“Expressão Mulher” – Este espaço encontra o seu principal fundamento numa ideia principalmente destinada a dignificar e divulgar as mulheres que, através da palavra escrita, souberam, com determinação e talento, melhorar o mundo em que vivemos e aquelas que ainda hoje e com as mesmas armas o procuram mudar através dos sentimentos que transmitem à prosa e à poesia que criam.
“Nunca te permitas ser menos do que és”, disse-o José Saramago.
Acredito que cada uma destas mulheres cultas, inteligentes e empenhadas para com esta sociedade injusta, na defesa dos que nela são mais débeis e castigados, souberam e sabem defender, com a eficácia do seu brilhante trabalho, o valor da lógica do mestre.
Lembro, a propósito, que um dos segredos que melhor emprestam o encantamento à escrita é a capacidade da contemplação do fugaz, do momento que, de tão intensamente vivido, poderia ser “eterno”, como disse Vinícius de Moraes.
É talvez esta especial capacidade para sublimar esses momentos que é um dos atributos mais admiráveis na mulher que sabe expressar na escrita o que lhe vai na alma.
Num dos poemas mais conhecidos de Cecília Meireles, esta revela esse sentimento de uma forma muito clara: “Eu canto porque o instante existe/ e a minha vida está completa./ Não sou alegre nem sou triste: sou poeta”. Era o escapismo da permanência, do constante, do ‘para sempre’.
Alguns poetas homens, como eu, sentir-se-ão honrados por poder participar neste promissor blog que se propõe, sem critérios subjetivos, servir tão nobre causa; a de lembrar e homenagear quem realmente o merece.
Bem hajam, estimadas poetas e amigas Ilka Vieira e Regina Coeli Rebelo Rocha por terem lançado mão desta feliz iniciativa que fará escola e história, estou certo disso.
Eugénio de Sá
Sintra, Portugal
Mulher
Eugénio de Sá
Mulher, ventre de Deus doado ao mundo
Mulher, seio de amor e de bem-querer
Mulher, esteio família, ser fecundo
Mulher, verbo de vida e de viver
Mulher requinte, mulher solidão
Mulher amante, mulher desejada
Mulher clemência, mulher coração
Mulher feita de tudo... e quase nada
Mulher desgraça, se o desgosto a fere
Mulher irada, se a traição tortura
Mulher indulto, se o perdão prefere
Mulher, ao triste fado resignada
Mulher, deusa de carne e de ternura
Mulher feliz, quando é mulher amada!
Pela manhã, menina
Eugénio de Sá
Quando na rósea aurora, soalheira
Pisando a grama fina e rasteira
Te vejo debutar pela encosta
Põe-se-me o coração em tal canseira
Num arrebol de encantos, em resposta.
Sigo-te os passos leves na campina
E ao ver-te esse corpito de menina
- As ancas que saltitam, quando andas -
Todo o meu equilíbrio desatina
Fica a cabeça tonta, e em bolandas!
E esfuziante, então, digo pra mim
- Pois não sei já viver sem ver-te assim -
Que seria o meu dia sem eu ter
Trazida no voar de um querubim
Esta alegria de tanto te querer?
Dia da Mulher?
Eugénio de Sá
- Mas não são todos delas
Os dias que lhes damos?
Não é o amor por elas
que lhes consagramos
que as faz aos nossos olhos...
as mais belas?
Elas bem sabem do nosso respeito
Porque ao cingi-las junto ao nosso peito
Nos ouvem d’amor bater o coração
E assim toda a ternura que lhes damos
P’la vida fora, por todos os anos
Lhes traz a alma cheia d’afeição
Pena que haja mulheres abandonadas,
Tristes destroços, vilipendiadas...
Tantas mulheres que a vida atormentou;
Mães esquecidas, viúvas saudosas
Sem que viv’alma lhes ofereça rosas
Lamentos vivos que a sorte vergou
Mas hoje é dia só de regozijos
P’ra festejar todos somos precisos
Cumpre dar-lhes um beijo e uma flor
Quer seja à companheira amorosa
À nossa mãe, à avó, dar-lhe uma rosa
Dizer-lhes que ali está o nosso amor!
A Mãe das mães
Eugénio de Sá
Em ti as mães do mundo se revêem
Doce Maria, mãe de Deus, amada
No Céu ora por elas, que em ti crêem
Pois todas te veneram, confiadas
Em Fátima ou em Lourdes, multidões
Acorrem aos santuários Marianos
Com fé, ternura e esperança esses milhões
A ti rezam, Senhora, há dois mil anos
Dia da mãe são todos, Virgem Santa
Nos calendários de todas as nações
A ti invoco, com certeza tanta
Porque és a Mãe das mães das gerações;
Dá-lhes a paz Senhora, pra que vejam
Crescer e ser felizes os seus filhos
Que eles as saibam merecer e no que sejam
Hajam marcas ti e dos teus trilhos
Por sua Dama (poesia renascentista)
Eugénio de Sá
Senhora de mil encantos
Se de vós eu me apartasse
Perder-me-ia entre tantos
Sem ter quem me procurasse
Não seria mais aquele
Que vos busca um só olhar
Pois é vosso mais que dele
O dom que o faz respirar
Esse, senhora, não sabe
Outras formas d’afirmar
Que no seu peito não cabe
Mais espaço p’ra vos amar
Aberto o meu coração
Podeis, senhora, entender
Que vos basta um simples não
P’ra ele deixar de bater
Mas se um sim eu recolher
E com ele vosso sorriso
Senhora, bem podeis crer
Que mais não será preciso
Sentir-me-ei venturoso
De mim não carecem ter
Penas d’alma, pois garboso
Sempre pelejar vou querer;
Na minha lança, orgulhoso
Mostrarei em cada justa*
Que o vosso lenço vistoso
A vitória torna fausta!
*Combate à lança entre dois cavaleiros medievais
A ti, Mulher
Eugénio de Sá
Tanto de ti, mulher, queres consagrar
Tantos cansaços, tantos sofrimentos...
Quantos golpes de rins tu tens de dar
P’ra fazer face a tais cometimentos
E se outros mais encantos não se mostram
Nesse teu rosto a sulcos retratado
É porque os mais desgostos se confrontam
C’ o riso nos teus lábios, apagado!
Mulher e mãe, julgada e julgadora
Todos te flagelam, implacáveis
Quando dos males te apontam causadora
Mas os credos de Deus são insondáveis
E como Salomão, és sabedora
Que os dons do coração são indomáveis!
Encantamento
Eugénio de Sá
Qual almo do meu dia, assim te vejo
Imagem de uma Erato, amante e bela
Tal doce madrigal, assim te almejo
Quando te assomas, linda, na janela
O teu nome não sei, mas gostaria
de o conhecer, oh musa que me inspiras
E est'alma do Poeta então estaria
mais cheia do sossego que lhe tiras
Chamar-te pela graça, amada minha
conhecer-te o rubor e a casta chama
que o porte trai e isso se adivinha
quando da face tua se derrama
E desse fogo tu nem te apercebes
quando em mim se propaga ao coração
que plo teu se debate em tantas sedes
tremendo à míngua da tua afeição
Mas neste dia, a todas consagrado;
às mulheres que nos mandam na ventura,
Vou arriscar que mandes no meu fado;
Vou confessar-te toda esta ternura!
Mãe
Eugénio de Sá
Mãe, que só vês beleza no teu filho
Mal to entregam, inda por lavar
Esqueces as dores do parto ao encarar
Os traços do teu jovem peralvilho
E então c’o milagre consumado
Pedes a Deus que sempre to proteja
E que nas Suas leis ele se reveja
Pra percorrer a vida imaculado
Mãe, tu não sabes quantos sacrifícios
Te vai pedir o teu novo rebento
Que mal nasceu já disso mostra indícios
Mas tudo em ti será encantamento
Mesmo que a tua luta seja ofício,
O seu sorriso será o teu sustento!
Ser Mãe
Eugénio de Sá
Ser mãe é ser projecto venial
É ser matriz, ser actriz principal
No preito à vida qual Deus o previu.
Ser mãe é dar-se ao filho por inteiro
Umbilical trajecto prisioneiro
Do amor maior que a sorte já esculpiu.
Ser mãe é ser versão imaculada
D’uma mulher-amor nele consagrada
À génese maior da criação.
Ser mãe é tudo, é nada; é ser raiz
É sofrer, é tremer, é ser feliz
Amar só por amar, com coração.
Ser mãe é ser consciência verdadeira
É luta permanente a vida inteira
É árvore-guarida protectora.
Ser mãe é consagrar-se ao bem maior
É tudo dar sem espera de penhor
Que a espera assim seria redutora
Mães Tristeza
Eugénio de Sá
Atrozes são as dores de um mãe
que castigado vê o seu rebento
porque é só seu o visceral alento
que lhe sustenta a alma e a mantém
E ao ver medrar a pobre criancinha
com alvo conhecido a dirigir-se;
ao nada de uma vida pobre e triste,
a mãe mais envelhece, mais definha
Será que lá do céu Deus se apieda
e vê no periclitar daquele credo
a dor que toma um ser que a dor carrega?
Que desespero é, que mete medo,
Este vazio de fel que até sonega
um pouco de doçura ao gosto azedo?
Inda Queres Ser Nossa Mãe?
Eugénio de Sá
Senhora, choram Teus olhos
Bem o noto na expressão
Quando o Vosso coração
Vê em nós um mar de escolhos
Tantos são nossos pecados
Tantas as iniquidades
Mãe de Deus, Tu já não sabes
Ser mãe destes enjeitados
Mais, Senhora, não merecemos
Que os avisos já esgotaste
E dos males que nos livraste
Saber deles, nunca quisemos
E hoje, a tristeza de sermos
Seres de Ti tão desfasados
E gastos plos nossos fados,
Faz de nós o que não queremos
Mas não chores, Santa Mãe
Não vertas prantos, que ainda
Há quem sonhe a Tua vinda
E há quem Te adore, também
A Qualidade de ser Mãe (crónica)
Eugénio de Sá
No dia da mãe, penso na universalidade dessa nobre qualidade humana.
Ao vir falar-vos nas mães dos nossos dias penso, por exemplo, numa mãe européia, que ensina ao filho o que é a Torre Eifel, quem foi Napoleão, Luis Pasteur, Charles Beaudelaire, Lord Byron, Sheakspear...
Mas que talvez omita o que significou e significa o muro de Berlim, Hitler, Auschevitz, Staline, o Gulag...
Ou evoco uma mãe centro-africana, de seios tristes e chupados, vendo o filho famélico morrer à míngua, sem que valha, sequer, a pena preveni-lo dos perigos do ébola, da aids, da lepra, que lavram por todo o continente. Ou contar-lhe da gananciosa exploração dos recursos naturais e humanos que os mais ricos praticam com os mais pobres, causa maior da sua desventura.
Não posso esquecer-me das mães de Israel, que, após mais de sessenta anos de independência do país que David Ben Gurion sonhou, têm de continuar a ensinar os seus filhos a protegerem-se, em caso de ataque nuclear ou químico. Só porque vizinhos fanáticos - cujas próprias mães os incitam ao terror e à morte, e recebem, por isso, favores - teimam em querer riscá-los do mapa.
Ou lembro ainda uma mãe norte americana, contando ao filho as maravilhas dos inventores, que fizeram da grande nação a superpotência que ainda é; Alexander Bell, Thomas Edison, Albert Einstein, Henri Ford, as façanhas dos heróicos soldados do Dia D e da Coréia, as vítimas de Pearl Harbor e as mais recentes; as do 11 de Setembro... Mas que, certamente, deixará por explicar a recusa da assinatura do acordo de Kioto, e o que se passou em Hiroshima e Nagasaki, no Vietnam, e ainda hoje se passa no Iraque e em Guantanamo...
À excepção das que armam seus filhos para o terror, não censuro, pelo contrário; entendo e aprovo todas essas mães, pela piedosa - mas inevitavelmente temporária - ocultação de tanta iniqüidade.
Indigna-me, isso sim, o despudor dos que não quiseram e não querem saber que os seus filhos, netos e as sucessivas gerações que se lhes seguirão conheçam a vergonha dos seus atos.
UN LUJO LEER CADA UNA DE TUS OBRAS, ME EMOCIONA MUCHO ESTE CONCEPTO SOBRE LA MUJER QUE PLASMAS EN POESÍA CON TANTA BELLEZA. GRANDE COMO SIEMPRE. BEIJOS VICTORIA
ResponderExcluirEugénio, poeta e amigo querido, certamente que com seus lindos versos homenageando as mulheres,nas mais variadas formas, faz com que Expressão Mulher enriqueça mais ainda.
ResponderExcluirVocê e Fernando Pessoa é para quem sabe, para quem tem competência e sensibilidade.
Ilka e Regina, cada vez mais embelezam este espaço maravilhoso.
Parabéns!
Com carinho e admiração
Sandra
Quero parabenizar as organizadoras do site, às poetisas com suas belas palavras.
ResponderExcluirAo poeta Eugénio de Sá, o meu carinho e também, meus parabéns, pelas homenagens às Mulheres.
Bjosss,
Clara da Costa