Humberto-Poeta responde a Fernando Pessoa:
Quando Olho para Mim Não me Percebo
Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)
Quando olho para mim não me percebo
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.
O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.
Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei
Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.
Eu
Fernando Pessoa
Sou louco e tenho por memória
Uma longínqua e infiel lembrança
De qualquer dita transitória
Que sonhei ter quando criança.
Depois, malograda trajetória
Do meu destino sem esperança,
Perdi, na névoa da noite inglória,
O saber e o ousar da aliança.
Só guardo como um anel pobre
Que a todo herdeiro só faz rico
Um frio perdido que me cobre
Como um céu dossel de mendigo,
Na curva inútil em que fico
Da estrada certa que não sigo.
Não Sei Quem Sou, que Alma Tenho
Fernando Pessoa
Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo.
Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros)...
Sinto crenças que não tenho.
Enlevam-me ânsias que repudio.
A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me ponta
traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha,
nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo.
Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos
que torcem para reflexões falsas
uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.
Como o panteísta se sente árvore (?) e até a flor,
eu sinto-me vários seres.
Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente,
como se o meu ser participasse de todos os homens,
incompletamente de cada (?),
por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço."
Sonho. Não Sei quem Sou neste Momento
Fernando Pessoa, in " Cancioneiro"
Sonho. Não Sei quem Sou neste momento.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma não tem alma.
Se existo é um erro eu o saber. Se acordo
Parece que erro. Sinto que não sei.
Nada quero nem tenho nem recordo.
Não tenho ser nem lei.
Lapso da consciência entre ilusões,
Fantasmas me limitam e me contêm.
Dorme insciente de alheios corações,
Coração de ninguém.
Fosse Eu Apenas, Não Sei Onde ou Como
Fernando Pessoa
Fosse eu apenas, não sei onde ou como,
Uma coisa existente sem viver,
Noite de Vida sem amanhecer
Entre as sirtes do meu dourado assomo...
Fada maliciosa ou incerto gnomo
Fadado houvesse de não pertencer
Meu intuito gloríola com Ter
A árvore do meu uso o único pomo...
Fosse eu uma metáfora somente
Escrita nalgum livro insubsistente
Dum poeta antigo, de alma em outras gamas,
Mas doente, e , num crepúsculo de espadas,
Morrendo entre bandeiras desfraldadas
Na última tarde de um império em chamas...
Ode a Fernando Pessoa
Humberto Rodrigues Neto
Quando a gente lê Pessoa
nosso estro sobrevoa
édens de intensa beleza!
Além dessa realidade,
lê-se nele a nua verdade
de que a palavra saudade
só podia ser portuguesa!
Do seu verso a alacridade
se mescla àquela humildade
da flor que nasce no brejo!
E nele a alma lusa entoa
da Mouraria à Madragoa
as cantigas de Lisboa
debruçada sobre o Tejo!
Tudo amou como poeta,
até mesmo a luz discreta
desses lusos arrebóis...
Mesmo ao zizio das cigarras
cantava, em rimas bizarras,
o soluçar das guitarras
e o trinar dos rouxinóis!
Ler nele os descobrimentos,
é ver épicos momentos
que tod'alma lusa entoa!
É ouvir a voz magistral
dessa "Severa" imortal,
isto é fado, é Portugal,
isto é Fernando Pessoa!
Belíssima apresentação do Escritor Humberto Neto, que termina com chave de ouro numa Ode para Fernando Pessoa.
ResponderExcluirEfigenia Coutinho
Aplaudo o critério com que a Expressão Mulher continua a levar por diante os seus convites. Na realidade, Humberto Rodrigues Neto pelo mérito que todos lhe reconhecem é de há muito um Poeta maior brasileiro e universal. O que aqui dele se lê atesta-o à saciedade.
ResponderExcluirEstão uma vez mais de parabéns, estimadas Regina Regina Coeli e Ilka Vieira, pela cuidada qualidade com que estão a construir o vosso site.
Abraços desde Portugal
Eugénio de Sá
Caríssimo poeta Humberto Rodrigues Neto. Estive aqui, percorrendo este magnífico espaço virtual do "Expressão Mulher" e pude contemplar a magnitude do trabalho conduzido pelas queridas poetisas Ilka Vieira e Regina Coeli. Não tenho dúvidas de que o "Expressão Mulher", pelos propósitos que almejam, já é uma referência como espaço cultural de enorme importância aqui na net. E é, com essa convicção que tenho passeado pelas suas páginas, adornadas por grandes poetas e poetisas. Hoje tive a satisfação de estar na sua sala e ler com muita atenção todas as suas maravilhosas obras. Poesias talhadas com as mãos de mestre que sabe direcionar seus versos ao centro de nossas emoções. Parabéns por suas maravilhosas obras disponibilizadas ao mundo virtual e aos leitores amantes da poesia. Um forte abraço - Sardenberg - www.sardenbergpoesias.com.br
ResponderExcluirPenitenciando-me pelo atraso deste comentário, determinado por compromissos particulares inadiáveis, rendo aqui meus sinceros agradecimentos a Efigênia Coutinho, a Eugénio de Sá e ao Sardenberg pelas referências elogiosas à minha colaboração neste magnífico e prestigioso site, que, a cada dia, vai se firmando mais no conceito daqueles que sabem apreciar bons poemas e degustar a cultura naquilo que ela tem de mais elevado e transcendente.
ExcluirAbraços agradecidos a todos.
Humberto - Poeta
Muito bem definido, Humberto Neto disse tudo, parabéns!
ResponderExcluirBetina Silva
Ode a Fernando Pessoa
Humberto Rodrigues Neto
Quando a gente lê Pessoa
nosso estro sobrevoa
édens de intensa beleza!
Além dessa realidade,
lê-se nele a nua verdade
de que a palavra saudade
só podia ser portuguesa!
Do seu verso a alacridade
se mescla àquela humildade
da flor que nasce no brejo!
E nele a alma lusa entoa
da Mouraria à Madragoa
as cantigas de Lisboa
debruçada sobre o Tejo!
Tudo amou como poeta,
até mesmo a luz discreta
desses lusos arrebóis...
Mesmo ao zizio das cigarras
cantava, em rimas bizarras,
o soluçar das guitarras
e o trinar dos rouxinóis!
Ler nele os descobrimentos,
é ver épicos momentos
que tod'alma lusa entoa!
É ouvir a voz magistral
dessa "Severa" imortal,
isto é fado, é Portugal,
isto é Fernando Pessoa!
Postado por Expressão Mulher