Apaixonadamente
Virgínia Victorino
Fui compondo estes versos, absorvida
no ritmo da minh´alma, sempre ansiosa,
para neles ficar, triste ou gloriosa,
uma existência inteira resumida.
Assim os fiz, pela paixão vencida,
— e, porque fui vencida, vitoriosa... —
nesta febre constante de ambiciosa,
mágoa e prazer de toda a minha vida!
Cada verso é uma pedra mais que eu ponho
Na catedral imensa do meu sonho,
... ria embora do Sonho toda a gente!
A vida humana, seja ou não tranquila,
profunda ou não, — só poderá senti-la
quem a sentir apaixonadamente.
Outrora
Virgínia Victorino
E tudo está na mesma, tudo igual.
Tudo fala de ti a cada passo.
— Caminhos que eu andei pelo teu braço,
andorinhas a rir sobre o beiral...
O que eu gostei de ti? Era um cristal
a minh´alma. Depois um embaraço.
Amargura mudada num cansaço,
e o nosso amor findou, triste e banal.
Faz-me saudades tudo o que dissemos.
É sempre bom aquilo em que nós cremos.
Eu cri numa mentira. Sou mulher...
Ai o que nós dissemos! Que ansiedades!
Mas sobretudo, amor, tantas saudades
do que nunca chegamos a dizer!
Renúncia
Virgínia Victorino
Fui nova, mas fui triste... Só eu sei
Como passou por mim a mocidade...
Cantar era o dever da minha idade,
Devia ter cantado e não cantei...
Fui bela... Fui amada e desprezei...
Não quis beber o filtro da ansiedade.
Amar era o destino, a claridade...
Devia ter amado e não amei...
Ai de mim!... Nem saudades, nem desejos...
Nem cinzas mortas... Nem calor de beijos...
Eu nada soube, eu nada quis prender...
E o que me resta?! Uma amargura infinda...
Ver que é, para morrer, tão cedo ainda...
E que é tão tarde já, para viver!...
Fui nova, mas fui triste... Só eu sei
Como passou por mim a mocidade...
Cantar era o dever da minha idade,
Devia ter cantado e não cantei...
Fui bela... Fui amada e desprezei...
Não quis beber o filtro da ansiedade.
Amar era o destino, a claridade...
Devia ter amado e não amei...
Ai de mim!... Nem saudades, nem desejos...
Nem cinzas mortas... Nem calor de beijos...
Eu nada soube, eu nada quis prender...
E o que me resta?! Uma amargura infinda...
Ver que é, para morrer, tão cedo ainda...
E que é tão tarde já, para viver!...
Contradições
Virgínia Victorino
Não há culpa no mundo sem razão
e entretanto, bem visto, é tudo errado.
Quanto inocente a gente vê culpado,
e quantos criminosos têm perdão!
Tudo na vida é uma contradição.
Quantas vezes perpassa ao nosso lado
um riso todo em lágrimas gerado,
um riso que é um mundo de aflição?
Nada vale o que vale. Tudo mente.
Quem mais sofre é talvez quem menos sente.
Nem é verdade aquilo que já vimos.
A vida é de tal forma enganadora!
Talvez a gente ria quando chora...
Choraremos talvez crendo que rimos!
Confissão
Virgínia Victorino
Quando às vezes me queixo, não é nada
pelas loucuras que tens feito. Não!
A gente não domina o coração,
antes por ele é sempre dominada...
Sei que ainda em teus olhos, disfarçada,
vibra a chama da última paixão!
Que falas da saudade e da ilusão
numa voz triste, lenta, perturbada!
Tu procuraste sempre em toda a parte
emoções raras, e eu não posso dar-te
mais do que um calmo, um grande amor sem fim!...
Viveste horas febris, horas serenas...
Não as lamento, não. Lamento apenas
as que tu não guardaste para mim!
Não
Viirgínia Victorino
Não venhas ver-me, não. De que servia?
Nem eu tenho coragem para tanto.
Gostava muito, é certo, mas o encanto
da tua grande ausência acabaria.
É tornar a perder-te. Um certo dia,
tu partes novamente, e todo o pranto,
ou pouco ou muito, - não importa quanto -
nunca o compensa uma hora de alegria.
Mas se eu não posso ter outro desejo!
Se eu, não te vendo a ti, nada mais vejo!
Como é que sendo assim, não te hei de ver?
Responde-te a minh´alma comovida:
Vale mais ter um mal por toda a vida
do que alcançar um bem para o perder.
Nem eu tenho coragem para tanto.
Gostava muito, é certo, mas o encanto
da tua grande ausência acabaria.
É tornar a perder-te. Um certo dia,
tu partes novamente, e todo o pranto,
ou pouco ou muito, - não importa quanto -
nunca o compensa uma hora de alegria.
Mas se eu não posso ter outro desejo!
Se eu, não te vendo a ti, nada mais vejo!
Como é que sendo assim, não te hei de ver?
Responde-te a minh´alma comovida:
Vale mais ter um mal por toda a vida
do que alcançar um bem para o perder.
Despeito
Virgínia Victorino
Digo o que noutro tempo não diria:
Foi tudo um grande sonho enganador.
Nego o passado, e juro que esse amor
só existiu na tua fantasia.
Sinto a volúpia da mentira. A dor
não transparece. Nego. Que alegria!
Fiz crer ao mundo inteiro, por magia,
que és de todos os homens o pior...
Nunca me entonteceu esse sorriso
e, vê lá tu! se tanto for preciso,
nego também as cartas que escrevi.
Quero humilhar-te, enfim! Mas não compreendo
porque me exalto e choro e te defendo,
Digo o que noutro tempo não diria:
Foi tudo um grande sonho enganador.
Nego o passado, e juro que esse amor
só existiu na tua fantasia.
Sinto a volúpia da mentira. A dor
não transparece. Nego. Que alegria!
Fiz crer ao mundo inteiro, por magia,
que és de todos os homens o pior...
Nunca me entonteceu esse sorriso
e, vê lá tu! se tanto for preciso,
nego também as cartas que escrevi.
Quero humilhar-te, enfim! Mas não compreendo
porque me exalto e choro e te defendo,
se alguém, a não ser eu, diz mal de ti.
Orgulho
Virgínia Victorino
És orgulhoso e altivo.Também eu.
Nem sei bem qual de nós o será mais.
As nossas duas forças são rivais.
Se é grande o teu poder, maior é o meu.
És orgulhoso e altivo.Também eu.
Nem sei bem qual de nós o será mais.
As nossas duas forças são rivais.
Se é grande o teu poder, maior é o meu.
Tão alto anda este orgulho! Toca o céu.
Nem eu quebro, nem tu. Somos iguais.
Cremo-nos inimigos. Como tais,
nenhum de nós ainda se rendeu.
Ontem, quando nos vimos, frente a frente,
fingiste bem esse ar indiferente,
e eu, desdenhosa, ri sem descorar...
Mas que lágrimas devo àquele riso!
E quanto, quanto esforço foi preciso
para, na tua frente, não chorar!
Diferentes
Virgínia Victorino
"Fala comigo, amor. Conta-me tudo:"
Assim dizia a tua linda carta.
As saudades que sofre quem se aparta!
E como eu sou feliz, porque me iludo!
Custou-me que partisses. E, contudo,
murmurei ao sabê-lo: "Pois que parta.
Se o cansei, também eu me sinto farta.
E, se mudar, então também eu mudo."
Foste... Escreves... São raras as verdades...
E contas-me sem sombra de saudades:
"Passeio... mato o tempo, assim... assim..."
Comigo quase o mesmo se está dando:
mas, em.vez de ser eu que o vou matando,
o tempo é que me vai matando a mim...
"Fala comigo, amor. Conta-me tudo:"
Assim dizia a tua linda carta.
As saudades que sofre quem se aparta!
E como eu sou feliz, porque me iludo!
Custou-me que partisses. E, contudo,
murmurei ao sabê-lo: "Pois que parta.
Se o cansei, também eu me sinto farta.
E, se mudar, então também eu mudo."
Foste... Escreves... São raras as verdades...
E contas-me sem sombra de saudades:
"Passeio... mato o tempo, assim... assim..."
Comigo quase o mesmo se está dando:
mas, em.vez de ser eu que o vou matando,
o tempo é que me vai matando a mim...
Amor
Virgínia Victorino
O amor! o amor! Ninguém o definiu.
É sempre o mesmo. Acaba onde começa.
Quem mais o sente menos o confessa.
E quem melhor o diz nunca o sentiu.
Conhece a todos, mas ninguém o viu.
Se o procuramos, foge-nos depressa.
Se o desprezamos, todo se interessa.
Só está presente quando já fugiu.
É homem feito sendo uma criança.
E quanto mais se quer, menos se alcança.
Ninguém o encontra e em toda parte mora.
Mata a quem dele vive. É sempre assim.
Só principia quando chega o fim.
Morreu há muito e nasce em cada hora.
O amor! o amor! Ninguém o definiu.
É sempre o mesmo. Acaba onde começa.
Quem mais o sente menos o confessa.
E quem melhor o diz nunca o sentiu.
Conhece a todos, mas ninguém o viu.
Se o procuramos, foge-nos depressa.
Se o desprezamos, todo se interessa.
Só está presente quando já fugiu.
É homem feito sendo uma criança.
E quanto mais se quer, menos se alcança.
Ninguém o encontra e em toda parte mora.
Mata a quem dele vive. É sempre assim.
Só principia quando chega o fim.
Morreu há muito e nasce em cada hora.
Certeza
Virgínia Victorino
O desejo maior de toda a gente
é ter um maior bem, de maior dura;
e longe a procurá-lo se amargura,
tendo-o às vezes tão perto e tão presente!
Deve ter sempre o coração consciente
quem se aventure a procurar ventura.
Deve sempre saber o que procura
para que não procure inutilmente.
O sonho que em mim arde e em mim se expande,
há-de chegar ao fim, há-de ser grande!
O meu instinto é que o pressente e diz...
Sei onde vou e a parte que me cabe!
E há tanta, tanta gente que nem sabe
o que lhe falta para ser feliz!
O desejo maior de toda a gente
é ter um maior bem, de maior dura;
e longe a procurá-lo se amargura,
tendo-o às vezes tão perto e tão presente!
Deve ter sempre o coração consciente
quem se aventure a procurar ventura.
Deve sempre saber o que procura
para que não procure inutilmente.
O sonho que em mim arde e em mim se expande,
há-de chegar ao fim, há-de ser grande!
O meu instinto é que o pressente e diz...
Sei onde vou e a parte que me cabe!
E há tanta, tanta gente que nem sabe
o que lhe falta para ser feliz!
Incerteza
Virgínia Victorino
Mentes-me muito, sim. Já mo tens dito
e eu tinha-o já também adivinhado.
Mas que me importa a mim esse pecado,
se te desculpo até, se te acredito?
Qual será de nós dois o mais culpado?
Tu, que mesmo a mentir és tão bonito,
mudando em graça o teu maior delito,
ou eu, porque te tenho acreditado?
Tu vais dizendo aquilo que não sentes;
eu, ando presa a ti, nesta ansiedade
de saber o motivo por que mentes.
Enganamo-nos ambos, sem pensar:
tu a mentir, dizendo-me a verdade,
eu, crendo em ti, mas sempre a duvidar.
Sempre
Virgínia Victorino
Sou a mesma, bem sabes. Não mudei.
Tu és ainda toda a minha crença.
O teu amor em nada me compensa;
mas eu sou escrava e o meu amor é rei.
Sinto bem essa dura indiferença,
com que me vês, mas não me queixarei.
O amor, para ser grande não tem lei,
e às vezes em si mesmo se condensa.
Quem sabe lá porque eu assim te quis?
Também na dor se pode ser feliz.
O teu desdém já não me mortifica...
Sou para ti o que têm sido tantas.
O meu amor é como certas plantas:
Pisam-lhe a flor, mas a raiz lá fica.
Velhice
Virgínia Victorino
Achas-me velha ? Seja. Há quase um ano
inda me achavas nova. Estou mudada?
Sucede a noite ao dia, à madrugada...
Quanta certeza nasce dum engano?
Concorda, meu amor. És desumano.
Tenho sofrido tanto! Estou cansada.
Cada ruga é uma lágrima chorada;
cada cabelo branco um desengano.
Envelhecer por ti é o meu dever.
Tu nunca me soubeste compreender
e nada o meu amor já te merece!
Que outros me achassem velha, era ventura!
Mas fosses tu a doce criatura,
a única, que nunca mo dissesse!
Meia-noite
Virgínia Victorino
“... e se não for falar-te até à meia-noite,
Não esperes. É porque não vou”.
(De uma carta)
Começaram as horas a cair;
uma, duas... Virá? Vem, com certeza.
E eu, comovida, assim como quem reza,
cá vou contando as horas a sorrir.
E três, e quatro... cinco... E ele sem vir!
Se não vem, será prova de frieza?
Seis... sete... — Não será! — Mas aqui presa,
sem saber nada, sem poder sair!...
Oito... nove... Mentiu. Onde estará?
Sinto passos. É ele que vem lá?
Enganei-me... Não sei... Não é ninguém.
Dez... onze... Mas meu Deus, tanta demora!
A minh´alma sucumbe, treme, chora...
Meia-noite... Acabou-se! Já não vem.
Silêncio
Virgínia Victorino
“Levantou-se lá fora tanto vento!
Que dizes? Vou fechar estas janelas?
Faz-me impressão que trema a luz das velas
e assim, é mais completo o isolamento”.
Passamos o serão. Às vezes tento
abafar as palavras e vencê-las.
Então falo de tudo — céu, estrelas,
tento ocultar o estranho encantamento.
Ele entende estas coisas e define-as...
“Não achas lindo o ramo das glicínias?
Antes sobre esta mesa? Eu vou mudá-lo”.
Silêncio... Toda a vida está no olhar.
Morre o perfume... a luz... — Falar! Falar!
— O que eu te digo, amor, quando me calo!
Futilidade
Virgínia Victorino
Não saias hoje, amor. Dize que sim!
Passaremos a noite a conversar.
Se queres vou tocar, dançar, cantar...
O que eu desejo é ter-te ao pé de mim!
Não saias hoje... Iremos ao jardim...
apanho rosas para me enfeitar,
e fico presa à luz do teu olhar,
e perfumo-me toda de jasmim!
Não sais? Dizes que não? Meu bem! Meu bem!
Como a gente é feliz quando ama alguém!
Ouço apenas na terra a tua voz...
Vamos, senta-te aqui. Lê versos, fuma.
Enquanto lês, eu olho a sala... — Bruma...
Vejo-me ao espelho e ponho pó-de-arroz.
Virginia Victorino, pena não têla conhecido antes, mas merecidamente o EM lhe coloca no patamar distinto das ETERNAS e teus brilhantes versos não serão esquecidos, eu os abraço como abraço o que é valiosamente raro. Parabéns, EM, na seleção não poderia faltar tal Virgínia! Obrigada. Raquel Nonatto
ResponderExcluirVocê conhece o seguinte poema de Virginia Victorino?
ResponderExcluirSe a lucidez consiste em ver no mundo,
E nas almas somente o que apavora,
Nunca a luz clara e doce de uma aurora,
...
Gostaria de saber o título e ler o poema original.
Grata pela atenção,
Leila, não localizei os versos atribuídos à poeta Virgínia Victorino em qualquer dos três e únicos livros escritos por ela. Quem sabe seja um poema esparso e não publicado?
ExcluirHavendo algum avanço em minhas pesquisas, voltarei a você.
Um grande e cordial abraço do EM, contente com a sua presença entre nós,
pedindo desculpas pelo atraso na resposta.
COMENTÁRIO ORIGINALMENTE PUBLICADO EM 09-02-2014
ResponderExcluirBoa noite Alguém sabe se este excerto é de Regina Victorino? Ja sei sl vá, si nao guando surge uma tal hesitação, Não pôde haver, não ha, ninguém que venço, Dizia-me, baixinho, coração: "Vae Não penses Quem ama, nunca pensa Mas, numa voz domlnadora, Intensa : "Não vás Não vás gritava-me razão Ir para que Não indo, que vantagem Foi duvida, foi medo, foi coragem Foi um mundo de coisas que eu pensei Não fui Mas quando vi que Já não Ia, que nada, entretanto, m'o impedia, que eu chorei, meu Deus I, que eu chorei ! em * VIRGÍNIA VICTORINO (Portugal)
Maria Almeida
em 09/02/14