* CLARICE LISPECTOR




Atenção, prezado leitor:
Embora Clarice Lispector tenha publicado inúmeras obras, o Expressão Mulher elegeu alguns trechos dos livros “Um Sopro de Vida“ e  “Água Viva”, sintetizando-os e assim retratando esta autora singular que escreveu sempre de alma despida, aquilo que o leitor identifica com seus próprios sentimentos.
Os números destacados por parênteses ao final de cada trecho indicam as páginas dos respectivos livros de onde foram extraídos os trechos.


Trexos do Livro: “Um Sopro de Vida” – CLARICE LISPECTOR
Eu vivo em carne viva, por isso procuro tanto dar pele grossa a meus personagens. Só que não agüento e faço-os chorar à toa. (página 16)
Eu tenho que ser legível quase no escuro. (página 25)
Eu não sou sonhadora. Só devaneio para alcançar a realidade. (página 56)
Eu sei criar silêncio. É assim: ligo o rádio bem alto —então de súbito desligo. E assim capto o silêncio. Silêncio estrelar. O silêncio da lua muda. Pára tudo: criei o silêncio. No silêncio é que mais se ouvem ruídos. Entre as marteladas eu ouvia o silêncio. (página 59)
O tempo não é mensurável. (página 147)
Eu uso o sistema bancário e não entendo. Uso o telefone e não compreendo o seu mecanismo. Ligo o botão da televisão e tudo o que sei de televisão é o botão. Eu uso o homem e não o conheço. Eu me uso e...  (página 93)
Eu ponhei cada coisa em seu lugar. É isso mesmo: ponhei. Porque “pus” parece ferida feia em mendigo e a gente se sente tão culpada por causa da ferida com pus do mendigo e o mendigo somos nós, os degredados. (página 106)
Eu pensava que um polídrico de sete pontas se dividisse em sete partes iguais dentro de um círculo. Mas não caibo. Sou de fora. É culpa minha se não tenho acesso a mim mesmo? (Página 43)
E a morte já não pode mais comigo porque EU NÃO TENHO MAIS MEDO! (página 152)       
Quando eu morrer não saberei o que fazer de mim. Deve haver um modo de não se morrer em vida: só morrer depois da morte. (Página 175)
Na hora da minha morte — que é que eu faço? Me ensinem como é que se morre. Eu não sei. (página 177)


Trexos do Livro: “Água Viva”  - CLARICE LISPECTOR
Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra - a entrelinha - morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não-palavra, ao morder a isca, incorporou-a o que salva então é escrever distraidamente.
Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada. (página 10)
O mundo: um emaranhado de fios teleféricos em eriçamento. E a luminosidade no entanto obscura: esta sou eu diante do mundo. (página 11)
Escuta: eu te deixo ser, deixa-me ser então. (página 13)
E ninguém é eu. ninguém é você. Esta é a solidão. (página 17)
Sou uma árvore que arde com duro prazer. Só uma doçura me possui: a conivência com o mundo. Eu amo a minha cruz, a que doloridamente carrego. É o mínimo que posso fazer da minha vida: aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite. (página 24)
Quero ser enterrada com o relógio no pulso para que na terra algo possa pulsar o tempo. (página 26)
Não ter nascido bicho é uma minha secreta nostalgia. Eles às vezes clamam do longe muitas gerações e eu não posso responder senão ficando inquieta. É o chamado. (página 28)
Precisando mais do que a força humana. Sou forte mas também destrutiva. O Deus tem que vir a mim já que não tenho ido a Ele. Que o Deus venha: por favor. Mesmo que eu não mereça. Venha. Ou talvez os que menos merecem mais precisem. Sou inquieta e áspera e desesperançada. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor. Às vezes me arranha como se fossem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e no entanto continuo inquieta é porque preciso que o Deus venha. Venha antes que seja tarde demais. Corro perigo como toda pessoa que vive. E a única coisa que me espera é exatamente o inesperado. Mas sei que terei paz antes da morte e que experimentarei um dia o delicado da vida. Perceberei - assim como se come e se vive o gosto da comida. Minha voz cai no abismo de teu silêncio. Tu me lês em silêncio. Mas nesse ilimitado campo mudo desdobro as asas, livre para viver. então aceito o pior e entro no âmago da morte e para isto estou viva. O âmago sensível. E vibra-me esse it. (página 30)
Estou cansada. Meu cansaço vem muito porque sou uma pessoa extremamente ocupada: tomo conta do mundo. Todos os dias olho pelo terraço para o pedaço de praia com mar e vejo as espessas espumas mais brancas e que durante a noite as águas avançaram inquietas. Vejo isto pela marca que as ondas deixam na areia. Olho as amendoeiras da rua onde moro. Antes de dormir tomo conta do mundo e vejo se o céu da noite está estrelado e azul-marinho porque em certas noites em vez de negro o céu parece azul-marinho intenso, cor que já pintei em vitral. Gosto de intensidades. Tomo conta do menino que tem nove anos de idade e que está vestido de trapos e magérrimo. Terá tuberculose, se é que já não a tem. No Jardim Botânico, então, fico exaurida. Tenho que tomar conta com o olhar de milhares de plantas e árvores e sobretudo da vitória-régia. Ela está lá. E eu a olho.
Repare que não menciono minhas impressões emotivas: lucidamente falo de algumas das milhares de coisas e pessoas dais quais tomo conta. Também não se trata de emprego pois dinheiro não ganho por isto. Fico apenas sabendo como é o mundo.
Se tomar conta do mundo dá muito trabalho? Sim. Por exemplo: obriga-me a me lembrar do rosto inexpressivo e por isso assustador da mulher que vi na rua. Com os olhos tomo conta da miséria dos que vivem encosta acima. (Página 33)
Ah viver é tão desconfortável. Tudo aperta: o corpo exige, o espírito não pára, viver parece ter sono e não poder dormir - viver é incômodo. Não se pode andar nu nem de corpo nem de espírito. (página 49)

"Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros."

"Eu sou à esquerda de quem entra. E estremece em mim o mundo. (...) Sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro.Sou um coração batendo no mundo."
"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..."
Clarice Lispector

3 comentários:

  1. "Eu não sou sonhadora. Só devaneio para alcançar a realidade." - ESSA É A CLARICE QUE EU AMO!
    Salve o Expressão mulher que nos trouxe uma rica variedade. estou muito feliz com o blog.
    Abraços
    Anna Lucia Feller

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  2. Clarice passeia nos nossos desejos de ser tão transparentemente misteriosa como ela. Salve Clarice, eterna Clarice!
    Èmily Bourdon

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  3. Nunca tinha encontrado algo que me toca-se a alma tão fundo... me sinto como se seus livros fossem mágicos!! perfeitamente agradecida pelas obras de Clarice!

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