* SARAH DE TOBIAS (Brasil)




 


EU
Sarah de Tobias

Eu sou o producto de subtil materia,
Movida por um sopro omnipotente,
Cheia de podridão e de miseria
Que vibra e ama e sonha e pensa e sente...


Fallando a Esmo
Sarah de Tobias

         I

Se não ardesse em chammas o desejo,
Se não vivesse n'alma do perfume
Tudo o que aspiro e vejo:
Que seria de mim, triste sózinha,
Adivinhando o teu perfil, no lume,
Sentindo que o desejo te adivinha?

Que seria de mim? Vamos, responde,
— Na solidão amarga do meu leito,
Onde o perfume teu se esconde, 
Sonhando o afago das tuas mãos profanas
A percorrer nervosas o meu peito —
Se eu soubesse amanhã que tu me enganas?

Mas, não, devo espantar essas ideias,
Devo afastar essa cruel tortura
E rebentar da sociedade as teias... 
Eu sinto, a chamma ardente do desejo,
E vibrar dentro em mim uma loucura
Que me impelle á conquista do teu beijo.

A mentira social repillo inteira,
Antes ébria de amor morrer amando
    A viver prisioneira
Das suas leis fingidas, mentirosas,
Dentro da solidão agonizando
      Como as rosas...


       II


Esta carne de lyrios e de rosas,
Que se agita ao calor da mocidade,
Que aspira o afago das tuas mãos nervosas
Numa louca vertigem de anciedade.

Esta carne que é tua, que é só tua,
Que se arrepia e que se agita anciosa
Palpita e freme quando o sangue estu'a
Numa furia incontida e deliciosa.

Esta carne rebelde em chammas arde,
Numa vertigem de delirio insano,
E, na penumbra azul da longa tarde
Busca o teu lindo corpo de espartano...

E mil segredos tem a carne ardente,
Quando do sangue a floração purpurea
Se estende em arabescos lentamente
Num impulso infinito de luxuria.

E de ancia em ancia a minha carne espera
Espera e soffre louca de desejos,
A caricia de nova primavera
A divina harmonia dos teus beijos...


      III


Nu'a, solto o cabello, o corpo meu exponho
A' caricia subtil dos teus olhos profanos;
E ébria do meu amor, rolo de sonho em sonho
Pelo abysmo sem fim, dos delirios insanos.

Canto a gloria pagã e em cada estrophe ponho
Toda a força e a expressão dos impulsos humanos..
Vibro no meu retiro e os versos que componho
Têm a rude impulsão dos desejos tyrannos...

Em ancias me debato, em delirios me agito,
Imitando a solidão, insondavel e muda,
No desejo da posse auscultando o infinito...

E demoro o olhar a percorrer o espaço
E o espaço, altivo, infinito, em chammas se transmuda
Para envolver subtil meu casto corpo lasso...


Soror Dolorosa
Sarah de Tobias

Reconforta-me a furia dos devassos,
0 suspiro rithmado dos violinos,
O coleio febril dos corpos lassos
E os violentos impulsos femeninos.

Irrita-me a cadencia dos meus passos,
O pello acariciante dos felinos,
O triste colorido dos espaços,
E o rithmo lento dos enfermos sinos...

Tortura-me o desejo das perdidas,
Das que trilham do vicio a longa estrada,
Das que fingem e são apetecidas...

Mas revolta-me o cerco destes muros,
Onde vivo escondida e torturada
Mostrando ás outras pensamentos puros...


Ellas e... Eu
Sarah de Tobias

Quando vou de passeio e vejo pelas ruas
Silhuetas de mulher que passam quasi nu'as,
Expondo-se ao olhar dos homens pervertidos.
Tenho pena e lastimo aquella mocidade,
Que podendo occultar a sua virgindade
Procura desvendal-a excitando os sentidos...

Eu comprehendo... A final, o desejo é perverso,
Mas o effeito que causa a mulher é diverso,
      Ao que ella tem em mira
Mostrando a lassidão do seu corpo de virgem,
Ella quer provocar nos homens, a vertigem
      Da paixão e é mentira.

Para poder prender os homens, é preciso,
Um pouco de talento e outro tanto de juizo;
     Tendo essas qualidades.
Basta um gesto de graça e alguma mocidade.
Porque o homem é fraco, ama a curiosidade.
    Detesta as realidades.
O homem é vulgar, ama o que não comprehende,
Um olhar, um aceno um sorriso e se prehende
    Na rede da illusão...
Quando se lhe ama, é cruel, é mao, é desdenhoso.
Mas dando-lhe o desprezo, é ideal, é carinhoso.

    E ama com paixào.
Eu que o sei comprehender, caminho pela vida,
Com o seio a tremer e a belleza escondida,
Da minha carne rubra, ao seu olhar profano...
Pois escondendo assim, o meu corpo bonito,
Eu sei que facilmente os corações agito,
E desperto o desejo em todo o ser humano...


A Violação de Thamar
Sarah de Tobias

"0 filho primogenito de David,
Amnon, aconselhado por seu primo
Jonadab, prepara urna cilada, com o
o fim de violar a sua irmã Thamar.


    I

Nas planicies de Sião, á sombra do arvoredo,
Amnon e Jonadab, conversam em segredo.


Amnom, melancholico :

— "Quanto eu soffro Iahvé, e, soffro por amar,
Com cégo e rude ardor, a minha irmã Thamar!...
Ruge em mim, com furor, impetuoso, o desejo
Exalta-me o seu corpo e allucina-me o beijo
Dos seus labios em flôr...”

Jonadab, assombrado :

— "Amas a tua irmã!"

Amnon, envergonhado :

— A filha do meu pae, mais linda que a romã...
Ouço que a sua carne, a minha carne chama,
Que a vertigem do amor infinita me inflamma..."

Jonadab, que nutre paixão pela filha do Rei
de Israel, mas que, repellido por ella jurou
vingança, finge commover-se :

Amnon, enthusiasmado:

— "Os olhos de Thamar, são rutilas saphiras
Que accendem inda mais o fogo em que me agito...”


Jonadab, com fingida austeridade :

— "Se o teu amor é grande, é maior teu delicto...”

Amnon, interrompendo :

— "Seu corpo de alabastro embriaga como absintho,
E os seios a fremer são rosas de Coryntho,
Que eu quero desfolhar e beijar nesta furia
Para gloria do amor e triumpho da luxuria...


Jonadab, com falsa amizade:

— “Amnon, o meu amigo, o teu desejo e immenso,
Mas, para todo mal, ha um remedio, e, eu penso.
Que poderás vencer gozando o corpo ardente
Da filha de Maaká, a mais bella do Oriente..."
— "Como? Não te comprehendo.'

Jonadab, perscrutando o arvoredo:

— "Chega-te a mim, escuta:

Eu comprehendo a paixão que te agita e enluta,
Que tortura o teu corpo e tortura a tua alma...
— Mas, vê para triumphar é necessario calma.
Vae para o gyneceo quando a luz esmaece
E, para realizar este plano, adoece.

Como o teu pavilhão, é retirado, espera,
Que venha do teu pae, alguma mensageira...
A essa, deves pedir que te venha cuidar
A belleza de Siào... A divina Thamar...
E ahi, nesse retiro onde a calma fluctua,
A pureza triumphal de Thamar será tua...


    II

"Amnon, em seu pavilhão do "gyneceo",
espreita a semi-obscuridade que envolve o
seu leito."

Sentindo o coração a palpitar no peito,
Amnon, ardendo em febre, espera sobre o leito.

Amnon, em soliloquio:

— "Será minha, será. A sua carne virgem
Eu sentirei vibrar em lubrica vertigem...
E, nessa ancia febril, nessa delicia louca,
Eu beijarei seus pés, seu collo, sua bocca,
Meus labios, entoarão o hymno dos meus desejos,
Seu corpo envolverei no manto dos meus beijos...

Será minha... Será. O doce sacrificio
Se approxima afinal... Extincto o meu supplicio.
Venha a magua, o pezar, a morte, a sepultura,
Tudo supportarei em troca da ventura
Que ha tanto tempo almejo..."


Thamar, entrando:

— "Meu irmão, meu irmão.
Sei que muito esperaste e te peço perdão...
Quiz meu senhor e pae, que trouxesse commigo
Estes bolos que vês, de uvas e de trigo
Que eu mesma preparei..."    


Amnon, allucinado, toma entre os seus
braços robustos, o fragil corpo de
Thamar, murmurando :

—"Minha doce Thamar,
Soffro muito e estou cançado de esperar
O teu corpo adorado... O meu desejo é forte,
E não temo afrontar, por teu amor a morte...

Deliciosa Thamar, vê que eu soffro e te amo,
Que é sublime o desejo e o amor em que me inflammo.
Vem a mim, vem a mim, ó minha doce amante
Deixa beijar assim, o teu corpo radiante...

"Thamar, em vão tenta fugir e despojada
do manto que envolve o seu corpo, desmaia
nos braços de Amnon"

E ecôa pela tarde infinita e calada
O supremo estertor de uma virgem violada...


    III

No valle de Sião agonizava o sol,
Tingindo levemente o lubrico arrebol...
Pobre de mim, e eu só vivo triste, a sonhar
A violencia de Amnon e a magua de Thamar...


Freira
Sarah de Tobias

A' meia luz da semi-obscuridade,
Onde domo o furor dos meus impulsos,
Sinto horror e repillo a virgindade
E o triste manto que me algema os pulsos.

Envergonha-me a falsa castidade,
Amo, os impetos lubricos, convulsos,
A alvorada da minha mocidade,
Os desejos insanos e propulsos...

Amo, os rutilos sonhos de ventura,
A violenta emoção do meu delirio
E o peccado que afaga e que tortura...

Mas odeio e maldigo este convento,
Onde vivo carpindo o meu martyrio
E abafando o meu proprio sentimento.






























Aos poucos morre a tarde no poente,
Canta na sombra o meu amor... Palpito.
E, o sol que inclina a fronte de doente,
Tem o aspecto cançado do proscripto.

Geme uma folha sob os pés, dolente;
Choram as rochas brutas de granito.
A sombra avança magestosamente
Acariciando o corpo do infinito.

A natureza agita-se nervosa,
Sente da luz uma saudade enorme,
Emquanto a sombra avança vagarosa.

E dentro dessa magua que me altera,
Sinto vibrar em mim, o impulso enorme
Da carne a me assaltar como panthera...


Tortura Intima
Sarah de Tobias

Dentro da obscura noite a musica sonora
De um beijo, ecôa mansamente...

A sombra, inclina a fronte sonhadora
E envolve o verde corpo ardente,
Da Natureza virgem...

E' a hora da vertigem...
E, até parece,
Que o silencio, embalado na sombra adormece

No céo distante, as primeiras estrellas
Palpitam amorosas.

Um queixume de folhas amarellas
E um perfume de rosas,
Erram pelo infinito...

E, na paz emolliente dessa hora,
Eu choro, e, ardo em febre e me agito.

A calma sonhadora,
Desta noite sem luar,
Agita o meu desejo e me devora,
A infinita vontade de peccar...

E tenho ancias de amar... de apertar o Infinito,
E de lançar a esmo o meu triumphante grito...

Doe-me a tortura de não ter amado
E levo dentro d'alma essa tristeza.
Vendo vibrar na sombra a Natureza
No espasmo delicioso do peccado...


Ao Meu Sonho
Sarah de Tobias

Gloria a mim! que sonhei, na ancia do meu desejo
Pelo deserto hostil da minha vida rude,
0 divino sabor do teu primeiro beijo,
A primavera em flôr da tua juventude!

Vem a mim... Vem ouvir o voluptuoso harpejo,
Do enfermo coração cantando á solitude...
Tenho sede de amor, e este feliz ensejo,
Será meu, será teu, será nossa virtude...

Vem a mim... Vem unir, numa volupia louca,
A tua alma á minh'alma, inteiramente nu'a.
O teu corpo ao meu corpo, e a bocca á minha bocca...

Mas, ó sonho pagão, se fores sonho só
Que eu não te goze nunca e nunca te possua,
Na viagem triumphal do ser humano ao pó...


Salomé e Yokanan
Sarah de Tobias

    I

0 tu, que tens o aspecto de selvagem,
Feroz e rude, repugnante e feio,
Que envergas uma pelle qual roupagem,
E tens nos olhos um clarão de anceio.

Despe esse manto, que o furor da aragem
Bata com força no teu corpo em cheio,
Deixa que eu veja em pleno sol tua imagem,
Que fite anciosa o pello do teu seio

Rude pastor que assim soberbo fitas,
O meu corpo ondulante e apetecido,
Onde vibram doçuras infinitas.

Pagarás com a vida, e a vida é pouca,
Para a offensa de ter escarnecido
0 beijo que offertava a minha bocca....


   II

Yokanan o pastor, indifferente
Sereno em sua dôr, profunda, intensa,
Emquanto Salomé se agita ardente,
Na horrivel dança como vil serpente,
Contempla o céo indefinido e pensa...

— "Maldita seja esta mulher, maldita,
Que a colera do céo, a attinja inteira,
Pois o peccado tentador palpita
Em seu corpo, que lubrico se agita,
Com a furia violenta da Panthera..."

Heródes, ouve a maldiçào do crente,
E rancoroso, enfurecido, exangue,
Num gesto brusco de terror, latente,
Ordena ao vil carrasco impenitente
Vingar a offensa derramando sangue...


   III

E´ morto Yokanan. E Salomé dançando,
Agita mais e mais, o corpo ao rithmo lento
Da musica infernal... Mas subito parando,
Derrama o olhar em torno, allucinado, attento...

Palpita o coração, o seio vibra arfando,
E, Salomé descobre o rosto macillento
Do amado Yokanan, decapitado, quando,
Ella agitava a rir, o corpo ao rithmo lento...

Num impeto brutal, allucinada, louca,
Se atira Salomé sobre a cabeça quente
Do pobre Yokanan e beija-a na bocca...

Treme a assembléa toda e Salomé furiosa,
Soluça e grita e ri e morde e beija ardente
E se estorse afinal e desmaia nervosa...


Bálkis
Sarah de Tobias

Sou a rainha de Sabá, onde impera,
A força soberana das mulheres ;
Da esplendida cidade dos prazeres,
Onde se rende adoração a Aschéra.

Trago em mim o esplendor da primavera,
Vê, Salomão, se os meus encantos queres,
Apura a intelligencia afim de teres,
Resposta breve, logica e severa...

Assim fallando Bálkis, um madeiro,
Entrega ao rei... Sereno, intelligente,
Responde Salomão: — "é de um Outeiro

E, representa a voluptuosidade —“
Bálkis suspira, e, deliciosa, ardente
Concede ao sabio rei a virgindade...


Sonho de Virgem
Sarah de Tobias

Sonho que vens, radiante de belleza,
Beijar lassivo e tonto a minha bocca.
E eu tremula de gozo e de surpresa,
Sinto em sonhos, que o sonho me suffoca...

Num arroubo sublime de impureza.
Abro os braços, ardendo em ancia louca,
E num mixto de amor e de incerteza,
Minha bocca, procura a tua bocca...

Louco de amor, afagas o meu peito,
Ardes e fremes no delirio extremo
E tombas extenuado e satisfeito...

Acordo... Maldição. Tudo é tristonho,
Foi mentira o meu sonho, e, de odio tremo,
Na certeza que foi apenas sonho...


Merah
Sarah de Tobias

Soluçante de amor, em retiro espero,
O beijo redemptor, que a minha bocca aspira
E na pompa triumphal do meu sonho ligeiro,
Sinto rugir em mim, o amor de Dejanira.

Um arrepio bom, corre o meu corpo inteiro,
Cheio de fogo e amor, o peito arfa e suspira
Sinto a carne vibrar, ao afago de Nero,
E na orgia do sonho, o cerebro delira...

O sangue em turbilhãos, borda a carne purpurea,
Lascivo em torno meu, baila tonto o desejo
E queima a minha bocca a espuma da luxuria.

Ergo a taça do amor, bebo o lethal veneno,
E, sobre o collo nu', a aza leve de um beijo
Afaga mansamente, o meu corpo moreno...


A Aspiração de Lenia
Sarah de Tobias

No torvelinho azul dos meus sonhos magneticos,
Vejo spectros rugindo enfurecidos, presos,
Agitados quiçá, por impulsos freneticos,
Na delicia feliz de todos os excessos...

Beija o meu corpo assim, em fremitos electricos,
Kaldi, aperta inda mais os musculos retezos,
Que ao furor infernal dos teus bragos athleticos
Quero tombar cançada, olhos fundos e accezos...

Grita a carne feroz, num lubrico delirio,
No gozo espiritual de impudicos desejos,
Arfa e chora maguada ao peso do martyrio...

E é tão forte o desejo e tão forte é o supplicio,
Que só vivo esperando a gloria do teu beijo
Para morrer feliz á sombra do teu vicio...


Exaltação de Ladice
Sarah de Tobias

Eu que trago na carne a sensação ardente,
Os impulsos de amor, impudicos, bestiaes,
Eu que tenho a maldade, impura, da serpente,
E o fructo que tentou nossos primeiros paes...

Eu, que sinto no corpo um fogo incandescente,
Desejos de peccar, violentos e brutaes,
Eu que vivo a sonhar arrebatadamente
Os beijos de outro ser, ardentes e sensuaes...

Eu que aspiro rolar feliz de leito em leito,
Que sonho com o amor e que não sei amar,
Sinto pulsar violento o coração no peito

Quando fito o teu corpo e contemplo o teu porte,
E fico tristemente a scismar, a scismar,
Na delicia do amor... Na tortura da morte...


A Loucura de Saul
           O Tocador de Kinor
                            E Os 
                              Amores com Mical

Sarah de Tobias

                (Episodio biblico)

 "'Os céos cantam a gloria de Iahvé...
“O Eterno armou a Sua tenda no Sol, e o
Sol, quando desperta, surge aos olhos dos humanos
como um noivo quando sahe da alcova
nupcial"...


    I


A harmonia do azul, no infinito dos céos,
Canta a gloria do amor, cantando o proprio Deus...

Em Guibea de Benjamin, Saul, o rei amaldiçoado
pelo Nabi, encerrado na sala de Armas
do gyneceo, vê por todo lado phantasmas
vindos do Scheol:

Range os dentes em furia, em cólores se agita,
Por toda parte vê, phantasmas que o perseguem
E abre os braços feroz, e os braços não conseguem
Apertar com furor os phantasmas... e grita...

"Que o rei elouqueceu", murmura-se em surdina
E a populaça em torno ao gyneceo inquieta,
Se agglomera e murmura: — "a colera divina
Cahiu sobre Saul pela voz do Propheta !...

Saul, o vencedor de Amaleq, encerrado,
No vasto gyneceu, rodeado de trophéos
Olha em torno, com furia, a multidão, o gado
Que anda solto a balir... Olha com raiva os céos...

As mulheres lá fora, as tunicas rasgadas,
Batendo sobre o peito agitam o kinat
Soltando pelo ar, convulsas gargalhadas
Num mixto de terror e amor pelo Sabath

Ante a furia do céo e a vingança de Iahvé,
Saul, o altivo rei do povo de Israel,
Sente o peso brutal da raiva de Sahé.
Que pouco a pouco innunda o coração de fel.

A lubrica Merab e a pallida Mical
Filhas ambas do rei, agora amaldiçoado,
Procuram atenuar, a força desse mal,
Que agita o coração do rei allucinado;

E cheias do esplendor da mocidade ardente
Se approximam do rei, encantadoras, mansas,
Trazendo ao soberano outr'ora indifferente
Um ramo multicor de lindas esperanças...

Merab e Mical, fallando ao rei:

— "Nosso pae e senhor, a vida assim. é ingrata,
Para um rei como vós, e, impõe o nosso amor,
Que mandemos buscar, lá das bandas de Ehprata,
Um habil e sereno e pallido pastor,
Que arranca notas mil, em branda serenata
Quando toca febril seu magico "kinor"...

Assim esquecereis, o mal que vos agita,
A dôr feroz e má que vos magoa ainda,
Ao rithmo do kinor do jovem bethlemita...
Mandae senhor e pae, pois essa dôr infinda,
Ao rithmo celestial da musica bemdita
Transformada em prazer será mais doce e linda!!

Saul, chamando Doeg, ordena a vinda
do pastor:

— "Quero esquecer de vez as minhas agonias
E espantar o pezar que o destino semeia...
— Parta para Bethlem, á casa de Isaias
E ordene a esse David, a vinda até Guibéa''...

O administrador dos rebanhos, parte á
procura do jovem pastor, sagrado pelo Nabi
rei de Israel.


   II


As filhas de Saul,
O rei amaldiçoado,
Esperam vêr no azul
O principe encantado...

Será bello o pastor?
Perguntam em segredo,
Ambas cheias de amor,
Ambas cheias de medo...


As filhas de Saul vão para os bosques esperar
o pastor...

Architecteando em sonhos
Encantados castellos,
Olhos, langues e bellos,
Torturados em ancia,
Percorrem a distancia,
Indagando tristonhos

Onde estará o pastor,
O jovem bethlemita,
Cujo meigo "kinor"
Em suas mãos palpita?

Subito apparece na distancia, David,
que vem em companhia de Doeg

Eis que surge no caminho
Meigo e bello o pastorinho...

David, chega perto de Merab e Mical

Vem de uma longa jornada
A pelle fina, queimada,
Mas de uma belleza sã,
E' mais linda que a romã...
Olhos negros e pisados,
Cabellos pretos cacheados,
Labios tingidos de sangue,
Chega afinal, vem exangue...

David que chega radiante
De sublime formosura,
Tem no pallido sembiante
Um ar de meiga doçura...

David apeando-se do jumento e dirigin-
do-se ás filhas de Saul:

Lindas filhas de Saul
Rei do povo de Israel,
Lastimo que o meu corcel
Seja tardo e seja rude,
Para cortar a amplitude,
Veloz como o pensamento
E num rapido momento
Vir sereno como a idéa
Desde Bethlem a Guibéa...
Invejo o vôo das aguias
Que soberbas e altaneiras
Cortam serenas o azul...

Quiz em vão chegar de pressa
E caminhei pelo monte...
Mas vi com funda tristeza,
Surgir o sol no horizonte...
E caminhei... Caminhei...
Mas, ingrato tombou o sol,
E eu que era alegre, fiquei
Triste por vêr o arrebol...

David, entrega a Merah um bolo de mel;

Acceitae este presente
Que não tem nada de estranho,
E' o fruto do meu rebanho
Trabalhado humildemente...

0 pastor offerta a Mical duas pombas
brancas :

Não reclama muita sciencia
A offerta que vos destino.
E' o symbolo da innocencia
E do amor casto e divino...

David, guiado por Merah e Mical, e, acompanhado
por Doeg, chega ao gyneceo, onde
Saul esperava a sua chegada.


   III


A treva pela noite é um manto de velludo,
Sobre a triste Guibéa onde repousa tudo...

David é recebido pelo rei na sala de armas.
Este, teve um choque violento, vendo o jovem
pastor, porém é dissipado pela attitude
humilde de David.

Saul, dirigindo-se ao pastor:

Pelo Deus vivo que amo, espero ó bom pastor
Que dissipes meu mal com teu meigo kinor...

David, obedecendo, entôa um hymno. Ha
urna vaga fragancia de sandalo e a luz agonica
nos candelabros solitarios...

O bethlemita, após o hymno de amor, cujas
notas cariciosas ainda se derramam na grande
sala do gyneceo, contempla os olhos lindos
de Mical.

Falla o Rei:

— "Jovem pastor, a tua musica me embriaga
Doce e feliz, meu coração enfermo afaga...
Toca mais, inda mais, deixa que eu adormeça
Ao rithmo do kinor, num sonho de belleza...
Quero esquecer a magua, o pezar esquecer
E ouvindo-te tocar, tranquillo adormecer...

O rei adormeceu — sómente Mical contempla
amorosa os olhos do pastor, que continua
tocando.

Na semi-obscuridade, o metal estremece,
0 oiro, vive agora, e, na sala parece
Que a vida despertou e palpita nas cousas...

Erra um perfume além de sandalo e de rosas
E o "kinor'' a trinar harmoniosos harpejos.
Como um amante ideal vae derramando beijos.

Tocada pelos effluvios da harmonia, a flôr
do amor abriu no coração de Mical, que se
approxima de David...

Em quanto a luz dos candelabros esmaece,
Lento o kinor suspira e languido emmudece
............................................................

O torso semi-nu'... Com as pomas erectas,
Mical vibra, sentindo as emoções secretas...

Em Guibéa de Benjamin, o sol accorda  entre 
nuvens...


A Um Fauno...
Sarah de Tobias

Meu pobre e lindo Fauno adolescente,
Como o som da tua flauta faz vibrar
A minha carne, arrebatadamente.
   Dentro da noite de luar...

E quando ecôa a musica sonora,
Da tua flauta de marfim
Sinto vibrar ó Fauno, dentro em mim,
   Uma volupia tentadora.

Amo o teu lindo corpo esguio e forte,
Os teus olhos em languidos cilicios,
Amo o ardor infinito dos teus vicios
   Que dão a vida e a morte...

Amo a noite de luar, serena, calma,
O brilho esplendoroso das estrellas,
Amo as estrophes languidas e bellas
   Que para mim arrancas d'alma...

E quando vens, dentro da noite quieta
A' luz do luar alvissimo de prata
   Entoar uma sonata,
Eu sinto ó lindo Fauno adolescente,
Que amo o poder, arrebatadamente,
   Que te fez homem e te fez poeta...


Suggestão
Sarah de Tobias

Amo ao cahir do sol, a olympica belleza
    Que tonaliza o poente,
Amo o sol que tombou como um adolescente
    Enfermo de tristeza...
Tenho culto por tudo o que é vellado e frio,
    Pelo cantar do rio,
Por tudo o que é ligeiramente
    Transparente...

Borda o sol ao morrer, esboços de aquarellas
    Serenas e bizarras...
Ouvindo o farfalhar das folhas amarellas
    Alegres chiam as cigarras...
Eu amo as noites claras de abandono
    Em que o luar,
Tem caricias de luz e desmaios de somno
    E se fica a scismar...


Adeus
Sarah de Tobias

Versos que eu trabalhei á sombra do retiro,
Onde vivo enganando as emoções que eu sinto,
Levae para o além o languido suspiro
Da magua e do pezar que agitam meu instincto.

Ide felizes, voae á paz das horas quietas,
Levae meu desencanto em phrases voluptuosas,
A' santa inspiração dos lubricos poetas
Ao retiro feliz das virgens amorosas...

Emoções que eu senti, palpitando Secretas
Levae o meu ardor, deixae-me as horas quietas.
















































Créditos à obra:

Autor:  Tobias, Sarah de  
Título:  Emoções secretas (versos) 
Local de Publicação:  Curitiba : Placido e Silva & Cia 
Ano de Publicação:  1924 
Descrição Física:  93 p., fot. 
Idioma:  Português 
Direitos:  Domínio público 

Assunto: 
 Literatura brasileira - Séc. XX  
 Poesia - Séc. XX - Brasil   

Assunto: 
 Brazilian literature - 20th century  
 Brazilian Poetry - 20th century   

URL:  http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/01925600 Tipo:  Livro 

2 comentários:

  1. Humberto Rodrigues Neto1 de set. de 2013, 16:11:00

    Estamos diante de uma excepcional sonetista! Sarah de Tobias é perfeita na obediência à métrica, escorreita na cadência e na harmonia, e estupenda no rendilhar os versos finais, os quais tocam, inexoravelmente, o intimo mais recôndito de nossas emoções! Seu livro “Emoções Secretas” versa, na maior parte, sobre poesias eróticas, dificílimas de engendrar por exporem, mesmo os poetas mais experientes, ao risco de descambarem para o burlesco quando do abuso de termos não condizentes com a ética, isto quando não resvalam até mesmo para aqueles mais ao gosto do populacho. O surpreendente no seu poetar é que, apesar de sua obra ser algo forte e ousada, não se vê nela qualquer vocábulo capaz de causar algum constrangimento a quem tenha a oportunidade de lê-los. Daí a razão de eu a ter classificado como excepcional, pois poetas desse naipe, e nesse estilo, são muito difíceis de se encontrar na literatura contemporânea. Ainda bem que o "Expressão Mulher" prima, para gáudio de seus leitores, em exumar do anonimato essas autênticas pérolas literárias que bem poucos conhecem!

    É o que tenho a dizer.
    Humberto-Poeta,
    São Paulo/SP

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  2. Há muito o que invejar sobre coragem desta grande mulher!
    Sarah de Tobias vestiu a sensualidade de nobreza.
    Parabéns pela escolha, Sarah de Torias não poderia faltar ao Expressão Mulher!

    Soraya Rangel

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