Navegar com Pessoa
António Barroso (Tiago)
Com Pessoa, eu queria Navegar,
Gozar a luz do sol, do firmamento,
Não segurar a brisa, nem o vento,
Só por minha vontade, me guiar.
Se um sorriso, na face, começar,
Prendê-lo, com um fio, ao pensamento,
E buscar o perdão por um momento,
Infeliz, que se teve, sem pensar.
Guardar o meu amor num cofre forte,
Ver o céu, para a lua, ser suporte,
Sulcar o mar imenso, sempre à proa.
Gostaria, num sonho tão disperso,
Navegar com um leme feito verso,
Seguir, acompanhado de Pessoa.
Parede – Portugal (25/09/2013)
Como recordo aquela madrugada
Com os sinos a tocar no alto da igreja,
Já passa a banda, em farda bem vincada,
Tocando marchas de fazer inveja.
Dia de festa, em sonhos, tão esperada,
O som do morteiro, no céu, troveja,
No varandim, a moça debruçada,
Roda o vestido p´ra que a gente veja.
E o baile? Ah! O baile na noite quente,
No palco improvisado, mesmo à frente
Da casa de meus pais, onde eu vivia,
Era um sublime culminar de festa.
Agora, anos depois, já só me resta
Meter num sonho as emoções dum dia.
- Oh! Chico, Rogério, Zé Manel!
Mas logo a seguir: - Pai, olha balões!
Gritava a forte voz do carrossel:
- São três voltas! Três voltas, dez tostões!
E as gemas envolvidas em papel!
E as rodas de madeira! E os camiões!
E o torrão duro, doce como o mel!
E a dura cantilena dos pregões!
- Mãe, pai! Queria tanto um pirolito!
E havia tal prazer neste meu grito,
Que logo me diziam: - Filho, vai.
E era assim um longo dia de feira
Que acabava, depois da brincadeira,
A dormir junto ao peito do meu pai.
Prece
Fernando Pessoa
Senhor, que és o céu e a terra, que és a vida e a morte! O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu! Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também. Onde nada está tu habitas e onde tudo está - (o teu templo) - eis o teu corpo.
Dá-me alma para te servir e alma para te amar. Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.
Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos. Faze com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai.
Minha vida seja digna da tua presença. Meu corpo seja digno da terra, tua cama. Minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar.
Torna-me grande como o Sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te.
Senhor, protege-me e ampara-me. Dá-me que eu me sinta teu. Senhor, livra-me de mim.
(in "O Eu Profundo")
Prece Silenciosa
António Barroso (Tiago)
Meu Deus, tenho o céu por cobertor,
e a lua cheia parece
ser a mãe de imensas estrelas,
deixa-me, então, que te erga uma prece
feitas de paz e amor.
Desce, meu Deus, outra vez à terra
que tu próprio criaste
com equilíbrio, com harmonia,
com o carinho e a alegria
feitos de fé e de esperança.
Verás, meu Deus, apenas a guerra
que avança, contra o que ensinaste,
e verás a tristeza, no rosto da criança.
Esta prece não é uma queixa,
mas somente uma confidência
que não me deixa
calar o pensamento.
Olho o céu repleto de estrelas
nesse espaço sem fim, e ao vê-las,
encho a alma dum sentimento
de puro amor,
que sossega, que acalma, que aquece,
por isso, meu Senhor,
atende esta prece.