Apelo
Aládia Pereira de Almeida
Quando eu deixar o mundo tão malvado,
para habitar, por fim, a lousa fria,
nessa hora de tristeza e de agonia,
eu peço que tu fiques a meu lado.
Não quero que tu chores nessa dia,
lembrando o nosso amor tão malfadado,
preciso recordar todo o passado,
e partir com suspiros de alegria.
Depois que eu repousar no meu abrigo,
não me deixes ali abandonada –
quero a visita de teu vulto amigo.
Se na vida, de ti, fui separada,
quero na morte reviver contigo,
toda a ventura que nos foi negada.
Fênix
Aládia Pereira de Almeida
Renascer é preciso, muito embora esmagada,
com a alma sofrida, abatida e sem rumo;
colocar novamente a esperança no prumo,
emergir dos destroços sem gemer, lacerada.
Refazer minha vida ( nem que seja em resumo ),
registrar uma história em que eu seja lembrada,
muito embora sujeita uma carta marcada
que me trouxe a tragédia pela qual me consumo.
Vou erguer a cabeça, dar a volta na sorte,
já que existe outra vida no horizonte da morte,
qualquer dia, quem sabe ? Vou poder te encontrar.
Renascendo das cinzas a que fui reduzida,
vou viver a utopia, numa ânsia incontida,
e qual fênix, alada, a teus braços voar.
Aquelas Mãos
Aládia Pereira de Almeida
Eram tão magras, feias e manchadas,
aquelas mãos que tanto bem faziam;
cheias de rugas e tão maltratadas
por afazeres que as consumiam.
As unhas quebradiças, sem pintura,
mas sempre limpas e muito curtinhas,
bem raramente viam manicura
ou cremes que as tornassem mais lisinhas.
Eram mãos que se davam com carinho,
distribuindo o amor em seu caminho,
tanto aos estranhos quanto aos entes seus.
As mãos de minha mãe, quanta saudade !
Obras de arte, extrema raridade,
que estão no acervo do museu de Deus.
Última Homenagem
Aládia Pereira de Almeida
É este o último verso que te faço;
também a última vez que penso em ti,
e estas linhas incertas que ora traço,
não falarão do mundo que sofri.
Segue também aqui o terno abraço,
que de teus braços nunca recebi;
fica comigo apenas o cansaço,
mais a ausência de tudo que perdi.
Não fui culpada, nem foste tampouco,
pois este sonho meu, ingênuo e louco,
tinha, por certo, que chegar ao fim
Resta um consolo ao coração magoado,
que ficou no meu peito, destroçado –
saber que um dia tu pensaste em mim !
Recomeço
Aládia Pereira de Almeida
Não tenho tempo para sentir saudade,
há muita coisa que fazer ainda,
uma ansiedade de viver infinda,
um só prazer de plena mocidade.
Toda emoção é válida e bem vinda !
Sinto o prenúncio da felicidade,
e o coração transborda de vaidade –
há tanta coisa que fazer ainda...
Se já vivi ? Dezenas de verões !
Já tropecei em dúvidas, senões,
já amarguei a solidão da idade.
Sinto um vigor, agora, incontrolado,
começo hoje – não sou mais passado,
não tenho tempo de sentir saudade !
Meu Coração é um Soneto
Aládia Pereira de Almeida
Quantos sonetos fiz ? tantos... nem sei.
Tenho levado a vida em poesia –
nos momentos de dor, sempre rimei,
rimei também nas horas de alegria.
Fiz versos às pessoas que eu amei,
fiz sonetos de angústia e nostalgia;
a Natureza e Deus eu exaltei,
e a Paz e o Amor cantei em poesia.
Fiz sonetos em tarde embaciada,
fiz sonetos em noite enluarada
e madrugada de intenso verão.
O bom Deus, por descuido, ao me criar,
colocou no meu peito a palpitar,
uma lira em lugar de coração.
Vou Chorar Amanhã
Aládia Pereira de Almeida
Vou chorar amanhã. Hoje estou decidida
a viver o momento, seja ele qual for;
vou deixar pra depois toda a mágoa escondida
vou chorar amanhã, sem vergonha ou temor.
Hoje eu quero viver esta hora proibida,
neste dia especial de convite ao amor,
sem sentir-me culpada, receosa, oprimida,
entregar-me à aventura sem censura ou pudor.
É o momento que conta, é o presente que importa,
pois não sei se amanhã estarei viva ou morta,
e talvez me arrependa se esta hora eu perder.
Que consolo terá a minha alma vazia,
rejeitando este espaço de encantada magia ?
Vou chorar amanhã, hoje eu quero viver !
Quero Morrer Assim...
Aládia Pereira de Almeida
Quero morrer assim, numa tarde de sol,
com cigarras cantando e este céu azulado,
no meu leito, tranqüila, sobre um alvo lençol,
consciente e sem dor, sem remorso ou pecado.
Minha vida foi lume sem chegar a farol.
Como um quadro sem tela, como um filme cortado,
como um campo vazio, sem rolar futebol,
me despeço sem mágoa do pobre passado.
Quero morrer assim, sem rancor, sem temores,
quero muita oração, quero velas e flores,
e que amigos poetas não me deixem ao léu.
Sobre a campa cinzenta uma cruz e uma trova,
na certeza que a vida se refaz, se renova,
estará minha alma versejando no céu.
Sabor de Vida
Aládia Pereira de Almeida
Eu amo a vida pelo que é a vida,
pela razão mais simples de viver,
sem me importar se árida é a lida,
se há mais dias de dor que de prazer.
Eu amo a vida mesmo na incerteza,
do dia em que ela me abandonará;
sem pesar de deixar tanta beleza,
sem pensar, lá no Além, como será.
A vida é boa, é só saber vivê-la,
não desejar brilhar qual uma estrela,
nem também, como um verme se arrastar.
Saber chorar, se a dor nos atormenta,
sorrir, quando a alegria se apresenta,
compreender, esquecer e perdoar.
Estranho Funeral
Aládia Pereira de Almeida
Fui sepultar as minhas ilusões
e volto agora, triste, mas feliz;
levei todos os sonhos e emoções,
tudo de bom que com carinho eu fiz.
O tempo solidário e sempre amigo,
que estava firme e claro de manhã,
anuviou-se e enfim chorou comigo,
mandando a chuva de minh’ alma irmã.
Coloquei uma cruz bem tosca e escura,
onde enterrei meus sonhos de ventura,
minha esperança, minha mocidade.
Ninguém veio assistir ao funeral
e eu presidi sozinha o ritual,
tendo a meu lado apenas a Saudade.
“Confiteor“
Aládia Pereira de Almeida
As palavras de amor que não lhe disse,
os gestos de ternura que não fiz
por pudor, por receio, por tolice,
poderiam tê-lo feito tão feliz !
Passei a vida em tola e vã mesmice,
lustrando as aparências de verniz,
e foi-me a juventude; hoje, a velhice
registra o quanto bem você me quis.
Agora é tarde, já não há mais jeito,
se esta paixão dilacerou-me o peito,
confessá-la, a esta altura, que adianta ?
Leia os meus versos, são declarações,
mais que palavras, são as confissões
que deixei sufocadas na garganta.
Coração Amigo
Aládia Pereira de Almeida
Tu vês, meu coração? Estou sozinha
no emaranhado de visões tão tortas,
em meio à bruma espessa e folhas mortas,
nesta tarde outonal, como andorinha.
Fecharam-se para nós todas as portas,
e a saudade que chega e se aninha,
amargura meu peito e me definha.
Nem tu, que és meu amigo, me confortas.
Estou triste, estou só, estou perdida
num torvelinho de paixão dorida –
que ânsia de gritar e de correr !...
Seria solução, meu caro amigo,
se fizesses um pacto comigo,
deixando, simplesmente, de bater !
Homenagem:
Lenço Solitário
João Roberto Gullino
Homenagem à Aládia Pereira de Almeida
“Quem morre não morreu, partiu primeiro somente.” – Camões
Quando surge a distância em nossa vida
separada por caminhos diferentes,
mesmo que sejam rumos conseqüentes,
fica a dor que será sempre sentida.
Quando a separação é despedida,
transforma-nos em seres impotentes
diante de pesares mais latentes,
que nos traz toda ausência da partida.
Quando escorre uma lágrima na face,
no calado lamento necessário,
é como para si mesmo falasse.
Quando se agita lenço solitário,
a imagem, para que não se enfumace,
prende-se ao coração qual relicário.
Coração Amigo, que lindo poema!!!
ResponderExcluirRubens dos Santos
Lindo, lindo!!!
ResponderExcluirBelo poema, sr. Gullino!
orgulhosa de saber agora que a saudosa D. Aládia, autora dos poemas, era prima de minha mãe.
ResponderExcluirQuem sabe é quem viveu. Lindo portifólio.
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