                             depois é dor que condena
                                                             a morrer dentro da vida…

Se é triste sentir saudade,
muita saudade de alguém,
maior infelicidade
é não tê-la de ninguém.

Oferenda
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

Versos... Versos de amor! – Não digas nada!
Seria como o gume de uma espada
a palavra mordaz que eu ouviria.  
Não fales! Para que?... Mas, se puderes,
Sorri, como sorris para as mulheres
que tanto te encantaram, certo dia...    

Eu sei que é tarde e a primavera é morta,
que tudo é diferente... Mas, que importa
que rosas inda dê, velha roseira?
Que em pleno inverno uma cigarra cante
(por hábito, ousadia... ou por desplante,
ou simplesmente por ser cantadeira?)     

São versos que pensei, à tua espera,
embora não passasse de quimera
o sonho que ficou no pó da estrada...
São rimas que busquei para dizê-las,
em noites solitárias, às estrelas...
– Vigília de mulher abandonada...

Recebe-os sem rancor! Eu já não digo
que deves aceitá-los como amigo,
tu que foste o Pierrô do meu passado!
A gente, quando é poeta, (não sabias?)
imagina loucuras, fantasias,
e faz de conta até haver pecado...

E vai rimando assim uns pobres sonhos;
recordações de dias mais risonhos
que o vento para longe foi levando.
Às vezes têm uns laivos de ironia,
o tom cinzento da melancolia
e lágrimas também, de vez em quando...

Escrevo-os para ti. E tu ignoras
que és a inquietude de todas as horas
que a tua incompreensão não adivinha.
Pierrô, há tanto tempo já que te amo
e nada digo e nem sequer reclamo
que compreendas um pouco a angústia minha.

Alegre e descuidada te apareço:
Oh! se soubesses como é alto o preço
do meu silêncio, imposto pela vida!
Mas, em versos sutis ou exaltados,
envio a ti – amado entre os amados,
fragmentos de minha alma comovida...

Recebe-os, pois, sorrindo, e nada digas:
faze de conta que são só cantigas
de uma cigarra pequenina e louca.
E deixa-me sonhar que tu, ao lê-los,
sem saber que são teus, sentirás zelos
dos beijos que sonhei dar-te na boca!


Pobreza
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein – “Colombina”

                                    Hoje esgoto meu calix de amargura
                                    na suprema renúncia ao teu amor.
                                                             (Raul de Leoni)

É um desengano, eu sei, dizer-te com franqueza
o que em minha alma vai,
nesta vida que traz, cada hora, uma surpresa,
sou a folha que cai...

Não tenho, para dar-te, os risos da esperança
que embelezam o amor;
para lutar por ti, nem escudo nem lança,
eu tenho ao meu dispor.

Para te oferecer o sonho, a taça que o guardava,
quebrei-a, sem querer;
sabia o coração que um sonho não bastava
para a mim te prender...

A minha boca, para um longo beijo dar-te,
não tem viço nem côr;
para fazer do meu amor uma obra de arte
falta-me o esplendor.

As minhas pobres mãos, para a carícia suave,
já não possuem calor.
E a minha lira tem apenas o som grave
que exprime angústia e dor.

Para te prestigiar, não tenho a luz da glória
que tanto brilho tem!
Não te honraria ser, o herói da minha história,
porque não sou ninguém.

Não tenho, para dar-te, um ceitil de beleza
nem de atração sequer...
E não te devo dar o que tenho, a tristeza,
(ninguem no mundo a quer!)

As flôres da ilusão, perdi-as; sou roseira
cansada de florir.
Em tua frente tens toda uma vida inteira
e eu já não sei mentir.

Tu vês? Minha lealdade as falhas não encobre,
confesso-as sem tremor.
Se puderes, perdoa-me! É pobre, muito pobre
o meu intenso amor!



3 comentários:

  1. Em princípios da década de 50, quando mal ensaiava meus primeiros versos, li um soneto de Colombina que mexeu com minha sensibilidade. A partir de então consultei livrarias e bibliotecas na tentativa frustrada de ler outros poemas de sua autoria, pois não achava possível que uma poetisa daquele quilate não tivesse deixado outros poemas. Em vão. Eis, no entanto, que, ao percorrer Expressão Mulher encontro aqui a tão ambicionada Colombina, despencando sobre o meu olhar extasiado uma catarata de sonetos, trovas e poemas inesquecíveis, como Visionária, Mulher Alemã e essa joia a que ela deu o título de Cantiga de Ninar. Em toda a minha vida de poeta, jamais vi uma demonstração de amor filial
    que se comparasse, em beleza, à Cantiga de Ninar!
    Ao lê-la sente-se arrepios de emoção, tal o sentimento e a meiguice com que foi escrito. Mas o que me espanta é ficar matutando quais as obras que consultam Regina e Ilka, para exumar do esquecimento esses tesouros de poetas que a gente nunca vê citados em enciclopédia alguma, num total descaso dos historiadores contra a literatura pátria? Estou recompensado pela visita ao blog, que conseguiu resgatar do ostracismo tão valiosa poetisa. E com essa habilidade com que fariscam tais tesouros, aventuro-me a incentivá-las a tentar descobrir aonde andam os poemas de Mozarina Ciarllini, outra poetisa paulista da qual só li um belíssimo poema e nunca mais tive a sorte de ler outro. Mas, só pelo resgate de Colombina, já vale a pena estender meus sinceros parabéns à dupla Regina/Ilka.(Humberto - Poeta).

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  2. Trova

    Diz o povo uma verdade
    por ser compreensivo e humano:
    — se dóe muito uma saudade,
    quanto mais... um desengano!

    Confirmo qualquer grandioso comentário sobre "Colombina", ela é um verdadeiro tesouro descoberto pelo EM e melhor que isso, compartilhado!
    E que sala bonita deram a Colombina, é isso, ela parece que voa por um azul de total suavidade.

    Abraços,
    Raquel Nonatto




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  3. À verdadeira amizade, Flores do meu Caminho".
    Abraço ,
    Tetê D' Oliveira

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