AMÉLIA DE OLIVEIRA & OLAVO BILAC



















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— para Olavo Bilac, "um idílio que não teve história"

— para o blogue Expressão Mulher-EM, "um grande amor inscrito nas estrelas..."







Era um vez...


 no Rio de Janeiro do século XIX (por volta de 1883), a Côrte Imperial, um poeta carioca em seus dourados 18 anos conhece uma jovem em tenros 15 anos, moradora de Niterói...

E os dois se enamoram...


 Era ele Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918). Ele mesmo! O poeta Olavo Bilac; ela era Amélia de Oliveira (1868-1945), da família Mariano de Oliveira, irmã do poeta Alberto de Oliveira e de outros irmãos também poetas. Àquela época, ela já compunha versos.




  Olavo Bilac  (1888)  




Amélia de Oliveira (1896)
                                                       

(Fotos tiradas do Livro "O Noivado de Bilac", de Elmo Elton, Coleção "Rex", Edição da "Organização Simões", Rio, 1954, páginas 4 e 6, respectivamente)


     

Companheira doce, tímida, inteligente e terna, a musa de Bilac, Amélia de Oliveira, tinha com o poeta grandes afinidades, as mesmas aspirações, o mesmo amor pela poesia e eram ambos sonhadores.
Eram agradáveis os seus encontros na "Engenhoca", aprazível chácara onde residia a família Mariano de Oliveira e onde se realizavam saraus de poesia com o desfile dos maiores nomes da literatura nacional do século XIX, até mesmo tido como "um estágio anterior à Academia Brasileira de Letras".
Com alguns anos de namoro, impetuoso, irrequieto e apaixonado, Olavo Bilac, que já havia desistido de terminar o curso de Medicina, um desejo de seu pai, foi estudar Direito em São Paulo e ocupar o seu lugar na redação do Diário Mercantil, visando a um futuro melhor.

 Com pouco tempo, já imensamente saudoso da  Engenhoca e dos amigos, Bilac resolve deixar São Paulo e vir passar uns dias na Côrte (Rio de Janeiro), disposto a ficar noivo de Amélia. Muito bem recebido no mesmo dia em que chega e vai a Engenhoca, uma semana depois, numa tarde de novembro de 1887, Bilac pede à mãe de Amélia a mão de sua filha em casamento. Esta, ainda que um tanto receosa por saber que seu filho Juca era contrário àquele envolvimento, aconselha que Bilac escreva ao pai de Amélia, adoentado e em outra cidade.
 Como eram muito boas as relações entre ambos, o pai de Amélia, contente com o acontecimento, acedeu ao pedido do Bilac, que lhe disse: "Só pretendo dar este passo quando puder ter a certeza de tornar feliz sua filha, que é hoje o maior incentivo ao meu trabalho."

 Era imensa a felicidade de Bilac, sentida na carta abaixo escrita para Luiz, um dos 15 irmãos de Amélia de Oliveira; Bilac escreveu a quase todos...






Leia-se:

São Paulo, 16 de novembro de 1887.

“Meu querido Luiz
Cheguei ontem do Rio, onde fui passar oito dias. Cá estou de novo n’esta medonha Paulicéa. Que inferno!
Participo-te que sexta-feira passada, 11 de Novembro de 87, ás 2 horas  e 35 minutos da tarde, ficou sendo minha noiva tua irmã Amélia. Minha noiva, leste bem?
Minha noiva! É a primeira vez que escrevo estas duas palavras. Minha noiva! Como estou feliz! Como é bom viver! Como é bom amar e ser amado!
Manda-me dizer se ficas satisfeito com a notícia, e se ainda és meu amigo, Luiz.
Escreve-me, assim que receberes esta carta, para o Diário Mercantil, S. Paulo. Fico ansioso pela tua resposta. Tenho lido a Vida Literária. Estás um poeta de mão cheia.
Abraço-te. Escreve-me, escreve-me, escreve-me.
Não te mando dizer se tenho feito versos porque não estou agora para tratar d’essas coisas. Qual poesia, nem qual nada! Não há nada como o amor! Não há nada como amar e ser
amado como amo e sou amado! Estou com vontade de sair para a rua e de abraçar toda gente, amigos e inimigos, monarquistas e republicanos, Deus e o Diabo! Tal é a minha alegria.

Escreve-me. Abraça -te, o teu amigo leal
Olavo Bilac”




Com o falecimento do pai de Amélia em 09 de dezembro de 1887, o lugar de patriarca da família passa a Juca Mariano, o filho que, embora não sendo o mais velho, era o que tinha maior ascendência sobre a família. E é ele, Mariano, quem se volta contra o noivado de Amélia com Olavo Bilac. Embora não tenha negado a Bilac suas qualidades inegáveis, ressaltava a sua natureza boêmia...
 "Alguns irmãos de Amélia, porém, e entre êles Alberto, Bernardo e Joaquim, acham que tudo aquilo não passa de uma infeliz impressão da mãe e do Juca. Bilac, afirmavam êles, não era boêmio. Era, pelo contrário, um rapaz sossegado, de costumes exemplares, digno, portanto, de sua noiva".
 A família discute e a Engenhoca perde a sua antiga e habitual serenidade. Dona Ana, mãe de Amélia, que parecia simpática ao noivado, passa a lhe ser contrária. Enérgica, pede à filha que não responda mais às cartas de Bilac.


 E Amélia?
 "Amélia sofre tôdo aquele estado de cousas, resignada, certa de que, um dia, realizaria o seu sonho de amor."

E Bilac?

"Bilac lhe manda cartas consoladoras. Vez por outra fala de sua mágoa por não ter tido nunca uma palavra amiga do Juca. Sabe da mudança de Dona Ana ("Saninha"), antes tão sua amiga...
As suas cartas, muitas delas, antes de serem lidas por Amélia, são lidas por sua mãe, que, por ordem de Juca, vai policiando todo aquêle noivado, sempre com injustificáveis recriminações.


 ("O Noivado de Bilac", de Elmo Elton, página 17)



Quando começa o ano, Olavo estranha que sua noiva, há mais de 10 dias, não lhe mande notícias. E receia que algo desagradável tenha acontecido. Para explicar a interrupção da correspondência, faz toda a sorte de conjecturas. Já estava sabendo da mudança de dona Saninha, que no começo se mostrara tão sua amiga! Ainda ignorava as drásticas medidas do Juca?

Amélia padece calada, o despotismo do irmão. O poeta se desespera. E roga, agoniado:

"Escreve-me, por piedade! Se soubesses quanto sou feliz quando leio letras tuas! Se pudesses ver como as releio, como as decoro, como as beijo! Escreve-me, ainda que não haja assunto nenhum. Dize-me sempre a mesma coisa, sempre a mesma! Dize-me ainda uma vez que confias em mim, ainda uma vez que pensas em mim!"

Na carta de 20 de janeiro, manda à noiva um pequeno ramo de amores-perfeitos. Dona Saninha, sem motivo, rasga essa carta, mas Amélia, carinhosamente, consegue recolher alguns pedaços, guardando, junto deles, as pétalas das flores enviadas.

Eis o que Olavo confessa, na missiva redigida em 7 de fevereiro de 1888, "a única carta que burlou a vigilância da família da noiva, graças ao auxílio de uma pessoa amiga:"

"Nunca poderás, nunca, avaliar todo o infinito bem, toda a infinita felicidade que me deste, amando-me e querendo-me. Se eu te não encontrasse, não sei o que seria de mim, porque só agora , depois que te conheço, é que tenho ambições e desejo viver."
Bilac sonha sempre com o futuro. Aguarda, impaciente, o instante em que Amélia se tornará sua consorte. Pensando nessa união, ele se inflama:

"Como seremos felizes quando, apartadas todas as dificuldades, nada mais se opuser à nossa felicidade! Já pensaste nisto? Olha que não penso em outra coisa! Parece-me que nesse dia, descrendo de tão grande felicidade, fulminado por tanta ventura, só terei forças para te beijar as mãos, chorando como uma criança e rindo como um louco. Amo-te como nunca ninguém amou: tenho ciúmes de tudo o que te cerca, de todos os que te falam, de todos os que te vêem! Quero que penses unicamente em mim; quero que, quando fales a alguém, esteja em mim o teu pensamento, que penses em mim a todas as horas , em todas as ocasiões!"

Olavo procurava idéias sublimes para exprimir sua paixão. Queria mostrar toda a grandeza do seu amor, mas as palavras, segundo chega a confessar, eram insuficientes.
Quando ele vê no Almanaque da Gazeta de Notícias um soneto de Amélia, fica aborrecido. Não quer que a noiva publique os seus versos, pois pensa, como Ramalho Ortigão, que "o primeiro dever de uma mulher honesta é não ser conhecida". Acha que quem divulga qualquer trabalho, submete-se à maledicência. E Bilac se sentiria ferido, desesperado, se algum dia "um miserável" ousasse discutir o nome da criatura amada. Só de pensar em tal hipótese, o poeta freme, revolta-se:

"Eu, que chego a ter ciúmes do chão que pisas, eu que desejava ser a única pessoa que te pudesse ver e amar  — ouvir discutido o teu nome! Ainda há bem pouco tempo aqui em São Paulo, um padre, escrevendo sobre Júlia Lopes, insultou-a publicamente. Mas tratava-se uma senhora e da mulher de um amigo meu: tive vontade de esmurrar o padre. E sem razão.
Sem razão, porque uma senhora, desde que se faz escritora, tem de se sujeitar ao juízo de todos. Não quer isto dizer que não faça versos. Pelo contrário. Quero que os faça, muitos, para as tuas amigas, e principalmente para mim — mas nunca para o público, porque o público envenena e mancha tudo o que lhe cai sob os olhos."

Olavo se expande nessa carta. Sente-se aliviado em poder escrever o que lhe brota do coração. Pede à Amélia que se mantenha no anonimato, não publique versos. Se soubesse que dona Saninha  ia ler o seu pedido, ficaria calado, pois nesse caso entregava uma arma à mãe de sua eleita. Ela usaria a arma contra ele. Haveria de dizer, por exemplo, que Bilac, logo no começo, antes de se casar, principiava a fazer imposições. Ora, ele não queria, de forma alguma, dar à dona Saninha qualquer razão de queixa. O seu objetivo era outro: desejava que todos vissem como era injustamente guerreado por ela.


(Do Livro Vida e Poesia de Olavo Bilac, de Fernando Jorge, 5ª. Edição Revista e Atualizada, Editora Novo Século, Osasco, São Paulo, 2007,  páginas 119  a 121)




Bilac, em março de 1888, isto é, com quatro mêses incompletos de noivado, já não consegue mais viver em São Paulo, longe da Engenhoca. Deixa a Faculdade. Deixa, para sempre, o curso de Direito. Não precisaria de diploma de Bacharel para ser feliz, para vencer na vida! Precisaria, sim, de Amélia, de seu carinho, de sua companhia, de seu amor!

Retorna, então à Côrte. Mas retorna vitorioso, aplaudido pela imprensa de todo o país, sobraçando o volume de suas Poesias, com "Panóplias, "Via Láctea" e "Sarças de Fogo",  — versos, em sua maioria, inspirados por Amélia, a sua Musa, a sua noiva adorada! "

 ("O Noivado de Bilac", de Elmo Elton, página 18)



Poesias
1º livro de Olavo Bilac, incluindo Panóplias, Via Láctea (35 sonetos) e Sarças de Fogo - Março de 1888, Portugal)

 Dedicatória do autor na 1a. página:

 "À que me espera."



(Do Livro Vida e Poesia de Olavo Bilac, de Fernando Jorge, 5ª. Edição Revista e Atualizada, Editora Novo Século, Osasco, São Paulo, 2007, página 135)




Seleção do blogue Expressão Mulher-EM
Base: Brasiliana USP

(http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00291600 )

(grafia da época)





Via Láctea - maior inspiração de Bilac:
Amélia de Oliveira

(grafia da época)



- I -


Talvez sonhasse, quando a vi. Mas via
Que, aos raios do luar illuminada,
Entre as estrellas tremulas subia
Uma infinita e scintillante escada.

E eu olhava-a de baixo, olhava-a... Em cada
Degráo, que o ouro mais limpido vestia,
Mudo e sereno, um anjo a harpa doirada,
Resoante de supplicas, feria...

Tu, mãe sagrada ! vós também, formosas
Illusões ! sonhos meus ! ieis por ella
Como um bando de sombras vaporosas,

E, ó meu amor ! eu te buscava, quando
Vi que no alto surgias, calma e bella,
O olhar celeste para o meu baixando...



- II -


Tudo ouvirás, pois que, bondosa e pura,
Me ouves agora com melhor ouvido:
Toda a anciedade, todo o mal soffrido
Em silencio, na antiga desventura...

Hoje, quero, em teus braços acolhido,
Rever a estrada pavorosa e escura
Onde, ladeando o abysmo da loucura,
Andei de pesadelos perseguido.

Olha-a: torce-se toda na infinita
Volta dos sete circulos do inferno...
E nota aquelle vulto: as mãos eleva,

Tropeça, cáe, soluça, arqueja, grita,
Buscando um coração que foge, e eterno
Ouvindo-o perto palpitar na treva.



- III -


Tantos esparsos vi profusamente
Pelo caminho que, a chorar, trilhava !
Tantos havia, tantos ! E eu passava
Por todos elles frio e indifferente...

Emfim ! emfim ! pude com a mão tremente
Achar na treva aquelle que buscava,
Porque fugias, quando eu te chamava,
Cego e triste, tacteando, anciosamente ?

Vim de longe, seguindo de erro em erro,
Teu fugitivo coração buscando
E vendo apenas corações de ferro.

Pude, porém, tocal-o soluçando...
E hoje, feliz, dentro do meu o encerro,
E ouço-o, feliz, dentro do meu pulsando.



IV


Como a floresta secular, sombria,
Virgem do passo humano e do machado,
Onde apenas, horrendo, echôa o brado
Do tigre, e cuja agreste ramaria.

Não atravessa nunca a luz do dia,
Assim também, da luz do amor privado,
Tinhas o coração ermo e fechado,
Como a floresta secular, sombria...

Hoje, entre os ramos, a canção sonora
Soltam festivamente os passarinhos.
Tinge o cimo das arvores a aurora...

Palpitam flores, estremecem ninhos...
E o sol do amor, que não entrava outrora,
Entra dourando a areia dos caminhos.



- V -


Dizem todos: "Outr'ora como as aves
"Inquieta, como as aves tagarela..
"E hoje... que tens ? Que sizudez revela
"Teu ar ! que idéas e que modos graves !

"Que tens, para que em pranto os olhos laves ?
"Sê mais risonha, que serás mais bella !"
Dizem. Mas no silencio e na cautela
Ficas firme e trancada a. sete chaves...

E um diz: "Tolices, nada mais !" Murmura
Outro: Caprichos de mulher faceira !"
E todos elles afinal: "Loucura !"

Cegos que vos cançaes a interrogal-a !
Vêl-a bastava; que a paixão primeira
Não pela voz, mas pelos olhos fala.



- VII -


Não têm faltado boccas de serpentes,
(D'essas que amam falar de todo o mundo,
E a todo o mundo ferem, maldizentes)
Que digam: "Mata o teu amor profundo !

"Abafa-o, que teus passos imprudentes
"Te vão levando a um pélago sem fundo...
"Vaes te perder" ! E, arreganhando os dentes,
Movem para o teu lado o olhar immundo:

"Se ella é tão pobre, se não tem belleza,
"Irás deixar a gloria desprezada
"E os prazeres perdidos por tão pouco ?

"Pensa mais no futuro e na riqueza " !
E eu penso que afinal... Não penso nada:
Penso apenas que te amo como um louco.



- X -


Deixa que o olhar do mundo emfim devasse
Teu grande amor que é teu maior segredo !
Que terias perdido, se, mais cedo,
Todo o affecto que sentes se mostrasse ?

Basta de enganos ! Mostra-me sem medo
Aos homens, affrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.

Olha: não posso mais ! Ando tão cheio
D'este amor, que minh'alma se consome
De te exaltar aos olhos do universo...

Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quasi o revelo no final de um verso.



- XIII -



Leia-se:

"Ora (direis) ouvir estrellas ! Certo
Perdeste o senso !" E eu vos direi, no emtanto,
Que, para ouvil-as, muita vez desperto
E abro as janellas, pallido de espanto,

E conversamos toda a noite, emquanto
A via láctea, como um pallio aberto,
Scintilla, E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céo deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo !
Que conversas com ellas ? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão comtigo ?"

E eu vos direi: "Amae para entendel-as !
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrellas."



- XIV -


Viver não pude sem que o fel provasse
D'esse outro amor que nos perverte e engana:
Porque homem sou, e homem não ha que passe
Virgem de todo pela vida humana.

Porque tanta serpente atra e profana
Dentro d'alma deixei que se aninhasse ?
Porque, abrazado de uma sede insana,
A impuros lábios entreguei a face ?

Depois dos lábios sefregos e ardentes,
Senti —— duro castigo aos meus desejos —
0 gume fino de perversos dentes...

E não posso das faces polluidas
Apagar os vestigios desses beijos
E os sangrentos signaes d'essas feridas !



- XV -


Inda hoje, o livro do passado abrindo,
Lembro-as e punge-me a lembrança d'ellas;
Lembro-as e vejo-as, como as vi partindo,
Estas cantando, soluçando aquellas.

Umas, de meigo olhar piedoso e lindo,
Sob as rosas de neve das capellas;
Outras, de lábios de coral, sorrindo,
Desnudo o seio, lubricas e belas...

Todas, formosas como tu, chegaram,
Partiram... e, ao partir, dentro em meu seio
Todo o veneno da paixão deixaram.

Mas, ah ! nenhuma teve o teu encanto,
Nem teve olhar como esse olhar, tão cheio
De luz tão viva, que abrazasse tanto !



- XXX -


Ao coração que soffre, separado
Do teu, no exilio em que a chorar me vejo,
Não basta o affecto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo,

Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na bocca a doçura de teu beijo.

E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Nao ha que a terra pelo céo trocar;

E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.



- XXXI -


Longe de ti, se escuto, porventura,
Teu nome, que uma bocca indifferente
Entre outros nomes de mulher murmura,
Sobe-me o pranto aos olhos, de repente...

Tal aquelle, que, misero, a tortura
Soffre de amargo exilio, e tristemente
A linguagem natal, maviosa e pura,
Ouve falada por estranha gente...

Porque teu nome é para mim o nome
De uma pátria distante e idolatrada,
Cuja saudade ardente me consome:

E ouvil-o é vêr a eterna primavera
E a eterna luz da terra abençoada,
Onde, entre flores, teu amor me espera.






De Sarças de Fogo



SATANIA
Olavo Bilac


Núa, de pé, solto o cabello ás costas,
Sorri. Na alcova perfumada e quente,
Pela janella, como um rio enorme
De áureas ondas tranquillas e impalpáveis,
Profusamente a luz do meio dia
Entra e se espalha palpitante e viva.
Entra, parte-se em feixes rutilantes,
Aviva as côres das tapeçarias,
Doura os espelhos e os crystaes inflamma.
Depois, tremendo, como a arfar, deslisa
Pelo chão, desenrola-se, e, mais leve,
Como uma vaga preguiçosa e lenta,
Vem-lhe beijar a pequenina ponta
Do pequenino pé macio e branco.

Sobe... cinge-lhe a perna longamente,
Sobe... — e que volta sensual descreve
Para abranger todo o quadril! — prosegue,
Lambe-lhe o ventre, abraça-lhe a cintura,
Morde-lhe os bicos tumidos dos seios,
Corre-lhe a espadua, espia-lhe o recôncavo
Da axilla, accende-lhe o coral da bocca,
E antes de se ir perder na escura noite,
Na deusa noite dos cabellos negros,
Pára confusa, a palpitar, diante
Da luz mais bella dos seus grandes olhos.

E aos mornos beijos, ás caricias ternas
Da luz, cerrando levemente os cilios,
Satania os lábios humidos encurva,
E da bocca na purpura sangrenta
Abre um curto sorriso de volupia...
Corre-lhe á flor da pelle um calefrio;
Todo o sou sangue, alvoroçado, o curso
Apressa ; e os olhos, pela fenda estreita
Das abaixadas palpebras radiando,
Turvos, quebrados, languidos, contemplam,
Fitos no vácuo, uma visão querida...

Talvez ante elles, scintillando ao vivo
Fogo do Occaso, o mar se desenrole -.
Tingem-se as águas de um rubor de sangue,
Uma canôa passa... Ao largo oscillam
Mastros enormes, sacudindo as flammulas...
E, alva o sonora, a murmurar, a espuma
Pelas areias se insinúa, o limo
Dos grosseiros cascalhos prateando...

Talvez ante elles, rígidas e immoveis,
Vicem, abrindo os leques, as palmeiras :
Calma em tudo. Nem serpe sorrateira
Silva, nem ave inquieta agita as azas.
E a terra dorme n'um torpor, debaixo
De um céo de bronze que a comprime o abafa...

Talvez as noites tropicaes se estendam
Ante elles : infinito firmamento,
Milhões de estrellas sobre as crespas águas
De torrentes caudaes, que, esbravejando,
Entre altas serras surdamente rolam...
Ou talvez, em paizes apartados,
Fitem seus olhos uma scena antiga
Tarde de outono. Uma tristeza immensa
Por tudo. A um lado, á sombra deleitosa
Das tamareiras, meio adormecido,
Fuma um arabe. A fonte rumoreja
Perto. Á cabeça o cantharo repleto,
Com as mãos morenas suspendendo a saia,
Uma mulher afasta-se, cantando...
E o arabe dorme numa densa nuvem
De fumo...E o canto perde-se á distancia...
E a noite chega, tepida e estrellada...

Certo, bem doce deve ser a scena
Que os seus olhos extaticos ao longe,
Turvos, quebrados, languidos, contemplam.

Ha pela alcova, emtanto, um murmúrio
De vozes. A principio é um sopro escasso,
Um sussurrar baixinho... Augmenta logo :
É uma prece, um clamor, um coro immenso
De ardentes vozes, de convulsos gritos.
É a voz da Carne, é a voz da Mocidade,
— Canto vivo de força e de belleza,
Que sobe desse corpo illuminado...

Dizem os braços :— Quando o instante doce
Ha-de chegar, em que, á pressão anciosa
D'estes laços de músculos sadios,
Um corpo amado vibrará de gozo? —"

E os seios dizem : "— Que sedentos labios,
Que ávidos lábios sorverão o vinho
Rubro, que temos n'estas cheias taças?
Para essa bocca que esperamos, pulsa
N'estas carnes o sangue, enche estas veias,
E entesa e apruma estes rosados bicos... "

E a bocca — Eu tenho n'esta fina concha
Perolas niveas do mais alto preço,
E coraes, mais brilhantes e mais puros
Que a rubra selva que de um tiyrio manto
Cobre o fundo dos mares da Abissinia...
Ardo e suspiro ! Como o dia tarda
Em que meus labios possam ser beijados,
Mais que beijados : possam ser mordidos !"

Mas, quando, emfim, das regiões descendo
Que, errante, em sonhos, percorreu,— Satania
Olha-se, e vê-se núa, e, estremecendo,
Veste-se, e aos olhos ávidos do dia
Vela os encantos, essa voz declina
Lenta, abafada, tremula...

                        Um barulho
De linhos frescos, de brilhantes sedas
Amarrotadas pelas mãos nervosas,
Enche a alcova, derrama-se nos ares...
E, sob as roupas que a suffocam, inda
Por largo tempo, a soluçar, se escuta
N'um longo choro a entrecortada queixa
Das deslumbrantes carnes escondidas...


(Em  Bilac, Olavo, 1865-1918 . Poesias: edição definitiva, Rio de Janeiro: H. Garnier, 1902, 272 páginas)

 http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00291600



Nota do EM com base no Resumo da Brasiliana USP

(ver ficha ao final deste trabalho)

Os poemas de Bilac foram reunidos em livro pela primeira vez em 1888, com o título de Poesias, e continha três seções: "Panóplias", "Via Láctea" e "Sarças de fogo". Em 1902, foi publicada com o registro de "Edição definitiva". Este volume é composto de seis conjuntos: os três da primeira edição e "Alma inquieta", "As viagens" e o pequeno poema de caráter épico "O caçador de esmeraldas". Nas "Viagens", o poeta incluiu o poemeto "Sagres", publicado por ocasião do quarto centenário do descobrimento da Índia, em 1898.






Na Engenhoca, Bilac é recebido friamente pela família de Amélia. Dona Ana, de quem ele tanto gostava, é a primeira a dizer-lhe que o Juca estava mesmo decidido a não consentir o casamento da irmã. Alguns rapazes, também, se mostram constrangidos diante daquele retorno de Bilac, ainda tão cedo, de São Paulo, E os estudos da Faculdade?

Bilac, já consagrado, tão admirado por todos os seus amigos e patrícios, sente-se humilhado. Por que, afinal, toda aquela guerra  contra ele, se era tão grande o seu amor por Amélia?
Resolve, então, escrever ao Juca, que se encontrava, já fazia algum tempo, ausente da engenhoca. E lhe escreve uma carta humilde. Uma carta cheia de confissões. Uma carta como a poucos teria escrito. Pede ao irmão de Amélia a palavra final sobre a autorização de seu casamento.

E a resposta veio imediata. Juca, intransigente, em termos rudes, manifesta, mais uma  vez, categoricamente, a sua opinião contrária sobre aquêle noivado. Não consente mais a presença de Bilac na Engenhoca!

O poeta, magoado, lhe manda, então, esta carta: "Ilmo. Sr. José Mariano de Oliveira. Recebi hontem na Engenhóca a sua carta escripta em Friburgo e datada de 8 de Março. Creia que é com grande pezar que me resigno a ver privado de sua sanção o enlace que projetamos — eu e sua irmã D. Amélia. Saude e felicidade.  Olavo Bilac.  Rio de Janeiro, 12, Março, 88".

Dona Ana não esconde a Bilac o seu contentamento, diante da atitude do Juca, impedindo o casamento da irmã.

Mas o amor do poeta era imenso! A sua paixão lhe abrazava a alma. Não lhe era possível esquecer Amélia. E embora esteja proibido pelo Juca a frequentar a casa da Engenhoca, a
ela volta ainda muitas vezes, tratando a todos com carinho, com respeito, com humildade até!
Por repetidas vezes, Dona Ana lhe dirige palavras pouco amáveis, mesmo diante de Amélia e de seus irmãos. Mas ele é sempre o noivo resignado...


("O Noivado de Bilac", de Elmo Elton, páginas 18 e 19)



Ausente da Engenhoca por motivo de trabalho, Juca Mariano de Oliveira ainda não estivera com Bilac desde que este havia retornado de São Paulo. e ignorava as constantes visitas, por ele proibidas, à casa de sua gente.
Em fins de setembro de 1888, a família Mariano de Oliveira deixa a Engenhoca e se transfere para São Domingos, bairro de Niterói. Bilac, sempre fiel à noiva, lá vai ter também.

Num domingo de outubro, Juca vai visitar a família em suas novas acomodações; com surpresa e um certo rancor, fica sabendo das visitas de Bilac a Amélia, do prosseguimento

daquele romance...

Naquele mesmo domingo, numa promessa feita por carta à noiva, Bilac vai visitar Amélia. Mas não passa do portão, porque é Juca quem o recebe, e não Amélia. Sem responder ao 
cumprimento de Bilac, Juca trava séria discussão, não permite que Bilac veja mais a noiva e, sem que qualquer pessoa da casa aparecesse, ouve de Juca palavras amargas que calariam, pelo resto da vida, à sua alma torturada.

Retornando à Côrte,  dias depois Bilac vê extintos para sempre os seus restos de esperança quando, por ordem de Dona Ana, Bernardo, um dos irmãos de Amélia, vai até o poeta para 
apanhar com ele as cartas, os versos, os retratos de Amélia. E logo Bernardo! Bem que este se recusara a cumprir a ordem materna. Mas a palavra enérgica de Dona Ana tinha que ser ouvida pelos filhos , custasse o que custasse.

Bernardo, mais tarde, já octogenário, não podia recordar esse seu encontro com Bilac, sem que não sentisse molhados os olhos. É que, desde então, nunca mais viria a falar com o poeta,  — o seu mais querido amigo!



Está desfeito, para sempre, o noivado de Olavo e Amélia.



(Adaptação resumida do blogue EM ao contido em "O Noivado de Bilac", de Elmo Elton, páginas 20 e 21)




Da correspondência de Olavo Bilac a Amélia de Oliveira


"As cartas dirigidas por Olavo Bilac a Amélia de Oliveira, durante o período de seu infeliz noivado, documentam uma das mais comoventes histórias de amor de nossa literatura.

Infelizmente, a correspondência de Amélia, endereçada ao noivo, foi tôda ela destruída por pessoa de sua família, —  o que constitui uma perda irreparável para a reconstituição perfeita de seus encontros epistolares."




    ("O Noivado de Bilac", de Elmo Elton, página 27)





A primeira carta de Bilac para Amélia  



Amo-te, amo-te! Como é bom enfim dizer o que nos enchia o coração! Amo-te cégamente, loucamente, mais que tudo! Amo-te porque és para mim a melhor, a mais pura, a mais santa de todas as criaturas. Amo-te, porque tu, meu orgulho e minha vida, foste a única mulher que me soube fazer conhecer toda a divina delícia, toda a suave tortura do verdadeiro amor.

     Amei-te no primeiro dia em que te vi: amei-te em silencio, em segredo, sem esperança de te possuir e sem refletir. Não quis saber quem eras, nem quis saber se me poderias amar: amei-te e amo-te cada vez mais. Estou em S. Paulo por tua causa. Trabalharei, farei sacrifício de tudo, luctarei contra tudo, mas juro-te que serás minha, inteiramente minha, unicamente minha. Amo-te ! Amo-te !  (1)

                                                                      Olavo



(1) Esta carta foi escrita de São Paulo, logo após o noivado do poeta.

Não traz data.



("O Noivado de Bilac", de Elmo Elton, 1954)






A última carta de Bilac para Amélia



  "Amelia

   Não pude ainda livrar-me inteiramente d'essa maldita febre. Peiorei, ao vir da tua casa na segunda feira. Voltaram mais fortes os accessos. Já me está preocupando seriamente

esta molestia: — se bem que o medico affirme não passar tudo isto de uma febre palustre que desapparecerá assim que eu passar a dormir em outra casa, — assusto-me e tenho, como nunca tive, um medo terrível de morrer. Vou passar a dormir nas Laranjeiras, em casa de um amigo. Domingo, impreterivelmente, irei ahi, esteja ou não melhor.
 Peço-te que não te assustes: creio que não morrerei nunca, protegido como estou pelo teu amor.
  Minha irmã foi de propósito ao jardim colher estas violetas para que eu t'as enviasse aqui.

Até domingo. Lembra-te de mim como eu me lembro de ti. (1)

                                                              Teu noivo



                                                                  OLAVO BILAC


Côrte, 12, Out, 88"





(1) - Foi esta a última carta de Bilac a Amélia de Oliveira. Fica, assim, provado que o poeta, mesmo depois de ter deixado São Paulo, em março de 88, ainda esteve, por várias vezes, em casa de sua noiva.


Complementa o EM: Os membros da família de Amélia que faziam objeção ao noivado diziam que Olavo Bilac não mais estava frequentando a Engenhoca.



("O Noivado de Bilac", de Elmo Elton, página 59)




Olavo Bilac e Amélia de Oliveira se separaram. De 1888 a 1910, não se encontraram, mas, através de Cora Bilac, irmã de Bilac, um acompanhava o que o outro escrevia. Depois desse período, quando se encontravam, não havia palavras. Nenhum dos dois se casou. Quando Bilac adoeceu, Amélia esteve sempre próxima a ele como fez em todo o período do afastamento.

Ainda que não a visse, ele a pressentia, sabia que estava sempre por perto. Quando ele morreu (por insuficiência cardíaca), ela confeccionou uma pequena almofada e a encheu com as tranças que ela guardava desde moça e fez descansar sobre essa almofada a cabeça do seu amado poeta.                                   

"Amélia, desde a morte do poeta, ocorrida em dezembro de 1918, a janeiro de 1945, época em que, por doença, não pôde mais sair de casa, não deixou, uma só semana, de ir ao 
cemitério de São João Batista, onde Bilac está sepultado. Passou mesmo a residir em Botafogo, para que as suas constantes idas áquela necrópole não lhe fossem tão cansativas.
 Tendo conseguido com a irmã do poeta licença para custear a conservação do mausoléu de ser ex-noivo, trazia-o sempre coberto de rosas. Ali, passava manhãs e tardes inteirinhas.
Era já familiar aos empregados daquela mansão que, seus amigos, também procuravam manter com ela a limpeza do túmulo amado."



("O Noivado de Bilac", de Elmo Elton, 1954, página  67)










Túmulo de Olavo Bilac no Cemitério São João Batista, Botafogo, Rio de Janeiro.


"Desde aquele mês de dezembro de 1918 até janeiro de 1945, por quase trinta anos, a sepultura de Olavo Bilac, no cemitério de São João Batista, recebeu todas as semanas uma
visitante, uma senhora alta, distinta, de porte nobre: Amélia de Oliveira. Ela, à semelhança de quem segue um ritual, sempre cobriu o túmulo com rosas vermelhas e ali permanecia horas e horas seguidas. Mesmo quando se aproximava dos oitenta anos (Amélia faleceu em 5 de março de 1945), isso não a impedia de proceder desse modo, de espalhar sobre a lousa as flores esplêndidas, da cor do sangue, flores que eram o símbolo de um profundo, de um imperecível amor ardente."



(Do Livro Vida e Poesia de Olavo Bilac, de Fernando Jorge, 5ª. Edição Revista e Atualizada, Editora Novo Século, Osasco, São Paulo, 2007,  página 322)




Gregório da Fonseca


Gregório da Fonseca foi, dos amigos de Amélia de Oliveira, o mais devotado sem dúvida. Gregório era pessoa queridíssima de Bilac. Diziam mesmo que o poeta sempre que a êle se
referia, chamava-o de meu irmão Gregório.

.....



Quando Bilac morreu, o ilustre militar não se demorou a procurar Amélia, em sua casa. Tinha algo a cumprir. Bilac lhe pedira, dias antes de sua morte, que arranjasse uma colocação para Amélia. O ex-noivo sabia que a família Oliveira não possuía grandes recursos, e era preciso que Amélia viesse a contar com qualquer meio de segurança para o sustento de sua velhice, que já se avizinhava.
Gregório levou, então, a Amélia a notícia de que lhe arranjara um lugar de escriturário, no antigo Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. E foi com os vencimentos dêsse emprego que ela, na velhice, pôde viver independentemente, sem o auxílio de amigos e parentes.
Visitava-a Gregório da Fonseca com assiduidade, sempre se mostrando preocupado com o bem estar da musa do seu glorioso amigo.



("O Noivado de Bilac", de Elmo Elton, páginas 87 e 88)




Olavo Bilac & Amélia de Oliveira: a poesia em enamoradas estrelas... rubras rosas... uma vida de amor dos céus ao chão...


 Bilac foi o primeiro a escrever no álbum de autógrafos de Amélia de Oliveira:  (Abril de 1887)




LIMINAR
Olavo Bilac

(No álbum da Excelentíssima Senhora
Dona Amélia de Oliveira)

Certo sobre esta folha de papel
E que — artista impecável — eu devia
Esmerado insculpir, como a cinzel,
O trabalho melhor da Fantasia.

E isso pra que esplêndida afinal
Esta folha de artísticos lavores
Fosse a porta de nácar e cristal
Desta gruta fantástica de flôres:

— Flôres várias, que vários corações
Aqui trouxeram num piedoso encanto
Uma abrindo em risos e canções,
Outras quebradas, úmidas de pranto.

E pois que não me é dado perfazer
Obra de tal primor e tal valia,
Fiquem aqui meus versos a dizer
Aos profanos que os lerem algum dia:

“— Ficai de fora! Aqui só pode entrar,
Pode o altar atingir com a mão tremente,
Só quem for puro, quem souber amar,
E desse puro amor viver contente.”


("O Noivado de Bilac", de Elmo Elton, página 83)




Poema composto por ocasião do noivado:  (11 de novembro de 1887)







TARDE DE VERÃO
Olavo Bilac

Como ainda agora a vejo! O ocaso, em fogo, ardia
Na última agitação, na última luz do dia.
Ia, de ramo em ramo, ao longo dos caminhos,
Como uma melopea, o barulho dos ninhos.
Palpitavam de leve as árvores ao vento...
E, longe, pela estrada azul do firmamento,
Vinha a noite esfolhando a grinalda de rosas,
E, ao chorar, recolhia s lágrimas piedosas,
Para as tomar nas mãos, beijá-las e acendê-las,
Derramando no espaço as primeiras estrelas.

Seguias ao meu lado. Ias falando e rindo:
E eu, mudo, não falava a tua voz ouvindo,
E eu, absorto, não ria , ouvindo-te a risada.
Eu guardava no ouvido aquela voz  sagrada,
Aquele gorjeiar incessante e festivo...
Guardada na retina o revérbero vivo
Daquele ocaso, a luz daquele CEO radiante,
Aquela sombra, aquela estrada cintilante,
A harmonia, a aparência, a côr daquilo tudo!
Não ria, não falava! Ia absorvido e mudo,
Com voz entorpecida , o olhar parado e ardente,
Fixando na memória aquilo eternamente,
Para que eternamente aquela tarde visse,
Para que eternamente aquela voz ouvisse!


("O Noivado de Bilac", de Elmo Elton, páginas 90 e 91)




Também este soneto:





NOIVO, ENFIM!
(Soneto X da "Via-Láctea")


- X -


Deixa que o olhar do mundo emfim devasse
Teu grande amor que é teu maior segredo !
Que terias perdido, se, mais cedo,
Todo o affecto que sentes se mostrasse ?

Basta de enganos ! Mostra-me sem medo
Aos homens, affrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.

Olha: não posso mais ! Ando tão cheio
D'este amor, que minh'alma se consome
De te exaltar aos olhos do universo...

Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quasi o revelo no final de um verso.


(Citado no Livro Vida e Poesia de Olavo Bilac, de Fernando Jorge, 5ª. Edição Revista e Atualizada, Editora Novo Século, Osasco, São Paulo, 2007, página 111)





Um soneto de separação? Acaso Bilac estaria pressentindo o rompimento com a mulher amada?


 (Do Livro Vida e Poesia de Olavo Bilac, de Fernando Jorge, 5ª. Edição Revista e Atualizada, Editora Novo Século, Osasco, São Paulo, 2007, página 137)





NEL MEZZO DEL CAMIN...
Olavo Bilac

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
e triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
a alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
da vida: longos anos, presa à minha
a tua mão, a vista deslumbrada
tive da luz que teu olhar continha.

Hoje, segues de novo... Na partida
nem o pranto os teus olhos umedece,
nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
vendo o teu vulto que desaparece
na extrema curva do caminho extremo.


(Incluso em Sarças de Fogo, do Livro Poesias, 1888, e constante do trabalho intitulado "Poesia reunida de Olavo Bilac", H. Garnier, Rio de Janeiro, 1902)

http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00291600






"Após o trágico epílogo do seu noivado, Bilac continua a colaborar na imprensa. Ele queria esquecer-se de Amélia. O amor lhe havia causado mais sofrimento do que prazer.
Há sonetos de Olavo, da primeira fase, que parecem retratar, de modo fidedigno, a história de sua paixão. Veja-se este, dedicado "a um poeta":  

                                       




XXXII  ("Via Láctea)"
                                                                A um poeta.

Leio-te — o pranto dos meus olhos rola:
— Do seu cabelo o delicado cheiro,
Da sua voz o timbre prazenteiro,
Tudo do livro sinto que se evola...

Todo o nosso romance — a doce esmola
Do seu primeiro olhar, o seu primeiro
Sorriso, — neste poema verdadeiro,
Tudo ao meu triste olhar se desenrola.

Sinto animar-se todo o meu passado:
E quanto mais as páginas folheio,
Mais vejo em tudo aquele vulto amado.

Ouço junto a mim bater-lhe o seio,
E cuido vê-la, plácida, ao meu lado,
Lendo comigo a página que leio."



(Do Livro Vida e Poesia de Olavo Bilac, de Fernando Jorge, 5ª. Edição Revista e Atualizada, Editora Novo Século, Osasco, São Paulo, 2007, página 145)







EXTREMA VERBA
Olavo Bilac

(poema dedicado ao poeta e grande amigo Luís Murat em 03-11-1888,
com inspiração à saudade de Bilac por Amélia de Oliveira)


Maldita a hora fatal, em que, à feição de um mar,
Que sorve a água de um rio, alva e resplandecente,
O meu sequioso olhar bebeu sofregamente
A embriagadora luz do teu profundo olhar!

Ah! três vezes maldito o amor que me avassala
E me abriga a viver dentro de um pesadelo,
Louco! Por toda a parte ouvindo a tua fala,
Vendo por toda parte a cor do teu cabelo!

Hei de sempre te ver: tudo fala de ti,
Tudo lembra o fulgor dos teus olhos mados...
E ecoam dentro de mim, como um dobre a finados,
As palavras tristes e cruéis que te ouvi!

Desvairas-me a razão! Tiras-me a calma e o sono!
Nunca de possuirei, bela e invejada vinha,
Oh! Vinha de Nabot, que eu tanto ambiciono!
Oh! alma, que eu desejo, e nunca serás minha!

Oh! que febre mortal ruge dentro de mim,
E atropela-me o sangue e me incendeia a face!
Antes nunca eu te visse: antes nunca eu te amasse,
Porque,  livre do amor, não sofrerei assim!

Quantas vezes, em sonho, as asas da saudade
Solto para onde estás e fico de ti perto!
Como depois do sonho é triste a realidade!
Como tudo sem ti fica depois deserto!


(Incluso no Livro Vida e Poesia de Olavo Bilac, de Fernando Jorge, 5ª. Edição Revista e Atualizada, Editora Novo Século, Osasco, São Paulo, 2007, páginas  139 e 140)



De 1888 a 1910, Bilac não vira mais Amélia. Ao se reencontrarem, ambos de cabelos brancos, sem palavras, poucos dias depois Olavo descreveu, num soneto, o casual encontro com a mulher amada:





MILAGRE
Olavo Bilac

Depois de tantos annos, frente a frente,
Um encontro... 0 fantasma do meu sonho!
E, de cabellos brancos, mudamente,
Quedamos frios, num olhar tristonho.

Velhos!... Mas, quando, ancioso, de repente,
Nas suas mãos as minhas palmas ponho,
Resurge a nossa primavera ardente,
Na terra em bençãos, sob um sol risonho:

Felizes, num prestigio, estremecemos;
Deliramos, na luz que nos invade
Dos redivivos extases supremos;

E fulgimos, volvendo a mocidade
Aureolados dos beijos que tivemos,
No divino milagre da saudade.


(Do Livro Tarde, de Olavo Bilac, Soneto, Livraria Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1919, 207 páginas)

 http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00292700


 (Citado no Livro Vida e Poesia de Olavo Bilac, de Fernando Jorge, 5ª. Edição Revista e Atualizada, Editora Novo Século, Osasco, São Paulo, 2007, página 283)





E as lembranças do passado inspiraram a Bilac os sonetos abaixo, cheios de pungente sinceridade:




REMORSO
Olavo Bilac

A's vezes, uma dor me desespera...
Nestas ancias e duvidas em que ando,
Scismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.

Versos e amores suffoquei calando,
Sem os gozar mima explosào sincera...
Ah! mais cem vidas! com que ardor quizera
Mais viver, mais penar e amar cantando!

Sinto o que esperdicei na juventude;
Chóro, neste começo de velhice,
Martyr da hypocrisia ou da virtude,

Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que soffrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!


(Do Livro Tarde, de Olavo Bilac, Soneto, Livraria Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1919, 207 páginas)

http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00292700


 (Citado no Livro Vida e Poesia de Olavo Bilac, de Fernando Jorge, 5ª. Edição Revista e Atualizada, Editora Novo Século, Osasco, São Paulo, 2007, página 284)





O SONHO
Olavo Bilac

Quantas vezes, em sonho, as asas da saudade
Solto para onde estás, e fico de ti perto!
Como, depois do sonho, é triste a realidade!
Como tudo, sem ti, fica depois deserto!

Sonho... Minha alma voa. O ar gorjeia e soluça.
Noite... A amplidão se estende, iluminada e calma:
De cada estrela de ouro um anjo se debruça,
E abre o olhar espantado, ao ver passar minha alma.

Há por tudo a alegria e o rumor de um noivado.
Em torno a cada ninho anda bailando uma asa.
E, como sobre um leito um alvo cortinado,
Alva, a luz do luar cai sobre a tua casa.

Porém, subitamente, um relâmpago corta
Todo o espaço... O rumor de um salmo se levanta
E, sorrindo, serena, apareces à porta,
Como numa moldura a imagem de uma Santa...


(Incluso em Alma Inquieta, constante do trabalho intitulado "Poesia reunida de Olavo Bilac", H. Garnier, Rio de Janeiro, 1902)

http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00291600





Escreve Amélia de Oliveira:




ABANDONO
Amélia de Oliveira

(recordando a “Engenhoca”*)

Talvez já tudo tenhas esquecido:
aquela casa e as árvores frondosas
da entrada do caminho e as brancas rosas
  e o coqueiral, altivamente erguido.

O bando de aves tímidas, saudosas,
a desferir seu canto enternecido,
e aquele céu azul, indefinido,
cheio de sóis, de estrelas luminosas.

Quanta mudança encontrarás se um dia
 ali fores!. . . Tristonhos, tumulares,
 o arvoredo, o rosal !... O espaço mudo.

E só, errante, a soluçar, sombria,
 a saudade acharás se ali voltares.
Mas... Talvez tenhas esquecido tudo!


(Do Livro Póstuma, de Amélia de Oliveira, Impressos Mauá Ltda, Rio, MCML)




Olavo Bilac responde e revela o ardoroso anseio de retornar aos velhos e inesquecíveis tempos da  "Engenhoca"





PRIMAVERA
Olavo Bilac

Ah! quem nos dera que isto, como outrora,
Inda nos comovesse! Ah! quem nos dera
Que inda juntos pudéssemos agora
Ver o desabrochar da primavera!

Saíamos com os pássaros e a aurora.
E, no chão, sobre os troncos cheios de hera,
Sentavas-te sorrindo, de hora em hora:
“Beijemo-nos! Amemo-nos! Espera!”

E esse corpo de rosa recendia,
E aos meus beijos de fogo palpitava,
Alquebrado de amor e de cansaço...

A alma da terra gorjeava e ria...
Nascia a primavera... E eu te levava,
Primavera de carne, pelo braço!


(Incluso em Alma Inquieta, constante do trabalho intitulado "Poesia reunida de Olavo Bilac", H. Garnier, Rio de Janeiro, 1902)



 http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00291600





O idílio com Amélia inspirou a Bilac, na última fase da vida dele, os  sonetos  abaixo:





SALUTARIS PORTA
Olavo Bilac

Para conter aquella immensa chamma,
Os nossos corações eram pequenos:
Tivemos medo da paixão... E ao menos
Não vimos tanto ceu mudado em lama!

0 velario correu-se antes do drama...
E não houve perfidias nem venenos
Entre os nossos espiritos serenos,
Que a saudade do prologo embalsama.

Bemdigamos o amor que foi tao curto,
0 sonno vago que expirou tao cedo,
Sossobrado no porto antes do surto!

Feliz o idyllio que não teve historia!
Salvando-nos do tedio, o nosso medo
Foi uma porta de ouro para a gloria!


(Do Livro Tarde, de Olavo Bilac, Soneto, Livraria Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1919, 207 páginas)

 http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00292700





PERFEIÇÃO
Olavo Bilac

 Nunca entrarei jámais o teu recinto:
Na seducção e no fulgor que exhalas,
Ficas vedada, num radiante cinto
De riquezas, de gozos e de galas.

Amo-te, cobiçando-te... E, faminto,
Adivinho o esplendor das tuas salas,
E todo o aroma dos teus parques sinto,
E ouço a musica e o sonho em que te embalas.

 Eternamente ao meu olhar pompeias,
E olho-te em vão, maravilhosa e bella,
Adarvada de altissimas ameias.

 E á noite, á luz dos astros, a horas mortas,
Rondo-te, e arquejo, e choro, ó cidadella!
Como um barbaro uivando às tuas portas!


(Do Livro Tarde, de Olavo Bilac, Soneto, Livraria Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1919, 207 páginas)

http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00292700





Torturado pela lembrança da ex-noiva, desiludido, cheio de mágoa, Bilac cristalizou em versos todo o sofrimento que  alanceava a sua alma:




MALDIÇÃO
Olavo Bilac

Se por vinte anos, nesta furna escura,
Deixei dormir a minha maldição,
- Hoje, velha e cansada da amargura,
Minha alma se abrirá como um vulcão.

E, em torrentes de cólera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silêncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidão...

Maldita sejas pelo Ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!

Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!...


(Incluso em Alma Inquieta, constante do trabalho intitulado "Poesia reunida de Olavo Bilac", H. Garnier, Rio de Janeiro, 1902)

  http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00291600





 Em resposta aos versos acima, escreveu Amélia de Oliveira:





PRECE
Amélia de Oliveira

 Não te peço a ventura desejada,
nem os sonhos que outrora tu me deste,
nem a santa alegria que puseste
nessa doce esperança já passada.

 O futuro de amor que prometeste,
 não te peço! Minha alma angustiada
 já te não pede, do impossível, nada,
 já te não lembra aquilo que esqueceste!

 Nesta mágoa sofrida ocultamente,
nesta saudade atroz que me deixaste,
neste pranto que choro ainda por ti,

 nada te peço! Nada! Tão-somente
 peço-te, agora, a paz que me roubaste,
 peço-te, agora, a vida que perdi!


(Do Livro Póstuma, de Amélia de Oliveira, Impressos Mauá Ltda, Rio, MCML)




E a resposta definitiva de Bilac:





PRECE
Olavo Bilac  (em resposta)

Durma, de tuas mãos nas palmas sacrossantas,
o meu remorso. Velho e pobre, como Jó,
perdendo-te, a melhor de tantas posses, tantas,
malsinado de Deus, perdi... Tu foste a só!

Ao céu, por teu perdão, a minha alma, que encantas,
 suba, como por uma escada de Jacó!
 Perdi-te... E eras a graça, alta entre as altas santas,
a sombra, a força, o aroma, a luz. . . Tu foste a só!

Tu foste a só!. . . Não valho a poeira que levantas,
 quando passas. Não valho a esmola do teu dó!
- Mas deixa-me chorar, beijando as tuas plantas,

mas deixa-me clamar, humilhado no pó:
Tu, que em misericórdia as Madonas suplantas,
acolhe a contrição do mau. . . Tu foste a só!


(Do Livro Tarde, de Olavo Bilac, Soneto, Livraria Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1919, 207 páginas)


http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00292700





Recordações do Noivado






"O amor de Olavo e Amélia foi bem mais que amor —  foi religião."

                                   (De uma carta de Cora Bilac Guimarães* 
                                    a Adélia Mariano de Oliveira Miranda**)



                                   Nota do EM: (*) - irmã de Olavo Bilac.
                                                        (**) - irmã de Amélia de Oliveira




Cora Bilac Guimarães e a noiva do poeta   

 




Amélia de Oliveira (à esquerda) ao lado de Cora, irmã de Bilac



(Do Livro Vida e Poesia de Olavo Bilac, de Fernando Jorge, 5ª. Edição Revista e Atualizada, Editora Novo Século, Osasco, São Paulo, 2007, página 271)



Foi ela, Cora Bilac Guimarães, alma generosa, a voz consoladora de Olavo Bilac e de Amélia de Oliveira em seu longo período de separação.
”Amélia tornou-se a sua maior amiga. Pareciam duas irmãs. Visitavam-se uma ou mais vezes por semana. Essas visitas eram um pretexto para que Cora desse a Amélia notícias do irmão.
Falavam ambas do poeta, tardes inteiras enternecidamente. Cora jurava a todos que fora Amélia o único amor de Bilac, lembrando sempre que, se o poeta tirava retratos, mesmo em
viagens, dois lhes eram entregues ou enviados. Um trazia a dedicatória para a irmã. O outro, sabia-o Cora, era para Amélia. Esses retratos, ainda que sem o oferecimento de Bilac, falavam muito de seu carinho pela noiva amada, a quem ele chamava, na intimidade da família e dos amigos, de “minha viúva”.

Bilac morava em companhia da irmã. Na sala de visitas da casa de Botafogo, lá estava, em lugar de destaque, o retrato de Cora com Amélia. O poeta passava, às vezes, horas a fio, a olhar para esse retrato,  recordando e contando fatos ligados à Engenhoca.
Sobre a mesa do poeta, havia sempre flôres. E flôres vermelhas. Eras as flôres que Amélia oferecia a Cora, para serem postas ali, numa evocação perfumada de ser amor.

Freitas Guimarães, escritor consagrado e membro da Academia Paulista de Letras, baseado em depoimento da irmã do poeta, conta que “essas flores Bilac as via, dispostas com arte sobre a sua mesa de trabalho, e adivinhava-lhes a procedência.

“Certa vez, poucos mêses antes do seu desaparecimento, tendo-se repetido a cena das rosas, quis Cora observar a impressão que elas causariam ao poeta: pô-las na jarra, sobre a sua secretária, e ficou a olhar o irmão através de um reposteiro, acompanhando-lhe todos os movimentos.
“Bilac sentou-se na sua poltrona, defronte das flôres lindas, e assim ficou longo tempo, fitando-as; depois, levantou-se, beijou uma, duas, três vezes, com delicadeza infinita, uma rosa vermelha, que preferiu entre todas do formoso ramalhete, (talvês porque essa mais se parecesse com os lábios que outrora lhe haviam murmurado ao ouvido a mais eloquente palavra de ternura), e... chorou, batisou-a com as lágrimas abençoadas.”

Quando Bilac sentiu que estava mesmo para morrer, pediu à irmã que trouxesse a mulher amada à sua presença. Queria dizer-lhe uma cousa importante. Amélia, tomada de forte emoção, não teve coragem de ir a seu quarto, de satisfazer a vontade do poeta. Esteve, porém, como enfermeira invisível dele, junto a Cora, preparando-lhe, por muitos dias seguidos, a comida, observando o horário para os remédios, muitos deles por ela mesma preparados.
Via-o, discretamente, pela escura vidraça do quarto. Rezava a Deus pelas suas melhoras. Que não fosse tão longo o seu sofrimento !
E à hora em que Bilac fechou , para sempre, os seus olhos deslumbrados, à cabeceira do leito mortuário, dá-lhe Amélia o seu adeus entrecortado de soluços! Cora e o seu esposo lhe mudam as vestes. E é Amélia quem alisa os seus cabelos , quem afaga, pela última vez, aquela cabeça sonhadora, que ela tanto amou!

Laurita Lacerda , amiga íntima de Amélia, historiou que, “desde muito, guardava a ex-noiva do poeta grandes tranças dos seus negros cabelos de moça. Logo que Bilac expirou, 
confeccionou ela uma pequenina almofada , enchendo-a de seus cabelos; e nessa almofada, repousou aí a cabeça do poeta morto”.E mais que, "morto o poeta, cumpriu ela a promessa que fizeram ambos, nos dias de noivado. Usavam os dois o mesmo perfume, naquela época, , e prometeram, um ao outro, derramar o sobrevivente sobre o corpo do que partisse um frasco de Vitória-Essência — que era o perfume. E o corpo do imortal poeta brasileiro foi perfumado pelas mãos daquela que lhe perfumara a mocidade com o seu amor e o seu devotamento incomparável”.



 ("O Noivado de Bilac", de Elmo Elton, página 61 a 64)





 Amélia de Oliveira   —  a eterna musa de Bilac



"Amélia de Oliveira, após o enterro de Bilac, passou a usar, na mão esquerda, uma aliança em esmalte preto, orlada com um friso de ouro. Esse anel tinha as iniciais O.B. e a data do seu noivado — 11 de novembro de 1887 — gravadas na parte interna. Aliás, não foi a única prova de amor e fidelidade a Olavo, oferecida por ela, sentimentos contra os quais o tempo e a morte nada puderam fazer. Sim, pois escondido no decote de sua blusa, sobre o peito, Amélia trazia um medalhão de porcelana, montado em ouro, onde estava o retrato de Bilac, em plena mocidade. E no verso desse medalhão ela mandou gravar duas datas — 16/12/1865 e 28/12/1918 — indicativas do nascimento e da morte do poeta."



(Do Livro Vida e Poesia de Olavo Bilac, de Fernando Jorge, 5ª. Edição Revista e Atualizada, Editora Novo Século, Osasco, São Paulo, 2007,  página 322)




Carta da Família Mariano de Oliveira para o autor Elmo Elton a propósito da edição de "O Noivado de Bilac"  em 1954



Rio de Janeiro, outubro, 1953.

Meu caro Elmo Elton:

Abraço-o afetuosamente.


     Você, mais do que ninguém, conhece a história  sentimental de minha irmã Amélia de Oliveira.

     Você guardou dela os retratos, os versos da adolescência, as lembranças literárias, porque      Você, alma religiosa de artista, ainda conserva, acima de tudo, o amor pelas cousas boas do coração e do espírito. Portanto, era justo que eu lhe entregasse, para serem publicadas, as cartas de Bilac. Elas documentam  uma infeliz história de amor. Uma história de sonhos e de mágoa. Amélia, durante tôda a sua longa existência, fez segrêdo dessas cartas, embora pudesse ter feito uso delas quando, por tantas vezes, viu deturpada, pela pena de escritores apressados, a verdadeira história amorosa de Bilac.
    Agora, porém, faz-se mister a publicação dessa correspondência. E ninguém mais do que         Você, de acordo com o meu pensamento e também dos meus irmãos ainda vivos, merece o previlégio de trazer à luz esse documentário precioso.


                                               Sua patrícia,

                                            Adélia Mariano de Oliveira Miranda



 ("O Noivado de Bilac", de Elmo Elton, página 6)







AGRADECIMENTO





O blogue Expressão Mulher-EM muitíssimo agradece à Família Mariano de Oliveira a sua autorização para que fosse divulgada a poesia de Amélia de Oliveira. O blogue EM também muito agradece a simbólica presença da Família Mariano de Oliveira na Sala que acolhe Amélia de Oliveira e Olavo Bilac. O sentimento é o do mais profundo Respeito e Admiração a esses dois poetas que dignificam as letras nacionais e através dessas letras vêm contar, especialmente na forma de soneto, o seu imenso e magoado amor.

Sendo esta a posição da Família neste maio de 2014, encantado está o EM, pois faz-se completa a homenagem a Amélia de Oliveira e Olavo Bilac sessenta e um anos depois que, na carta de 1953, os parentes bem próximos de Amélia reconheceram terem ela e Olavo Bilac  tido um amor dos mais belos, mas prejudicado por conta do preconceito e do autoritarismo.

E hoje, ano de 2014, o orgulho dos membros da família zela pelo sobrenome "Mariano de Oliveira" através das gerações, fazendo reverência à qualidade das letras de Amélia e de Alberto de Oliveira (e de outros seus irmãos, também poetas). Aí estão Patricia (Metzger) de Oliveira (sobrinha-neta de Amélia de Oliveira) e sua tia Maria Amélia de Oliveira Bento que, com suas escritas poéticas hoje, irmanam-se ao EM nesta homenagem:


CONTRADIÇÃO 
Maria Amélia de Oliveira Bento

Do que eu gosto, poucos vão gostar
Gosto do vento que arrebata tudo
Adoro a chuva com seu canto frio
Da fria noite calma sem luar.

Gosto de ver o sol morrer aos poucos
Para que luzes as estrelas possam ter
Para que eu sinta a paz e o silêncio
Que durante o dia eu não pude ter.

Gosto de ver árvores secas e sem folhas
Gosto de ver cair água do céu
Gosto da rosa porque tem espinhos
Prefiro o amargo ao doce mel.

Gosto de ouvir o choro da criança
Gosto de ver a gota do orvalho
Que pendurada se espatifa ao chão
Gosto e quero sentir o abandono
Acompanhado da calma solidão.

Gosto da morte mais que o nascimento
Gosto do fim mais que o começo
Gosto da terra, gosto mais do céu...

Gosto do céu porque não posso tê-lo
Não posso nem sequer compreender
Porque foi o céu o escolhido
O lugar santo para Deus viver.

Terça-feira, 7 de fevereiro de 2012.





SAUDADES 
Patricia Metzger

Nada tenho
Além de Ti
Lápis a riscar...
Rascunhos de sentimentos...
Rasuras na alma,
Papel amassado
Coração partido
E a dor no olhar!
Angústia.
De quem vive na esperança,
De encontrar no futuro
O que só no passado está...


22/03/2012







Carinhos agradecidos.













Blogue Expressão Mulher-EM
Rio de Janeiro/RJ, 22 de maio de 2014.




Fontes de consulta do blogue  Expressão Mulher-EM:






"O Noivado de Bilac, Elmo Elton, Coleção “REX”, Edição da “Organização Simões”, Rio, 1954




                                                      ___________






"Vida e Poesia de Olavo Bilac",  Fernando Jorge, introdução de Menotti Del Picchia, 5a. edição revista e aumentada, Osasco/São Paulo, Novo Século Editora, 2007




___________








• 16.  Poesias : edição definitiva
Bilac, Olavo, 1865-1918
(Rio de Janeiro : H. Garnier, 1902)

•Autor:  Bilac, Olavo, 1865-1918
Título:  Poesias : edição definitiva
Local de Publicação:  Rio de Janeiro : H. Garnier
Ano de Publicação:  1902
Descrição Física:  272 p.
Idioma:  Português

Resumo:  Os poemas de Bilac foram reunidos em livro pela primeira vez em 1888, com o título de Poesias, e continha três seções: "Panóplias", "Via Láctea" e "Sarças de fogo". Em
1902, foi publicada com o registro de "Edição definitiva". Este volume é composto de seis conjuntos: os três da primeira edição e "Alma inquieta", "As viagens" e o pequeno poema
de caráter épico "O caçador de esmeraldas". Nas "Viagens", o poeta incluiu o poemeto "Sagres", publicado por ocasião do quarto centenário do descobrimento da Índia, em 1898.

Direitos:  Domínio público

Assunto:  Literatura brasileira - Séc. XX
Poesia - Séc. XX - Brasil

Assunto:  Brazilian literature - 20th century
Brazilian Poetry - 20th century

URI:  http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00291600

Tipo:  Livro





• 3.  Tarde
Bilac, Olavo, 1865-1918
(Rio de Janeiro : Livraria Francisco Alves, 1919)  

•Autor:  Bilac, Olavo, 1865-1918
Título:  Tarde
Local de Publicação:  Rio de Janeiro : Livraria Francisco Alves
Ano de Publicação:  1919
Descrição Física:  207 p., índice
Idioma:  Português

Resumo:  Este livro, de publicação póstuma (1919), foi, em tempos, o mais conhecido livro de sonetos da literatura brasileira. Fruto da maturidade, traz alguns dos mais notáveis
poemas do seu gênero. Vários dos sonetos estão organizados em núcleos: um conjunto brasileiro, no qual a terra e os mitos nacionais são tema para desenvolvimentos vários; um
conjunto "clássico", no qual personagens bíblicos e da mitologia grega fornecem a matéria principal; um terceiro centrado em odes para grandes artistas do passado. Além dos
núcleos, sonetos avulsos compõem uma espécie de balanço de vida ou testamento estético.

Direitos:  Domínio público

Assunto:  Literatura brasileira - Séc. XX
Soneto - Séc. XX - Brasil

Assunto:  Brazilian literature - 20th century
Sonnet - Brazil - 20th century

URI:  http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00292700

Tipo:  Livro














































8 comentários:

  1. Querida Regina, é com lágrima nos olhos e o coração repleto de orgulho e felicidade, que quero te agradecer pela linda homenagem a minha tia-avó Amélia Mariano de Oliveira.
    Uma pena termos perdido contato.
    Meu email p.o.metzger@hotmail.com
    Ficou extremamente lindo o trabalho de vocês.
    Muito obrigada pelo carinho e reconhecimento.
    Beijos
    Patricia Oliveira( Metzger)

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    1. Querida Patricia,

      o blogue Expressão Mulher-EM agradece o seu tocante comentário. Para nós foi uma honra trazer às nossas páginas a bela poesia de Amélia de Oliveira, inclusa em ENVOLVÊNCIAS, na história de amor entre ela e o poeta Olavo Bilac, e no segmento ETERNAS, no qual Amélia apresenta-se só, com todos os méritos, enriquecendo as letras nacionais.O EM sente-se feliz com a merecida homenagem a Amélia, que já era poetisa antes de ser "a musa de Bilac", e congratula-se com a Família Mariano de Oliveira que permitiu fossem trazidos dos livros para a internet esses momentos de encantamento e beleza. Para Patricia, sobrinha-neta de Amélia de Oliveira, um especial e grato abraço.

      Blogue Expressão Mulher-EM / Rio de Janeiro/RJ
      Ilka Vieira (in memoriam) e Regina Coeli

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  2. Fui ás lagrimas ao terminar de ler, fico muito feliz em saber um pouco mais sobre a vida e obra deles, parabéns a todos do blogue, está tudo perfeito.

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    1. Querida Kamilla Bilac,

      seu comentário é um prêmio ao capítulo Amélia de Oliveira & Olavo Bilac inscrito com Zelo, Respeito, Carinho e Amor neste livro que vamos escrevendo e que tem por nome Expressão Mulher-EM.
      Num mundo que, muitas vezes, tenta adivinhar o que nos trará o dia seguinte, é-nos extremamente prazeroso olhar as experiências do passado, as suas vivências, os ambientes em que aconteceram fatos que tatuaram corações, mas cujas dores renderam maravilhosas obras literárias ao amparo da sensibilidade, da pena e do papel. Esses foram os tempos de Amélia de Oliveira & Olavo Bilac, traduzidos para um escrever magnífico que traz orgulho a quem preza as letras bem escritas e os sentimentos lavrados com perfume de rosas.
      Kamilla, estamos felizes por termos feito chegar a você um pouco da emoção que também sentimos ao relatarmos o romance de amor entre Amélia & Bilac. Se quiser, fale-nos algo sobre o que o seu sobrenome "Bilac" nos sugere seja um parentesco seu com o brilhante poeta que é umas das referências máximas na poesia nacional.
      Seu comentário nos encantou e nos presenteou.
      Aceite o abraço agradecido do
      Blogue Expressão Mulher-EM
      (expressaomulher@gmail.com)
      Ilka Vieira ("in memoriam") e Regina Coeli/Rio de Janeiro (RJ).

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    2. Olá, foi com imensa alegria que recebi o cometário de vocês, sinto-me abraçada com tanto carinho e atenção. Gostaria de poder dizer há vocês um pouco mais sobre o meu sobrenome, mas infelizmente, não sei muito há respeito, embora já tenha procurado diversas vezes saber qual a origem, nunca obtive uma resposta concreta, mas oque posso lhes dizer é que, o meu avô paterno se chamava Olavo José Bilac, apenas os filhos homens herdaram o sobre nome, a qual um deles é meu pai; Cesar Augusto Bilac, e isso é tudo oque sei até o momento!
      Me coloco a disposição de vocês, e agradeço imensamente a atenção.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Parabéns pelo trabalho, pelo belo e emocionante relato!!!

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  5. Parabéns pelo belo trabalho!!! Gostaria de fazer contato para acrescentar algumas informações pois esse assunto me interessa e venho pesquisando com esse mesmo livro. chrispereiradesouza@gmail.com

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