DÚNIA DE FREITAS (Brasil)






Canção do Desencontro
Dúnia de Freitas

Fui guardar meus versos
em tua vida.
Na encruzilhada,
desviei-me de ti.
A vida me fez vestir
minha palavra de silêncio.
E te perdi.


Canção do Meu Olhar
Dúnia de Freitas

Se meu olhar
te disser além, muito além
do que queres saber,
desvia.

Se meu olhar
me trair
e deixar transparecer
toda a ternura
que tenho por ti,
disfarça.

Se meu olhar
tentar assim
te conquistar e seduzir
e o brilho ardente
te incomodar,
dissimula.

Se meu olhar,
em teu olhar, encontrar
a mesma sintonia,
por favor,
sorria.


Cores: Inquilinas do Mundo
Dúnia de Freitas

A cada nova aurora,
réstias de luz
brincam em nossas vidraças,
e aguardam a febre do meio - dia.

Na dispersão da luz
as cores se avolumam:
terra, laranja, amarelo e ferrugem.

Vestida de espectro solar, a natureza
realça sua viveza até afogar-se num pélago
de tintas outonais.

Entre contrastes, a lúcida pupila
acomodou sua alma
na visão edênica,
criando para si
um mundo ainda inconcluso,
advento da tônica final.

O que esta visão revela?
Um silêncio?
Uma ventania?
Uma canção?
Colhe-se Canções quando em Pranto
jogamos as sementes?


Hora Matinal
nia de Freitas

A lagarta enrolou-se
formando um anel verde
com seus pés rombudos.
Paredes rachadas em gretas de ouro
refletem coreográfica dança solar.
Há sombra de flores azuis
em forma de dedos sob a janela.
O sono, enovelado feito nevoeiro,
ultrapassa o telhado
abrindo as comportas do dia.
Pássaros voam, em jatos de sementes:
germina a musicalidade da manhã.
No muro, coberto de heras,
flores bóiam como peixes de luz
nas águas escuras e verdes.
Navegantes do dia, num vai-e-vem,
carregam no olhar parcos silêncios.


Um Quintal de Memórias
Dúnia de Freitas

Entre o bocejo e o sonho
penetro em meu quintal.

As árvores, testemunhas de minha infância,
sempre de pé, sem mudar de posição,
estão lá... vestidas de silêncio.

O flamboyant. O ipê. A sibipiruna.
O marmeleiro e suas varas flexíveis
cheio de ais arrancados pelo vento.

A jabuticabeira enfeitada de festa
com colares de ônix volteados no tronco.

A pitangueira mostra a visão
de um candelabro de jóias vermelhas
ardendo em pleno dia.

Rosas circundam os beirais dos canteiros.
Entre tudo, jardins circulares
guardam amores - perfeitos. 

Este era o lugar sagrado, o recanto do monólogo:
eu comigo, solidão acompanhada.

Chão lavado de chuva
recende no ar o cheiro da terra molhada .

O silêncio me interroga.

Espio as árvores vivas,
as raízes enlaçadas, os ramos entretecidos.

Minha memória aspira largamente o ar...
carregado de cheiro de infância.


Bebendo em Chávenas dos Ventos
Dúnia de Freitas

O fogo do ar
apagava-se lentamente...

O castelo do corpo
sabia da tua chegada. 

Penhascos de palavras vicejam
feito codicilo,
em chávenas dos ventos.

Manancial poético
bebido a dois.

A verve do bardo Borges
balança nossa poesia :
"toda a casa é um candelabro
onde as vidas dos homens ardem
como velas isoladas".

E neste prado das gaivotas
navegamos
com a bússola da palavra. 

Com as luas da fronte
entrevimos
o cavalo da neblina. 

E bebemos a lua.


Verbo Ad Verbum
Dúnia de Freitas

Palavra é água
que mata a sede,
brota da sombra.

Persigo a palavra
no vão da sombra
que me foge.

Colho a palavra
em estado de crise.

Ergo-a no escuro.

Ferida de luz
a poesia sangra.


Despedida sem Abraço
Dúnia de Freitas

Muito antes do amanhecer
ele desperta.
A mesa está posta com cântaros
onde bebem deuses.
Corpos plenos de saciedades enrugam.
Antes de ir-se, atiça um sonho,
um sonho ressonante de passos:
escutas medir as distâncias
e jogas pra lá tua alma.


Destreza
Dúnia de Freitas

Gosto de ti sem tamanho,
gosto de ti sem medida.
Gosto de ti.
Gosto e pronto!

Lembro teu cheiro,
lembro teu gosto.
Lembro de ti.
Lembro e pranto!


Canção para o Mar que vem Me Fazer Rio
Dúnia de Freitas

Será mar, será rio,
esta inundação de amor?
Descubro porque rio...
é pelo amar.

Este mar ateia fogo no meu coração...
Dentro deste mar convulsiono meus sentidos
que gritam por navegá-lo.

Rio em silêncio.
Respiro brisa de mar de rosas
e o ar marinho se instala em meu corpo.

Reverbera em mim...
tua luminosidade.

Sazonada que estou
amaduro com teu cheiro
e me solto em tuas mãos.
Este mar... traz os olhos cobertos de orvalho
para regar meus lábios.
O pensamento se faz barco... 

e nas noites viajo em busca deste mar
que me faz maré cheia em sua praia...

Vem desaguar teu mar
em minhas terras quentes e generosas.


Tarde em Arlington
Dúnia de Freitas

Serpentinas cantam
no sopro do vento.

O farfalhar da vida em mim
grita teu nome.

Cascata de cores devora sombras.
Pedras acumulam limos.

Parasitas renascem na avidez
das seivas emprestadas.

Achas de lenha empilhadas
esperam ser lambidas pelo fogo.

Esquilos acrobatas perambulam
em troncos assimétricos.

Um poste de pedra
com luz solitária faz sentinela.

Tudo está em seu lugar,
apenas eu, a estrangeira.


Declaração de Amor diante da Vida
Dúnia de Freitas

Declaro publicamente meu amor
neste dia 12 de junho
à vida.

Namorar a vida
é acordar
com festejos no coração.

É ver o verde contrastando o azul,
no amarelo o púrpura.
Na mistura de tons
encontrar o tom perfeito.

Nesta harmonia,
descobrir o sentido exato da vida.

Namorar a vida
é sentir as pessoas
que nos cercam,
nossos amigos
e através da convivência
descobrirmos a delícia de sermos amantes dela.

Namorar a vida
é resolver o não resolvido,
é dar solução
ao que não tem solução.

Viver é namorar a vida.

MERCÍLIA RODRIGUES (Brasil)




























À Espreita
Mercília Rodrigues

Coloquei um ponto! Fim de linha.
Cansei-me da hipocrisia disfarçada,
Das bajulações que em ti continhas
Ao usar atitudes dissimuladas!

Muito aflorada na evidência nua!
Certeza de abrir-me a alma reta, 
Perdeu-se na sagacidade tua.
Traçou pra ti quimeras em tuas metas.

Quais os tolos chorei porque te via
Enganar-me em maldade pronta, crua.
A espreitar-me em armadilha certa!

Cansei! Lavei-me de ilusão tardia.
Com lucidez vi derrocada tua,
Ponto final da pura hipocrisia! 


Desvendar-me
Mercília Rodrigues

Sou o mistério que segue em teus delírios
Uma paixão acobertada em lua cheia ...
Quando em teu altar se acendem os círios,
Venho sondar-te a voragem que anseias!
 
Sou o incansável desejo encoberto,
Para tua enlouquecida noite escura!
Chego-me em teu silêncio e desperto
Teu desejo  permanente em tortura.
 
Na lucidez descobres, finalmente,
Que sou o teu pecado na tua loucura
Em noite silenciosa, de repente!

Abrem-se todas comportas em juras!                                                              
A noite, em cumplicidade silente,
Desvenda-me e sai apagando os círios ...


Chega!
Mercília Rodrigues

Chega de saudade, dize-me, ó tempo ,
que não há, em qualquer hora, contraponto,
ou um descarilho, nesse enfrentamento !
Sou nó cego que não chego a ser ponto .

 Saudade ? Basta ! Venha o esquecimento .
Gastei as reservas , estou no meu limite !
À liberdade faço meu convite ,
Coloquei escudo para o contratempo!

Do relógio mudei todos ponteiros,
A porta de entrada, hoje é só de saída ...
Pego  a vida, em passos sorrateiros,
Jogando ao vento beijos de partida !


... E Eu te Amei
Mercília Rodrigues

Nessa divinal luz de uma vivência,
Num despertar mágico da existência
Fez-se vida numa expressão do amor...
E o céu aberto cobriu-se em esplendor!

Enquanto a razão adormecida hibernou,
a aurora do amor imerso que imanta,
nos corações em que a luz se instalou,
ungiu-se na fé e força da alavanca!

Por labirintos da vida... segui.
Muita luz iluminando o caminho,
vencendo os desafios, eu antevi:
 esperava-me à beira do destino!

Trazia as mãos raladas pelos espinhos.
O coração palpitante, tão inquieto !
Amei-te entre urzes e desalinhos...

Mas a luz que me seguia bem de perto,
um atalho, no emaranhado, eu achei
para entregar-te o amor que resguardei!


Vazio
Mercília Rodrigues

Os luares já não são os mesmos .
Estrelas?Tocá-las só em pensamento...
Tolas canções se derramam a esmo .
Indefinível vazio de um  momento !
É noite ! Por que tão pugente a dor ?
Minha alma, recolhida em lamentos ,
desdenhando o aroma da flor,
arranhada por cruéis sofrimentos !
O vazio, superando as urgências,
transforma o torpor tão intenso
e recolhida nas minhas carências,
não vejo, ouço, toco ou penso !


À Espera
Mercília Rodrigues

Apressa-te pois, meu amor, a vida urge !
Comprometida com tempo de espera,
A esperança que me enlaça e ressurge,
Realidade despida de quimeras.

Vem para meus braços ! Estão vazios,
Prontos para acolher-te, meu senhor !
A distância prolongada em fastio,
Neste momento, perdeu o seu valor.

Hiberna o longo, sonho renitente,
Aflorando-se, n'alma, o dissabor
O valer do passado, no presente.

Há auroras  que somam em multicor.
Há arco-íris em noites entumescentes,
engalanadas à espera do amor !


Achaste-me
Mercília Rodrigues

Na boca de uma noite enluarada,
Silenciosa rua de alegria destruída,
Chegaste como se não quisesse nada
E sentiu-me uma boneca a ser possuída !
Tomou-me a boca trêmula de dor,
Buscando também em desatino
Apossar-se de meu corpo sem pudor,
Então, em lágrimas, falamos de destino ...
O suor que vertia em nossos corpos,
Confundia- se em falares tortos
E choramos por nós em desatino .
Não tinha nome, nem endereço certo,
Era desilusão que campeava, num deserto
Eu naquela esquina em noite crua ,
Entreguei-lhe tudo, até minh'alma nua.


Alguém
Mercília Rodrigues

Haverá sim, haverá alguém
que no encanto de ser, será!
No abraço a saudade que se tem,
por certo, a diferença marcará!

As horas não serão sentidas,
pois alguém estará nesta vida
a querer-me em ternura tanta
que de amor a minh'alma imanta!

Em cumplicidade nas carências
e compartilhadas urgências,
ainda sobrará ventura
e nos beijos haverá ternura...

Haverá sim, haverá alguém
a dividir, somando todo bem...
No corpo ardendo o calor
e na alma a chama do amor!


De Repente...
Mercília Rodrigues

De repente, meu amor, vestiu-se a aurora ...
De repente o sol, então, brinda o dia !
Era apenas um fiozinho que ia embora
da noite que se fez pura alegria ...

De repente, meu amor, nos encontramos,
na noite toda nossa de emoção,
pelas vias de entrelaces nos amamos...
Festejou, com amor, o coração !

De repente, meu amor, em nosso dia,
que em noite, se vestiu de mil promessas,
levando, com saudade, a fantasia
retida em nosso amor sem, qualquer pressa !

Com promessa que nosso olhar vigia,
ficamos pela vida enamorados
e assim, amalgamados de alegria,
juramos ser eternos namorados !
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