LINO VITTI / 9º POETA CONVIDADO MÊS



LINO VITTI
(19-01-1920, Piracicaba, SP - †19-06-2016, Piracicaba, SP)


A admiração, o aplauso e a saudade eterna do

Blogue Expressão Mulher-EM




Manhã Piracicabana
Lino Vitti

Quando o dia desperta nestas bandas
um dilúvio de luz do céu desaba.
E tufos de neblina — velas pandas —
velejam, manso, no Piracicaba.

O bom dia do sol é generoso,
sorridente e repleto de beleza.
Grande e sincero como de um esposo
que esposo é o sol da noiva natureza.

E há casamento. A “Noiva da Colina”
vai ao salto buscar o branco véu.
Por altar – o cenário; música – em surdina.
Dizem o sim... e o sol entre a neblina
arcoiriza a aliança enviada lá do céu.

Os pássaros flauteiam, festejando,
aqui, ali, por bosques e pomares,
numa delícia matinal e incauta.
Não sei, talvez esteja eu delirando,
mas parece-me ouvir subindo aos ares
o Erotides de Campos em sua flauta.

É a impressão caprichosa que provocam
estas manhãs da minha terra artista
que é quando a natureza e o azul se tocam
num grande e delicioso amplexo egoísta.

Os canaviais farfalham “piano”, “piano”
com milhões de violinos quando a brisa
levemente a fugir roça e desliza
por sobre o louro oceano.

Depois vem o tumulto das calçadas
com as suas pupilas indiscretas,
surpreender o festim do amanhecer
e espantar as visões mal debuxadas
da fantasia vidente dos poetas
que se ergueram do leito bem de madrugada
só para ver.

E a cidade se anima, e, desperta a cidade,
o comércio se agita, sol em profusão.
Às vezes, um avião demanda a imensidade.
E eu coloco a minha alma a bordo desse avião
para que vá, num surto de ansiedade,
beber toda a poesia da amplidão.


Ser Príncipe!
Lino Vitti - Príncipe dos Poetas de Piracicaba
(ao ser honrado com tão lindo título pela 
APL , Academia Piracicabana de Letras) 

Ser príncipe! Sem rei, sem lei, sem divisas,
sem espada flamante e sem veloz corcel;
o palácio real feito de luz e brisas,
com imensos jardins cheirando a sol e a mel!

Ser príncipe sem trono e sem regras precisas,
qual pássaro a fugir da gaiola cruel!
Um príncipe feliz, sem horas indecisas,
vivendo todo o amor em lírico tropel!

Não é meu principado esse de que vos falo...
Diria, como Cristo, à hora do julgamento 
“meu reino vai além do cetro e do vassalo!”

Sou príncipe de um reino onde vivo ao relento,
faço do verso e a rima o meu doce regalo,
do reino da Poesia, o meu feliz momento!





Poesia
Lino Vitti

Apanho o verso, apanho a rima, apanho
a métrica e a minha estrofe teço.
Vou buscar a saudade ao tempo e ganho
mais um pouco de pranto de alto preço.

Ao chegar da poesia eu estremeço,
molho-me inteiro em seu divino banho.
Não há como fugir-lhe, a ela obedeço,
a alma me pesa como pesa o estanho.

Ser poeta não é coisa que assuste,
machuca, entanto o coração da gente,
em tudo ela nos põe lírico embuste.

Amá-la é meu dever, dever de quantos
vivem a fazer dela unicamente
um rio de alegrias e de prantos.


A Meu Pai 
Lino Vitti
(quando ainda vivo)

Lado a lado, meu pai, nas andanças da vida, 
mãos dadas com carinho e com grandioso amor,
umas vezes a estrada é uma senda florida,
muitas outras, porém tem espinhos e dor.

Em você, caro pai, encontrei nesta lida
mil sonhos a cumprir, de luz um resplendor,
A todos conduziu – com nossa mãe querida –
a um porto bem seguro, a um porto salvador.

Que a idade não lhe seja um peso doloroso,
antes uma alegria, anseio realizado,
uma vitória em meio a este mar proceloso.

Eu lhe desejo, pai, tão extremoso e amado,
que o proteja o bom Deus, que é grande e poderoso, 
que o conserve, feliz, por muito a nosso lado.


Mãe
Lino Vitti
(a minha estremecida mãe falecida aos 
93 anos de idade, em 04/10/88)

Quase um século a andar de trilho em trilho,
de trabalho em trabalho e de espinho em espinho,
Pela vida a lutar, deixando a cada filho
um pedaço de amor, um sonho de carinho.

Abriste a cada qual esplêndido caminho,
deixaste-me uma luz na estrada que palmilho.
Foste rever Geraldo, o querido irmãozinho
que tão cedo se foi, como um astro sem brilho.

Se vais gozar no céu a presença divina,
como prêmio final ao que com Deus convive,
vais abrir-nos a senda eterna e peregrina.

Os teus filhos estão agora na orfandade,
mas a tua figura excelsa ainda vive
entre nós, a esperar que chegue a Eternidade.


Mulher
Lino Vitti
(à minha esposa Dorayrthes)

Consorte, companheira, esposa, com que termos
Melhor pincelaria o teu vivo retrato?
Somos tolos, eu sei, somos uns estafermos,
Somos homens banais, estúpidos de fato!

Bastaria dizer: mulher, para sabermos
O que é virtude, amor, sonho e recato.
Sem ela a vida é escura, andamos pelos ermos,
Somos pobre viajor perdido em ínvio mato.

Mulher, mulher da gente, a gente diz que é minha,
É palavra que a exprime em toda a plenitude
E a põe no coração feita única rainha.

Mulher é o que diz tudo: encantos e virtude,
Dizer: “minha mulher” então nos avizinha
Do êxtase divinal da excelsa beatitude.


Ama a Natureza
Lino Vitti 

A cada despertar do dia jovem
em ti desperta a luz de uma esperança.
Os sonhos em tua alma alegres chovem,
chovem horas felizes de bonança.

Não importa que os outros desaprovem
teus impulsos de amor e intemperança!
Tuas lágrimas, pobres, não comovem,
nem sequer teu sorriso de criança.

Entanto, aceita a luz que o dia manda,
ouve a mensagem da carícia branda
que traz consigo a brisa cortezã.

A cada vir do sol desperta e grita
e, se a alma tens preocupada e aflita,
ama a luz, ama o sol, ama a manhã.


Florindo Corações
Lino Vitti

Veja o belo jardim como anda florescido
tanta roseira em flor, sonhando com perfumes!
Um verdadeiro céu de estelíferos lumes
estilhaçado em chão de vidro derretido!

Em flores transformou-se a montanha de estrumes
dando vida ao odor tristonho e ressequido.
Convidados da noite a um banquete subido
são insetos que vêm e luzem vagalumes.

Veja as rosas que estão clamando por olhares,
por sorrisos de quem bem perto delas passa,
por beijos de manhãs e céus crepusculares.

Deixemos repousar a vista generosa
nesse encanto floral da roseira que é a graça
fundindo em coração cada botão de rosa.


Ao Vir do Sol
Lino Vitti

Na agreste mata, ao despertar do dia,
A passarada em sinfonia canta.
Cantam as aves terna sinfonia
Quando acorda a manhã e o sol levanta.

A luz relembra linda melodia,
Mel saído de alígera garganta.
Eu bebo desse mel que me inebria,
Eu bebo essa canção que me quebranta.

Envolve-me essa lírica floresta
Onde a vida gorjeia em santa festa
— um banquete de luzes e de sons...

Amai as aves para compreendê-las
— como disse o poeta das estrelas,
— como repetem sempre os que são bons.


Pintassilgo
Lino Vitti

Saudoso pintassilgo dos meus dias
já distantes da doce meninice,
a trinar árias entre as grades frias,
prisioneiro da minha peraltice.

Manhãs douradas pela garridice,
tardes de amor e roxas agonias...
Pintassilgo, eu, porém, jamais lhe disse
entender o cantar que oferecias!

Pequenino cantor dos cafezais
onde a infância me foi grato acalanto
e o passado martela o “nunca-mais”,

Hoje escuto somente e com espanto
na penumbra dos dias fantasmais,
a graça imorredoura do teu canto.


Amor Real
Lino Vitti

Os caminhos do amor são divinais!
A ternura, o prazer, beijos, carinho.
Vibram e cantam hinos celestiais
as mesmas pedras que há nesse caminho.

Diante de tais grandezas, eu definho
sei que também vós todos definhais,
porque o amor é agudo e doce espinho
que fere, fundo, os corações mortais.

É por isso que sofres, pobre peito,
quando a infidelidade te atriçoa
e vês o amor, lançado ao chão, desfeito.

É indigno amar assim qual coisa à-toa:
— sonho infeliz em cacos mil desfeito,
— um castelo imortal que se esboroa.


Veleiro do Amor
Lino Vitti 

Coração — débil barco aventureiro —
pelo oceano do amor, toma cautela.
Pode surgir um vendaval traiçoeiro
que te arrebate e te estraçalhe a vela.

Perscruta o rumo. Sobre o mar inteiro
se prepare talvez árdua procela.
Busca horizontes claros, meu veleiro,
onde o sol brilha e o mar não se encapela.

Não te faças ao largo em demasia
que vem a noite horrenda e a treva – zás –
Pode roubar-te a luz que te alumia.

E então sem rumo, sem farol, sem paz
talvez  não possas mais voltar um dia
à calma praia que deixaste atrás.


Um Soneto ao Amor
Lino Vitti

Quando o amor duas almas entrelaça
numa cadeia de esperança, peça
a quem ama ou do amor já teve a graça
qual a barragem que tal rio impeça.

Amor é um bem mas pode ser desgraça,
a gotinha de ódio que começa.
Embora muitas vezes satisfaça
não há medida com que o amor se meça.

Uma seara esplêndida que viça,
sinfonia que as carnes  alvoroça,
tesouro que em nosso íntimo se embuça.

O amor, ora é desprezo, ora cobiça,
fel terrível porém favo que adoça,
hora sorrindo ou evo que soluça.


Sorriso Matinal
Lino Vitti 
(A poetisa Ivana, admiradora inconteste
dos ipês de minha rua)

Pela janela aberta aos rutilos rebrilhos
Do intenso e alegre sol da nova Primavera,
Adentra-me o sorriso em cor e luz quais filhos
Vindos do reino astral do sonho e da quimera

Do florescido ipê... E um rei que encanta e impera,
E a visita do roxo — um mundo de estribilhos
A saudar a manhã , que há pouco mais não era
Do que treva a esconder os astros andarilhos.

Um hino colorido a despertar!Um sonho
Que a noite debuxou como um clarão risonho
Transfeito em realidade e vida ao vir do dia.

Bom dia, ipê florido, altivo, roxo, imenso:
Ao ver-te, matinal, curtindo o sol, eu penso
Que Deus nos enviou Sua própria Alegria. 


Felicidade Roceira
Lino Vitti 

Onde se escuta a orquestra mais bonita,
Dos pássaros libertos e felizes?
Onde as árvores sugam a bendita
Seiva com as mais sôfregas raízes?

Onde as flores mais belas?Onde habita
Quem na alma não amoita cicatrizes
De maldades ou de ódio?... Urbe maldita
Que faz homens tristonhos e infelizes!!!

Onde é que a natureza canta e explode
Em divinal beleza alta e sublime,
E ser feliz toda criatura pode?

É a roça, onde não mora o triste crime,
Onde a felicidade sempre acode,
Onde , amigo, a tristeza não te oprime.


Ímpeto Telúrico 
Lino Vitti 

De súbito troveja o seio da montanha
a boca escancarando em lava rubra e ardente,
como se a escarpa abrisse em vômitos a entranha
em repúdio ancestral de toda a vida adjacente.

E a pedra derretida escorre como estranha,
gigantesca, feroz, tresloucada serpente.
Apavora-se o céu se a fumarada apanha
a imensidão do azul que treme feito gente.

Não acho no meu tênue e mísero vernáculo
termos com que dizer o tétrico espetáculo,
terrível força bruta a sacudir o solo.

É a estúpida beleza, a mais lúgubre guerra,
a vingança infernal que sai do imo da terra
para o mundo ferir, em fogo, polo a polo.


Tapera 
Lino Vitti

Torce o caminho manso e entre pedras percorre
agarrando-se, ansioso, à encosta da colina.
sobe-se um pouco e olhar curioso descortina
a paisagem feral da tapera que morre.

Reina a desolação e a tristeza domina
tudo, restos mortais. A luz do sol socorre
piedosamente, a flux, como um bálsamo, e escorre
sobre a ferida em flor dessa bela ruína.

Tetos a desabar, muros em derrocada,
as cercas pelo chão, porteiras vacilantes,
pompeando os ervaçais na casa abandonada.

Cadáveres, e só, da rica habitação
onde floriu, feliz, o grande senhor d’antes,
dos tempos memoriais da negra escravidão.


O Lavrador
Lino Vitti

Mal o dia pintor, caprichoso, pincela
Com frisos de ouro em pó, as barras do levante;
E — músico — vai pondo em cada alada goela
Um guizo de metal, tinindo, tilintante,

Já sai o lavrador para a lavoura; bela
Se lhe desdobra aos pés a messe lourejante...
Entretanto está triste e chora diante dela,
E atira a enxada amiga ao chão, febricitante.

O sol que agora surge é uma bênção divina...
“Mas que vale a colheita (ele pensa), se o sangue
Lhe suga brutalmente e as carnes lhe assassina!?”

E contemplando as mãos agrestes e calosas,
A enxada posta ao lado, o lavrador exangue
Cai de joelhos ao chão, em lágrimas copiosas.


Ao Passar do Vento
Lino Vitti

Quando tremula a fronde ao passar de uma brisa
é um sorriso floral dos galhos verdejantes;
quando às águas do lago um leve sopro alisa,
como a sorrir também, felizes e arquejantes;

quando às flores, sem nome, uma aura que desliza
beija e afaga a sonhar doces sonhos distantes;
quando às nuvens no céu azul canta e suaviza
numa glória de sol e brilhos coruscantes;

eu cismo e vejo bem que os harpejos que passam
unidos pelo amor, pelo amor se entrelaçam,
e, alegres, todos vão com modos galhofeiros,

mostrando a nosso olhar, talvez muito cansado,
toda a beleza que há no vento tresloucado,
no sublime correr dos ventos passageiros.


Flor Sem Nome
Lino Vitti

É uma flor, nada mais que uma flor que se abre
da carícia solar à glória luminosa.
Rubra, sangrando em luz, balouçando radiosa
— coraçãozinho triste espetado num sabre. 

À noite, na penumbra, em susto se entreabre
para do orvalho ter lágrima silenciosa.
E quando o dia vem, vestido de cinabre,
entrega-lhe, a sorrir, a essência vaporosa.

Flor humilde do campo, orfãzinha ajoelhada,
de mãos postas em prece, à beira dos caminhos,
vestidinho vermelho a esmolar, a esmolar…

Ela pede somente, escondida e enjeitada,
o afago de quem passa, um pouco de carinhos,
o beijo imaculado e longo do luar.


Ser Montanha
Lino Vitti

Anseio do infinito, oh! cósmica montanha,
que buscas nesse afã silente, e pétreo, e vão?
Queres talvez deter, numa invasão estranha,
esse pálio estelar luzindo em profusão?

Vais abraçar o sol? Impossível façanha!
Beijar, quem sabe, a lua em toques de emoção?
E quando o temporal em chuva e vento banha
o mundo, não te faz bater o coração?

Quando vejo surgir, no horizonte , o teu porte
qual vontade do pó de se elevar à altura
fugindo desta terra onde comanda a morte,

um profundo desejo a erguer-se me acompanha:
quero ser como tu, fugir desta clausura
e não ser nada mais que uma simples montanha.


                               Ipês
                                 Lino Vitti

                   Abre a janela matinal... Que vês?
                     O milagre florido das umbelas
                  com que artistas gloriosos – os ipês –
                     pintaram, a sorrir, mágicas telas.

                      Umas roxas, imensas, são buquês...
                     lembram semanas santas nas capelas.
                     Outras, mistérios cheios de porquês,
                         aloiram cabeleiras amarelas.

                   Várias, brancas, espalham os arminhos...
                   Todas são almas dentro em nós vivendo,
                  roxas, brancas, às vezes muito pálidas.

                   A tristeza, o prazer, nossos caminhos,
                       a palidez de quem está morrendo,
                   as pobres almas, sem amor, esquálidas!


Ipê Violeta
Lino Vitti
                                                            
Envolto no verdor das árvores da praça,                         
Suspenso pelas mãos floridas do jardim,                 
O ipê roxo parece estar rendendo graça               
Àquele que o brindou com tanta graça assim.     

E se aragem, acaso, o manto lhe arregaça           
Num estranho ondular, num tristonho festim,      
Suponho ver alguém de roxo – um arlequim –    
Que em prantos, mudamente, à árvore se abraça.       

Quando, imóvel,  porém, o ipê floral contemplo,
Penso  estar na quaresma a visitar um templo    
Com santos a vestir um manto cor violeta.          

Outras vezes contudo a alma em êxtase tenho,   
E penso ver no ipê todo o artístico empenho                 
De um Dutra a misturar  as tintas na paleta.


                                             Ipê Branco
                                                        Lino Vitti

                              Branca nuvem do céu azul vinda de leve
                           Pousar nos galhos nus do ipê que habita a praça.
                                  Rajada de luar em flóculos de neve,
                             Um fardo de algodão que em flocos se espedaça.

                            E por mais que se tente, e por mais que se faça,
                                tanta galanteria e alvor não se descreve.
                                   E eu vos diria que é cândida barbaça
                                 De venerando ancião que a árvore deteve.                 

                             Quem há de, branco ipê, cantar tantas alvuras ?
                                Somos uns pobretões em canto, verso e rima
                                Nem sei o que dizer, ipê, a estas alturas.

                                Mas sempre que te vejo em agosto florindo
                              caio em sonho a pensar que a nuvem lá de cima
                               Roçou na terra e, alva, aqui ficou sorrindo.



Poente I
Lino Vitti

Para o enterro do sol em que há coisas estranhas,
A tarde, a se esvair, na angústia da agonia,
Põe em chamas, ardendo, os picos das montanhas
— gigânteos castiçais do velório do dia.

Vejo a curva do rio a levar nas entranhas 
Todo o ouro do poente em portentosa oargia;
Vejo feras, anões, gigantescas aranhas,
Castelos, vagalhões, nas nuvens em porfia.

Daqui a pouco há de vir a noite em seu burel
Celebrar — triste monge — o ofício do dia morto.
E de crepe cobrir o mágico painel.

Quantas vezes, a olhar da tarde a despedida,
Penso ser o poente um fantástico porto
Além do qual, talvez, é mais feliz a vida.


O Sabiá
Lino Vitti

A medalha sonâmbula da lua
Engasta-se no peplo do infinito,
Quando, subitamente, acorda aflito
O canto de um sabiá de minha rua.

Gorjeio, não. . . mas doloroso grito
Que na amplidão da noite se insinua.
Seresteiro a chorar a mágoa crua
Que lhe enfuna a garganta de precito.

Tito Schipa, Caruso, Chico Viola,
Desfiando da cela da gaiola
Serenata de sonhos ao luar!

Gino Becchi tupi, eu te suplico,
Bota um cadeado de ouro nesse bico,
Pois teus solos, sabiá, são de matar.


A Paineira
Lino Vitti

Dominando a baixada, sobranceira,
— A copa feita imenso cogumelo —
Que soberbo espetáculo é a paineira
Que espetáculo sempre novo e belo!

Antes, verde, ondulante - uma bandeira!
Depois - ímã de flores que o cuitelo,
E a abelha, e a borboleta galhofeira,
Vêm sugar em alígero duelo.

Outro dia, despindo essa roupagem
Arrebenta em bolotas cor de neve,
— Que prato de pipocas, formidando!

Mas, agora, reparem, como a aragem
É um moleque ladrão, travesso e leve,
Que o sorvete da paina vai roubando


Derrubada Onomatopaica
Lino Vitti

Atroa o bate-bate retumbante
dos mordentes machados na madeira.
E nessa luta trágica e gigante 
rolam troncos em longa choradeira.

Aqui um jequibá soberbo!Adiante
uma velha e frondosa caneleira,
um cedro, uma peroba farfalhante,
toda a legião da flora brasileira.

O machado decepa inexorável,
nada lhe escapa à cólera maldita,
nada o detém na sanha abominável.

E há em cada tombo lástimas soturnas,
e a cada golpe toda a selva grita
pelo eco das quebradas e das furnas.


Relógio de Torre
Lino Vitti

Sobranceiro à cidade, o campanário,
— Braço em riste a apontar para o Infinito,
Traz no pulso o relógio solitário,
Onde há o rolar dos séculos escrito.

Quantas vezes os seus ponteiros fito,
— Tirano atroz e cínico do horário, 
— Ladrões das horas de prazer bendito,
— Das do sofrer, mui pródigo, ao contrário.

Fria pupila que jamais se fecha
Dia e noite a espionar sobre a cidade
Do seu esguio pedestral em flecha.

Tens, relógio, o mais triste dos destinos:
— Cortando a vida em nacos pequeninos,
— Em segundos picando a Eternidade!


Tarde Musical
Lino Vitti

Desce da altura, ternamente doce,
A inquietude do dia que se finda.
E alma loura da tarde concentrou-se
Toda numa tristeza tênue e infinda.

Tonaliza-se o espaço qual se fosse
A música das cores vária e linda
Que se esvai... piano... lenta... brilha ainda...
Morre enfim... E o crepúsculo cerrou-se.

Que faz aquela estrela tão pequena,
Tão sozinha a piscar no firmamento?...
Mas surge outra, mais outra... uma centena...

Atapetam o céu... e eu fico a vê-las,
E a ouvir na solidão do pensamento
A música sidérea das estrelas.


As Queimadas
Lino Vitti

Sobre a pele africana e torturada
Da noite baixa, tépida, são chagas,
Que tivesse rasgado a chicotada
De um malvado feitor, bufando pragas.

As queimadas se alteram. Jogam vagas
De fogo e fumo ao céu, numa trovoada.
Apoteose das chamas, rubras, magas,
Línguas-luz, devorando a derrubada!

A galharia uiva espavorida,
Estorce-se num grito lancinante. . .
Morre um pio final de ave ferida.

E a magnitude trágica e voraz
Do incêndio segue adiante, sempre adiante,
Desdobrando um lençol de brasa atrás.


O Riacho
Lino Vitti

Esse que vês aí batido trilho
Serpenteando na relva, morro abaixo,
Vai terminar às margens do riacho,
De clara fonte liquefeito filho.

No manso leito, murmurando baixo
Que mal se lhe ouça o tímido bisbilho,
Desce, beijando, num feliz idílio,
As flores marginais, pendendo em cacho.

Depois de encher as barrigudas tinas
Das boas lavadeiras tagarelas
Com a prata das águas cristalinas,

Vai rebrilhar ao sol, no posto, em poças,
E, atravessando cercas e pinguelas,
Perde-se, após, em matagais e roças.


Sinos Silentes
Lino Vitti

Sinos madrugadores, onde estais?
Que é feito dos badalos cristalinos,
mandando para além sublimes hinos,
convites religiosos ou sociais?

O silêncio baniu-vos, já não mais
vos ouço badalar brados divinos.
Morrestes como todos os destinos,
é por isso que, agora, vos calais?

Ao vir do sol, ao despedir do ocaso,
tanger das torres era encanto até
(nessas saudades a minha alma abraso).

Os sinos estão mudos, mas por que é?
Estão mortos os sinos por acaso,
ou estaria morta a nossa Fé?


O Último Pé de Café
Lino Vitti

Dos milhões e milhões que estendiam-se até,
Na distância sem fim, perderem-se de vista,
Restas somente tu, velho pé de café,
Escapando do tempo à voragem egoísta.

Recordo (e ao recordar minha alma se contrista)
Que imensos cafezais! Só tu ficaste em pé,
Como um último herói de uma épica conquista
Que, se foi realidade, um sonho apenas é!

Da cafeeira invasão, derradeiro vivente,
Atestando o esplendor de um passado recente
Onde, em torrentes de ouro, a riqueza correu!

Os teus ramos em flor têm tristezas sem conta.
E quando rubros grãos os cobrem, ponta a ponta,
São lágrimas de sangue e saudade, penso eu.






Soneto
Lino Vitti

Dois quartetos rimados a capricho,
dois tercetos finais com rica rima,
e está pronto o famoso e grande “bicho”
do soneto que o mundo muito estima.

Da montanha brutal ao carrapicho,
do verme ao astro que o infinito encima;
do ouro da mina ao caminhão do lixo,
tudo o que ao mundo anima e desanima,

é trançado um quarteto a outro quarteto,
em tudo o que de unido e de disperso,
na pequenina jóia de um terceto.

E na corrente azul do último verso,
há o momento supremo do soneto,
há a síntese a abarcar todo o universo.


O Soneto: Feliz Tortura
Lino Vitti

És humano! És divino! És apenas um sonho?
A que mundo pretende a tua ânsia chegar?
Teu planeta não é este globo bisonho,
vai além teu querer, vai além teu buscar!

Peregrino do Belo, a esse Belo, suponho,
aspiras, ó Poeta, em teu sonho alcançar!
A Poesia, ora é chama, ora é abismo medonho,
mesmo assim — vagalume — a luz queres tocar!

Sofres também suponho — o estranho sofrimento
de atingir o ideal sublime do tesouro
a que chamas: Soneto; — a que eu chamo: Portento!

Nessa estrela de luz, qual mísero besouro,
Te envolves, mas sorris! É um divino momento!
— É a tortura feliz da feliz “chave de ouro!”






Curriculum Vitae
Lino Vitti

A minha vida de infância
foi entre roças e matas.
As flores por toda a estância
tinham perfume e fragrância,
tinham as cores mais gratas.

Sonhava naqueles dias
que o mundo fosse encantado,
que houvesse sempre alegrias,
que apenas houvesse orgias
como na vida hei sonhado.

De manhãzinha na roça
o passaredo acordava.
Vinha de alguma palhoça
uma voz sisuda e grossa
do patrão que levantava.

Eu lembro que no poleiro
um galo madrugador
cantava todo lampeiro,
ele era o rei do terreiro,
de outros galos, o terror.

O sol subia esquentando
plantas, paisagens, estradas;
No céu azulado, em bando,
as maritacas passando
gritavam desesperadas.

Que lindas tardes havia
naquele tempo de então,
pois sempre o findar do dia
em tristeza e nostalgia
terminava em solidão.

Às vezes, porém, no escuro
do imenso céu infinito
surgia o luar tão puro,
redondo, imenso, maduro!
Que espetáculo bonito!

Chovia luz pela roça
como uma doce oração,
despertando em cada choça
um violão que a noite adoça,
chorando em cada bordão.

Era um violão muito triste
prá despertar a saudade...
Saudade no que consiste?
Acaso saudade existe?
É um sonho ou é realidade?

E quando a noite se estende
toda de estrelas repleta,
parece que o céu acende
e todo em luz se distende
e a gente vira poeta.

Tudo era simples na vida,
tudo era belo na roça,
na minha infância querida,
tenho saudade sentida
que inteira de mim se apossa.

A vida não volta atrás,
ela não volta jamais.
Por isso andemos em paz,
assim todo o mundo faz,
pois somos todos iguais.

O amor na roça é sincero,
do fundo do coração.
Se o homem diz eu te quero
a moça não tem lero-lero,
dificilmente diz não.

Como é lindo ao luar
ver os casais namorando!
Como eles sabem se amar
deixando os olhos falar
e os lábios só murmurando!


Ser Poeta
Lino Vitti 

Abraçar, com amor, os mistérios da vida,
beber da cornucópia azul, que é o infinito,
as belezas astrais soando como um grito —
é fagulha — uma só — da poesia querida.

Sondar os corações, ler de alma entristecida
o livro da ilusão; do amor, o grande atrito;
ver a felicidade a fugir — sonho aflito —
em desumana, atroz, insólita corrida.

Sentir a imensa dor da pétala que morre,
a lágrima infeliz que nas faces escorre,
um pipilo que encanta os brilhos matinais...

Ser poeta! Sorrir para a tristeza e o luto,
supondo que sofrer é delicioso fruto,
uma oferta do céu a todos os mortais.


Minha Escola
Lino Vitti 

Eu não sou o poeta dos salões
de ondeante, basta e negra cabeleira.
Não me hás de ver, nos olhos, alusões
de vigílias, de dor e de canseiras.

Não trago o pensamento em convulsões,
de candentes imagens, a fogueira.
Não sou o gênio que talvez supões
e nem levo acadêmica bandeira.

Distribuo os meus versos quais moedas
que pouco a pouco na tua alma hospedas,
raras, como as esmolas de quem passa.

Vou porém me sentir feliz um dia
se acaso alguém vier render-me a graça
de o ter feito ricaço de poesia.


Nostálgico
Lino Vitti

Cada sonho feliz que a vida nos adoça
Traz sempre no seu bojo um mito de ilusão!
Um sorriso floral que nos lábios se esboça
Quantas vezes não traz consigo a maldição!

Outras tantas, não são mais do que amarga traça
Os brados de entusiasmo e apoio que se dão
É uma satisfação suposta toda nossa
Mais depressa se esvazia que bolha de sabão.

A vida é feita assim: contrastes mais contrastes;
Ora “sins” ora “nãos”, recuos e avançados;
Ora sombra, ora luz; esforços e desgastes.

Banquetes e jejuns, misérias e riquezas;
Às vezes o prazer de pequeninos nadas,
Quase sempre o amargor de colossais tristezas!


Despedida
Lino Vitti
(Premiada em 2º lugar em concurso da Itália)

Quando entardece a vida e um sol pobre e enfermiço
diz adeuses ao sonho e aos encantos do amor,
eu me ponho a chorar (chorar por causa disso?)
porque as sombras já vêm, põe-se em fuga o calor.

Onde está tudo quanto, envolvido em feitiço,
foi um tesouro imenso espargindo luzor?
O passado interrogo e as saudades atiço,
tudo em vão... tudo em vão... Vem da noite o pavor!

Tarde minha que vens, frigidamente triste,
és, suponho, e talvez, gesto de despedida,
um anseio final que ainda em mim persiste.

Eu sei que levas junto , inteira, a minha vida,
és dolorido adeus a que ninguém resiste,
és despedida, sim... Então, adeus, querida!


Quando Morre Um Poeta
Lino Vitti

Calou-se a voz do encanto, o mundo está vazio, 
Na voragem da vida o belo disse adeus; 
Destrói-se aquela luz, aquele santo fio
Que descia do céu, do reinado de Deus.

Estão órfãos agora os sonhos meus e teus,
Ao invés do calor domina a dor do frio.
E os nossos corações , eu digo, estão ateus,
Não crêem mais no amor, tão bom, mas arredio.

Nobre poeta, vai, vai para a Eternidade,
Deixa porém conosco a mais doce verdade,
Dessa glória sublime e eterna da Poesia. 

E deixa-nos em mãos, como penhor da morte,
Esse divino, e honroso, e imenso passaporte
Para adentrar o céu ao vir de nosso dia. 


A Voz do Ocaso
Lino Vitti

No ingrato caminhar de toda uma existência,
muita alegria vai ficando para trás.
Os prazeres da infância, os cantos da inocência,
os momentos de guerra, as delícias da paz.

São os dias azuis, as noites, por coerência,
têm estrelas demais, tantas o espaço traz!
E a mocidade após, poço de inconsequência,
em rubro estrelejar de ilusões se desfaz.

Conversam entre si o amanhecer e a tarde,
a infância corriqueira e a velhice dorida,
em discursos joviais ou vozes sem alarde.

O que escuto porém – palavra fementida –
é a triste afirmação tresloucada e covarde
do diálogo outonal do poente da vida.


Passos Derradeiros
Lino Vitti

Finda é a jornada! O sol poente já descamba
amortalhando tudo em trevas sem retorno.
Apaga-se o calor dos dias feitos samba,
esfria a grande luz qual apagado forno,

Do sol não vejo mais a lúcida caçamba
subir, descer, em frívolo transtorno.
Tudo se transformou em feia corda-bamba,
e deixou de fulgir qual fulge rico adorno.

Os passos, me parece, estão presos ao solo
e não converso mais, a língua antes engrolo,
para todos, fatal, é a chegada do fim...

Inconformado, entanto, o meu final aguardo,
como dos homens fosse um cara felizardo,
como se o fim jamais chegasse para mim.


Luzes do Ocaso
Lino Vitti

Quando o céu se colore e como um pálio
se desdobram luzores no horizonte,
dou por findo o meu rústico trabalho,
do versejar selou-se a minha fonte.

É preciso parar ânsias do atalho,
é preciso deter o afã do monte.
É preciso secar o doce orvalho
antes que o sol, no céu, fulvo tramonte.

Toda a vida me foi um belo acaso,
quanto pude galguei o meu Parnaso
dispersando poesia estremecida.

Tudo finda na vida, tudo finda,
mesmo assim vejo sempre muito linda
a aventura enigmática da vida.


Poente II
Lino Vitti

Quantas vezes, ao vir da tarde amena,
me ponho a decifrar o fim do dia!
Insondável mistério, alma serena
do poente, a tombar em agonia.

A natureza assiste à triste cena
envolta num silêncio que arrepia.
Tudo parece em maciez de pena,
numa espera da treva hórrida e fria.

Enquanto a serra ergue o perfil silente
chegam tristuras prá matar a gente,
cobrindo a vida noturnal lençol.

E rubro, imenso, tétrico, medonho,
vejo morrer o dia como um sonho,
num beijo vesperal do pôr-do-sol!


Morrendo Devagar
Lino Vitti

Somente o estulto, o tolo, o mísero ignorante
não querem compreender que a vida é uma ilusão.
Que viver é cumprir mais que sonho delirante
que mata de tristeza o pobre coração.

A flor não dura mais que um colorido instante,
a beleza se vai, com os anos, de roldão.
O suposto prazer bebido em lábio amante
é brilhante e fugaz como um louco rojão.

Desde que o humano olhar se acende para o mundo,
para a contemplação do belo e do mesquinho,
vendo o tempo voar, risonho ou iracundo,

certo você verá que ao longo do caminho,
o tempo não mais dura o que dura um segundo,
e, a cada dia, nós morremos um pouquinho.


Epitáfio
Lino Vitti

Aqui jaz o poeta Lino Vitti,
nada mais que poeta foi na vida.
Viveu dentre o doméstico limite,
amou demais a terra estremecida.

Sonhou o quanto pôde e a toda brida,
jamais se perfilou com quem se omite.
Deixou prole exemplar, feliz, querida,
e o conselho sensato: o mal evite.

Legou à sua terra, em livros vários
rimas e versos de emoção e brilhos
cheios de sentimentos milionários.

É aqui que se inicia a eternidade...
E o velho deixa à esposa e aos sete filhos
a herança imorredoura da Saudade.


Antes que as Estrelas Brilhem
Lino Vitti

Antes que brilhem as estrelas no alto,
num estranho chegar do lusco-fusco;
antes que a noite com seu negro assalto
me tire a santa luz que tanto busco;

antes que as trevas — esse horrendo asfalto
do céu — onde de dor a alma chamusco,
vejo perto um crepúsculo velhusco.

O sol já não quer ver-me com carinho,
sem águas vou, aos passos, no caminho,
vão as flores e as aves debandadas.

Restam somente as rimas por conforto,
eu já alcancei o derradeiro porto,
brilhem pois as estrelas namoradas.


Viver — Morrer
Lino Vitti

Viver! Jornada breve e às vezes dolorida,
caminho ora florido, ora todo calhaus.
Acaso alguém jamais teve na sua vida
o bem de não sofrer nunca momentos maus?

A graça de colher a fruta apetecida
E os pés não tropeçar por pedrouços e paus?
Onde a felicidade aclamada e querida,
onde o momento bom, sem dores e sem caos?

Morrer! Túnel sem fim, incógnita paragem,
silêncio e escuridão, duvidosa romagem,
um salto para a treva eterna do jamais!

Viver! Morrer! Que mais? Despótico contraste!
Que somos senão flor pendendo em débil haste,
um punhado de pó na asa dos vendavais? 



                              
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