Mulher
Tito Olívio
Mulher, és mãe e avó, e, na esperança
De veres os teus netos, vais vivendo.
Neles pões tua alma de criança
E a fé de os ver felizes vai crescendo.
Na calma natural que a idade alcança.
Encaras o futuro de mansinho,
Pensando na família com carinho.
Mulher que foste mãe, naquela hora
Que foi a mais feliz da tua vida,
Tens a graça e o condão de ver agora
Uma parte da missão já ser cumprida.
Tu és o colo, o amparo, a educadora,
O amor, a segurança, a dor sofrida.
Os filhos vão crescendo e, em seu caminho,
Sabem poder contar com teu carinho.
Mulher, és jovem, filha e serás mãe.
Passaste por criança e adolescente,
Para aprender a ser mulher também.
Verás passar o tempo lentamente,
A lamentar que não te ama ninguém,
Mas um noivo aparece de repente.
Então, de branco casas na matriz
E todos te verão sorrir, feliz.
Mulher, inda criança, filha e neta,
Com duas mães irás crescer, brincando,
E terás proteção firme e discreta,
Na creche, no infantário, até quando
Vier a ser do estudo a tua meta.
Não é o fim. Apenas começando.
Mulher, em toda a idade és uma flor
E a vida nada vale sem amor.
Hora do Pijama
Tito Olívio
Na hora do pijama é que aparece
A musa que me ajuda na poesia.
Seria mais normal, quando anoitece
E o cão, farto do alerta em todo o dia,
Se estira na casota e adormece;
Mas não, anda de noite e assim porfia
Pra que não seja vista por ninguém.
Eu sinto-a aqui, mas nunca a vi também.
Na hora do pijama é que visita
Este triste poeta, que sou eu,
Quando, com sono, já deixara a escrita.
Chega devagarinho. É jeito seu.
Faz-me sentar de novo e então me dita
O que leem de mim, mas não é meu.
Ó forças infernais, praga confusa!
Na verdade, a mulher é minha musa.
Noite Lenta
Tito Olívio
Dentro da solidão, na noite lenta,
Sinto falta de apoio feminino:
Um ombro, onde chorar o meu destino,
Aquele colo doce, que acalenta.
Quando romper o dia, em cor magenta,
Cama vazia, a roupa em desatino,
Quem me acorda com beijo peregrino,
Me sacode a preguiça pardacenta?
Fez-se a vida madrasta, nesta sorte,
Bate à minha janela o vento norte
E ri na minha cara com desdém.
Nada em tristeza a luz da madrugada,
Ao ver minha existência amargurada
E o meu futuro, que é não ter ninguém.
Amor Escondido
Tito Olívio
Tenho um amor escondido
E não o mostro a ninguém.
Tenho o coração partido
E a minha alma também.
É um amor clandestino,
Passou a salto a fronteira,
É errante, é peregrino,
Cobre em sombra a Terra inteira.
Passageiro de ilusão
Do comboio do destino,
Tem partido o coração,
É um amor clandestino.
Sem ter rumo definido
E apesar desse desdém,
Tenho um amor escondido
E não o mostro a ninguém.
Tenha ou não tenha na hora
A sorte no meu destino,
Só posso esperar agora
Ter um amor clandestino.
Pode o amor ser vantagem,
Nesta etapa derradeira,
Porém não tenho coragem
Para passar a fronteira.
Passageiro de ilusão
Do comboio do destino,
Tem partido o coração,
É um amor clandestino.
Sem ter rumo definido
E apesar desse desdém,
Tenho um amor escondido
E não o mostro a ninguém.
Dia da Mãe
Tito Olívio
Chorosos os olhos meus
Na brandura do cansaço,
São as saudades dos teus,
Do carinho dum abraço.
Longas são as tristes horas
Dos que ficam a viver.
Agora, tu já não choras
De alegria por me ver.
Tuas mãos eram macias,
Mas mirradas pela idade.
Apesar de serem frias,
Tinham calor de bondade.
Quando a sorte me mandar
Partir, deixar este solo,
Talvez te vá encontrar
E adormecer no teu colo.
Carinho
Tito Olívio
Queria pôr fragrância em teu regaço,
Com rosas e outras flores de jardim;
Fazer-te olvidar tédio e cansaço,
Erguer-te num altar de oiro e marfim;
Depois enovelar-me no teu peito,
Como mimado infante, insatisfeito.
Havia de brincar com teu cabelo,
Puxar-te a fita verde dos teus laços,
Até que tu e eu fôssemos um elo
Da suave cadeia dos teus braços
E, no esplendor do olhar de intenso brilho,
Me murmurasses: - meu amor, meu filho!
Prenda de Anos
Tito Olívio
À poetisa Glória Marreiros, a «nova Florbela»
Saí de manhã cedo, na intenção
De achar, em loja, prenda de valor,
O mimo de carinho, de atenção
Que amigo oferece, sem favor,
A quem guardou o sol no coração
Pra dar a toda a gente o seu calor.
E essa luz, que os olhos encandeia,
Envolve teus sonetos, cada ideia.
Tarefa bem penosa, uma ilusão.
O mais, que se deseja, é só vapor.
O que eu corri! Até em contramão.
A escolha, com critério e com rigor,
Quebrou-se em queda livre em duro chão,
Desfez-se como velas dum andor.
Vontade, me fugindo, não deixei,
Mas como fui em frente, já não sei.
Nas lojas não havia coisa alguma.
Sorrisos, esgotados, e os abraços
Perderam-se esquecidos entre a bruma
Dos mimos e das flores sem regaços.
Um cesto de amizades, mas nem uma.
Bombons e chocolates, só espaços.
Perdão te peço, pois. Crê no meu pranto
Por nada dar, querendo dar-te tanto!
Madrugada
Tito Olívio
São quatro da manhã e, na cidade,
Há luzes em janelas, salpicando
A noite duma alegre claridade.
Batéis de vida e insónia, navegando
No mar da noite velha, sem idade,
Ou, indo trabalhar, velas içando.
Seriam gritos de alma amargurada,
Ou ais de quem a crise pôs sem nada.
São quatro da manhã e minha dor
Quis ir sorver ar fresco na janela.
Se a mágoa só vivesse no calor,
Então o frio dava conta dela.
Porém, não é assim. Só tem valor
Mezinha para o corpo com mazela.
O mal que me acompanha não tem nome,
Mas vai roendo a alma e a consome.
São quatro da manhã e, eu, vendo a lua
Na mais bela das fases: lua cheia.
Por isso, é menos triste a minha rua
Pla branca luz que a sombra mal rodeia.
Por entre o arvoredo, se insinua
Reflexo de automóvel que passeia.
Ali, abandonado, sou também
Criança, a soluçar por não ter mãe.
Triste Figura
Tito Olívio
Já te dei tudo e tu o que me deste,
Para além de tormentas e amargura?
Dos anos que gastei, o que fizeste?
E que fiz eu, senão triste figura?
O amor é para dois e não um teste
E tu, no coração de pedra dura,
Parece que plantaste um acipreste
Com doença nas folhas e sem cura.
É certo que inda és bela, mas és fria
E sempre friamente te entregaste,
Viveste indiferente o dia a dia.
Não sei o que, na vida, procuraste,
Se o teu mal é doença ou é mania,
Pois eu sempre te amei, tu não amaste.
A Carta
Tito Olívio
Ontem, escrevi uma carta enorme,
Pedindo de joelhos teu regresso.
Preciso que meu peito se conforme,
Pois tua liberdade não tem preço.
Mas, nesta solidão negra, disforme,
Uma pinga de amor é o que peço.
Se voltares, talvez que se transforme
A nossa relação, tenha sucesso...
Esquece o que passou e me perdoa!
Todos dizem que sou boa pessoa
E só sabes dizer que estás já farta.
Porque acabou o amor nascido eterno,
Se o peito permanece doce e terno?
Não demores, responde à minha carta!
Mulher Enguia
Tito Olívio
Se gostas de me ouvir que te acho linda,
Porque te fazes sempre tão distante?
Sofrida brasa neste peito amante,
Que tanto queima e não passou ainda.
Mulher enguia, nessa fuga infinda,
Qual serpente dourada e anelante,
Descansa da corrida um instante,
Que tudo em mim espera a tua vinda!
Se pensas que te sigo, estás errada.
Passei a minha vida nesta estrada
E aqui faço o meu ninho de andorinha.
Estou cansado. Já me falta o ar.
Se não queres comigo descansar,
Seguirás teu caminho, mas sozinha.
O Castelo
Tito Olívio
Se, quando penso em ti, de cada vez,
Me entrasse uma nota na algibeira,
Não tardaria muito mais que um mês
Comprava-te um castelo na Madeira.
O chão teria flores a teus pés
E o tecto parecia uma parreira,
O nosso quarto, então, de lés a lés,
Havia de cheirar como a roseira.
Ergueria o castelo lá no alto
Pra veres terra e mar sem sobressalto
E à calma do lugar dares valor.
De dia o sol entrava plas janelas
E de noite acendíamos estrelas
Para a Lua invejar o nosso amor.
Esquecemos
Tito Olívio
Andei com ela, sim, andei com ela.
Agora, há tempos já que não a vejo.
Que vida terá tido... não invejo,
Pois uma fada má se esqueceu dela.
A nossa relação foi só querela
E decorreu em guerras, que revejo,
E pazes que acendiam o desejo
E davam ao amor nova farpela.
Foi paixão, que tivemos, cega e louca.
Pouco durou. Assim, foi coisa pouca
O amor, que não passou da pequenez.
Ambos cansámos, ambos esquecemos.
As feridas fecharam, as lambemos,
E nenhum quer abri-las outra vez.
Faz Um Ano
Tito Olívio
Está fazendo um ano que te vi
E não tinham as aves emigrado,
Mas tu, porém, vestida de rubi,
Voaste para um sítio ignorado.
Quiseste emigrar e eu fiquei aqui,
Atónito, infeliz, desesperado.
As aves vão pró sul, mas sempre voltam,
Aqui, só meus poemas que se soltam.
Está fazendo um ano e teu amor
Perdeu-se nos confins do firmamento,
Esquecido talvez daquele ardor
Que punha em festival cada momento.
Em sonhos inda sinto o teu calor
E acordo a suspirar o meu lamento.
Imaginar-te quase não consigo
Na triste solidão do meu abrigo.
Está fazendo um ano e a saudade
Criou fundas raízes no quintal.
Tivesse eu um cavalo de verdade,
Montava lá no céu esse animal
E o meu vulto a brilhar na claridade
Pudesses vê-lo e eu ver-te afinal.
Sei que, sem ti, a vida não tem graça,
Mas vou só esperar… não sei que faça.
Compromisso
Tito Olívio
Fosse a luz da existência mais comprida,
Mais anos eu teria para amar-te
E, já que teu amor me dá guarida,
Só digo bem de ti por toda a parte.
Haja ou que houver, eu nunca vou deixar-te,
Nem direi mal de ti por toda a vida.
Se acaso te perder, terei de achar-te,
Que a planta sem raiz morre tolhida.
Um dia há-de vir, só não sei quando,
Numa ridente aurora irei voando,
Caminho das estrelas, da harmonia.
Mesmo assim, lá do alto, podes crer,
Vou afastar as nuvens pra te ver,
E esperar pela tua companhia.
Não Venhas Hoje
Tito Olívio
Não venhas hoje cá! Não quero ver-te.
Secou o teu amor pela raiz.
Fiz tudo pra te ter, para prender-te,
E vi somente o teu rosto infeliz.
Morreu este desejo para ter-te,
Beijar-te a boca já nada me diz.
Por certo a minha mágoa não te importa,
Mas vou tentar a sorte a outra porta.
Não venhas hoje cá! Não quero mais
Andar pelas esquinas da amargura,
Pegando pela frente vendavais,
Quando a falta de afeto me tortura.
Não vou fazer de bobo em festivais
Nas vezes que o desprezo me procura.
Não vais rir-te de mim sempre que eu choro,
Pois não te quero mais, já não te adoro.
Não venhas hoje cá! Mas vem depois,
Quando a manhã se abrir em luz da aurora
E não possa o escuro ver nós dois
Abraçados de amor a toda a hora.
Vem cá, mas fecha bem a porta, pois
Assim o meu azar fica lá fora.
Vem cá e fica aqui, que sem amor
A vida, para mim, não tem valor.
A Escrita
Tito Olívio
Deem-me a folha que passa
Sob os dedos devagar!
Não há nada que mais faça
Que tenha a suprema graça
De tanta coisa ensinar.
São pequeninos soldados
Os sinais que a escrita tem.
Parecem estar parados,
Mas foram lá colocados
Pra que possam lê-los bem.
São as letras os sinais
Que a branca folha decoram.
Se casam com outros mais,
Formatam ideias tais,
Que umas riem, outras choram.
Quando o homem inventou
A letra para escrever,
Foi, sem saber, que criou
Um sistema que ficou
Por milénios a viver.
O Livro
Tito Olívio
Trouxe o correio um livro de presente
E senti a visão dos verdes ramos,
Que a Primavera traz. Fiquei contente,
De ter presentes todos nós gostamos.
Um livro é riqueza, que se sente
Aumentar a cultura que anelamos.
Deseja ter dinheiro toda a gente,
E nós, por aprender, tudo trocamos.
Eu não conheço o nome do ofertante,
Mas é de alguém que está muito distante
E quis mostrar a obra publicada.
Tem bom aspecto o livro, capa e tudo,
Com laudas de palavras, mas é mudo,
Porque tem letras mil, mas não diz nada.
Viagem
Tito Olívio
Um destes dias saio de viagem
Nas asas da manhã, devagarinho,
E, sem fazer barulho, abro a garagem
Para não acordar o meu vizinho
E deixar a dormir a criadagem.
Levo uma mala apenas pró caminho.
Parecerá talvez pouca a bagagem,
Mas vai a abarrotar cada escaninho.
São as desilusões da vida inteira;
Amores esquecidos, terminados,
Deixados na valeta, na poeira,
Outros nem sequer iniciados;
São erros cometidos na carreira
Dos tempos mal vividos, apressados;
São lágrimas vertidas na barreira
De todos os projetos fracassados.
Vou à toa, sem rumo ou direção.
O primeiro a chegar ganha a corrida
E a vida é suor, competição.
Vale empurrar de forma desabrida,
Trair, roubar, guiar em contramão.
Não me quero atrasar desde a partida
E o tempo é pouco. Tenho obrigação
De aproveitar o resto desta vida.
Despedir dos amigos, não consigo,
Mas sei que os verdadeiros vão comigo.
Um Não Sei Quê
Tito Olívio
Havia um não sei quê na manhã clara.
Talvez fosse uma luz de rubra cor,
Que me tocara o rosto e me acordara
E me puxara à força do torpor.
Havia um não sei quê, que me tocara,
Nas radiosas cores do alvor,
Como amoroso amante, que declara
Dar a uma mulher o seu amor.
O que haveria então de tão perfeito,
De tão harmonioso e virginal,
Na pureza do culto matinal?
Por certo era o Sol que, satisfeito,
Com flores enfeitava a madrugada
Para encantar a Lua, sua amada.
Sexta-feira
Tito Olívio
Estamos outra vez na sexta-feira
E mais uma semana está no fim.
As horas correm breves, sem canseira,
E o tempo vai passando sobre mim…
Quando eu era menino, a brincadeira,
Fosse em casa, na rua ou no jardim,
Durava eternamente, de maneira
Que a minha vida, então, era um festim.
Agora o tempo foge, galopando,
E o resto do caminho se encurtando,
Sem que haja força alguma que o impeça.
É bom viver. Eu gosto. Só é pena
Que seja a nossa vida tão pequena
E o tempo tenha, assim, tamanha pressa…
A Gripe “A”
Tito Olívio
Agora não te beijo. Tenho medo
Dessa gripe mortal que anda pra aí,
Mas, pra me compensar do que perdi,
Hei-de dar-te mais beijos, tarde ou cedo.
Nem posso dar-te a mão. É um enredo
Duma triste novela que, sem ti,
É monótona, como nunca vi.
Tudo isto me parece ter bruxedo.
É triste desejar-te e ter-te longe,
Ser forçado a levar vida de monge,
Sem ter água que mate estes desejos.
Dizem que vai passar, que já tem cura,
Por isso, conto os dias de amargura
Até matar a fome dos teus beijos.
Cartas de Amor
Tito Olívio
Ninguém escreve já cartas de amor,
Com frases esmaltadas de ternura,
Falando da saudade, da lonjura
Ou das eternas juras com fervor;
Falando de carinho e do calor
Dos beijos à socapa, em noite escura,
Pequenos pecadilhos de doçura,
Trocados, no presente, sem pudor.
Por vezes, folha seca entre o papel
Ou uma flor campestre do vergel,
A doirar a memória do sentido.
Existe agora a Net das mensagens,
Que voam para mundos e paragens,
Deixando o amor das cartas esquecido.
Hora da Raiva
Tito Olívio
Se o mar ficasse sem ondas,
Se acabassem as marés,
Se o vento nunca soprasse,
Se a chuva apenas secasse
E já não molhasse os pés,
Se as praias fossem redondas
E o mar ali não entrasse,
Se o temporal de través
Com fúria tudo arrancasse,
Eu via o mundo direito,
Seria o mundo perfeito.
Se a ave deixasse o ar
E só no chão se encontrasse,
Se de ervas se alimentasse
O leão, sem meter medo,
Se visse a vaca voar
Por cima do arvoredo,
Se o grilo leite mamasse
E a cabra à noite grilasse,
Se a rã guardasse segredo,
Se ouvisse o porco cantar,
Eu via o mundo direito,
Seria o mundo perfeito.
Se a morte já não vivesse,
Se uma ideia fosse cor,
Se o amor não mais amasse,
Se o coração se guardasse
Para bater sem ter dor,
Se o calor arrefecesse
E o gelo não congelasse,
Se a primavera trouxesse
O inverno em cada flor,
Eu via o mundo direito,
Seria o mundo perfeito.
Se tudo fosse ao invés
Do que é ao natural,
Se a bondade não passasse
De maldade no revés,
Talvez minha alma encontrasse
A beleza do coral
E não sofresse polés
E já não atravessasse
O fim da vida tão mal.
Só com tudo deste jeito,
Seria o mundo perfeito.
Agora Eu Sou Rei
Tito Olívio
Tragam-me a chave de ouro da cidade
E o ancião que tenha mais idade,
A coroa e o cetro do poder!
Serei talvez um rei que não tem trono,
Mas ninguém vai dizer que é o meu dono,
Sob pena de na cela apodrecer.
Virão todos um dia agradecer
Que eu seja arguto e não um simples mono,
A deixar o vassalo ao abandono,
Pois quem governa deve proteger.
Não peçam pra mostrar minha linhagem,
Que eu descendo direto da paisagem
E sou o mensageiro das estrelas!
Minha missão consiste em ter mão dura,
Seguir meu norte sempre na procura
Das soluções que acalmem as procelas.
Antes de tudo, abram as janelas,
Deixem entrar o ar, para a loucura
Ir procurar a rota da secura,
Onde o demónio guarda as taramelas!
Plantem flores de esp’rança no quintal
E sonhos de amor dentro do bornal,
Dizendo em voz alta: vou sorrir!
O amanhã quer brilhar em nossas mãos,
Sendo todos iguais, todos irmãos,
Em marcha alegre até a paz florir.
Então o novo Éden vai surgir,
Quando já não houver ritos pagãos,
Quando nós todos formos cortesãos
Dum reino que não há, mas há de vir.
Brindo à Sorte
Tito Olívio
Tragam-me a taça verde de cristal
Com rubro vinho tinto especial!
Quero brindar à sorte que não vem,
Me fez promessas vãs, inda em criança,
Quando o sorriso tinha a confiança,
Que a vida fez perder neste vaivém.
A sorte me enganou de forma vil.
Encheu-me de ilusões, mas era ardil.
Bem cedo me deu auras de riqueza,
A mim, que sempre fui ambicioso
E muito trabalhei pra ser famoso,
Saltar fora das asas da pobreza.
Falhou no prometido? Ai, isso não.
Por certo uma varinha de condão
Encheu a minha vida de alto tom
E nos degraus da escada fui subindo.
Ora em paragem, ora regredindo,
A rota nunca foi doce bombom.
Podia ser melhor. Para outros foi
E, porque me esforcei, isso me dói.
Mas isso, agora, já pouco interessa.
Brindo à sorte por tudo que me deu
E peço que, se nunca me esqueceu,
De livrar-se de mim, não tenha pressa.
Foguetão
Tito Olívio
Embarquei num foguetão,
Daqueles que vão pró ar,
E sem saber a razão
Da vontade de voar.
Talvez que fosse a questão
De fugir do meu penar,
Tentar ir na contra-mão,
Partir e não mais parar.
Deixei o mundo pra trás,
A chorar ninguém ficou,
Nem uma noiva fugaz
Um lenço branco acenou.
Vem dos tempos de rapaz
A loucura que restou,
Como o prazer que nos traz
Amor que não se provou.
Passei na lua de prata
E vi que não tinha flores,
A estrela parece lata,
Mas mostra mais de mil cores,
O cometa na arreata
Traz cauda de reatores.
Todos são do céu a nata,
Dão à noite os seus fulgores.
Do sol que comanda a vida
Nem sequer me aproximei.
Só o olhei de fugida
Por pouco não me queimei.
Todos me davam guarida,
Mas a todos recusei.
Naquela rota perdida
Ao que eu ia não achei.
Vim do espaço sideral
Olhos cheios de magia
De belezas sem igual.
Deixei por lá a agonia
E a tristeza do meu mal,
Pra voltar à fantasia
Da minha terra natal
Onde vou ficar um dia.
Chegou a Hora
Tito Olívio
A morte bateu um dia
À porta dum desgraçado.
Boa cara não trazia.
Vinha fazer um mandado.
«- Quem é?» Ouve perguntar
Voz dum homem ensonado.
«- A morte. Vim te buscar.»
«- Não posso. Estou já deitado.»
«- Expirou a tua hora.
Findou tua validade.
Levanta! Vamos embora!»
«- Acredita que é verdade!
As pernas já não me ajudam
E não se querem mexer.
Tomara eu que me acudam
E que me venham valer…
Tive vida de canseira
A trabalhar dia a dia,
De sol a sol, de maneira,
Que muita vez não comia;
Criei filhos, fui à guerra,
Pela vida militar,
E depois voltei à terra,
Decidindo cá ficar.
Os filhos foram-se embora,
A minha mulher morreu.
Vivo aqui sozinho agora,
Doente, como sou eu:
Nas pernas muita variz,
Farfalheira no pulmão,
Sempre fungo do nariz,
Tenho mal de coração.
Com tanta doença, assim,
A minha vida é bem torta.
Não esperes mais por mim,
Que não posso abrir a porta.»
Este não era o primeiro
A fugir de a acompanhar.
A morte, em passo ligeiro,
Fingiu que se punha a andar.
Duas horas esperou,
De novo à porta bateu.
«- Quem é?» De dentro gritou.
Logo a morte respondeu,
Fazendo voz de varão:
«- Sou o vizinho do lado
E, ao passar no seu portão,
Vi um dinheiro espalhado.
Por certo que seu será.»
«- Dinheiro? Mas que dinheiro?»
«- É ouro, mas venha cá!
Não vão roubá-lo primeiro.
Libras de ouro amarelinho,
Não as consigo contar.
Será que alguém no caminho
Deixou cair, ao passar?...
Diga lá se isto é seu!»
«- Sim, é meu. Ao vir pra cá,
Algum saco se rompeu.
Não me demoro. Vou já.»
Então a porta se abriu
E, julgando estar com sorte,
O desgraçado só viu
O negro manto da morte.
A Crise e a Noite
Tito Olívio
Na rua deserta, não vejo vivalma,
As ondas de escuro vão contra a janela,
O vulto das casas, imóveis, na calma
Das horas seguidas, são barcos à vela.
O vento não bole as folhas cansadas.
Silêncio de morte produz fantasias
Nas hostes de gente, vivendo, acordadas,
A sorte, a tortura das almas vazias.
A crise floresce nos bairros desfeitos,
Nas salas perdidas, na voz do poder,
Os corpos que sofrem, chorando os efeitos,
Reclamam de tudo, são cegos sem ver.
Nas camas macias, por trás das paredes,
Cabeças às voltas não podem dormir,
Que a vida é tão dura, com fomes, com sedes,
E portas, nem vê-las, por onde sair.
Perdida a esperança em dias melhores,
Macabra visão desse Éden perdido,
Que faz dos sentidos as dores maiores,
Só resta a saudade do tempo vivido.
Na noite é que eu sinto que foi só mentira
A falsa riqueza que o mundo gozou
E penso, à janela, que a vida é espira
De prensa fatal que o futuro levou.
Se a sorte envolveu o meu corpo de espuma
E a vida me deu a abundância ansiada,
Nos cortes à força, sem culpa nenhuma,
Terei só na mesa pedaços de nada.
Cama Vazia
Tito Olívio
Na cama vazia, uma sombra fenece,
Suspiro se solta, vestido de louco,
A mão que procura se perde, arrefece,
Por ter tido muito e sobrado tão pouco.
Cortinas, espelhos, sofás, almofadas,
Imóveis na espera do quê que não volta,
Relembram a mágoa das noites paradas
Nos lençóis de linho em fúria revolta.
O quarto esquecido em solidão de ausência,
A mão que procura e tacteia pra nada...
Navegam no escuro batéis de demência,
Que a mancha da noite morreu de cansada.
Se há gritos na rua, ou são arvoredos
Ou gente que berra no seu desvario,
Fugindo à desgraça, à sombra dos medos,
Ou pobre mendigo tremendo de frio.
Será pois da morte o escuro capote,
De cal a brancura da face sombria?
Será uma musa, ditando algum mote
Pra versos de raiva pla cama vazia?
Quem há de fazer um poema perfeito,
Quintilhas ou odes à viva saudade,
Se a mão, percorrendo esse lado do leito,
Só toca na angústia da triste verdade!
A marcha das horas remarca infinito
E, lentos, os passos de quem já não vem,
Perdidos agora, não são mais que mito
Ou são cantarinhas perdidas além.
Nas voltas e voltas, estria madura,
O sono não vem e, nas horas que vão,
Desejos de agora não são mais loucura
E a ausência não pode ter graça ou perdão.
2º Prémio Ex-aequo
V Concurso Nacional de Poesia Eduardo Bellerini – Santos (Br) - 2002
Ninguém me Quer
Tito Olívio
Antigamente, em tempos de menino,
Tinha uma adoração por brincadeira.
Vivia a fantasia em cada asneira,
Que meu pai castigava, em desatino.
Depois, o namoro foi meu destino,
E a moça mais bonita foi herdeira
Do meu primeiro beijo, sem fronteira,
Mas puro, como um lago cristalino.
Ou bem fadado fosse da beleza,
Ou amador me quis a Natureza,
Certo é que enchi de amor cada mulher.
Acho que fui feliz na minha vida,
Mas se a tantos amores dei guarida,
Agora, que estou só, ninguém me quer.
A Poesia
Tito Olívio
Não fora o vento, que soprava forte,
Não fora a chuva que molhava o rosto,
Não fora a nuvem, que tapava o norte
E não teria de mudar meu posto.
Se os versos fossem feitos ao meu gosto,
Em rendilhados, curvos, só recorte,
Saíam livres, tal como é suposto
Ser o poema, solto, sem suporte.
Mal da poesia, que não tem beleza,
Nem o lirismo doce de encantar,
Pois será fria, feia e sem rimar.
Mas os modernos pensam, com certeza,
Que o feio é que é bonito e diferente,
Levando neste embuste muita gente.
À Varanda
Tito Olívio
Não me vou debruçar sobre o passado,
Não quero relembrar o que passou.
O tempo é possessivo e já levou
Prá sombra o que era bom deste meu fado.
Foi-se o que era bom. Fiquei sossegado,
Então, em seu cantinho, o que sangrou
Meu peito, que, dorido, tanto amou
E sofreu, e chorou, sem ser amado!
Tive infância feliz. Muito brinquei.
Dos amores que tive... já não sei.
Ficaram num desvão dentro do escuro.
Agora, tenho o sol à minha frente,
Que conduz o meu corpo e a minha mente,
Da varanda, a olhar só o futuro.
Poeta Tito Olívio, fica aqui registrado a minha sincera satisfação por conhecer parte das suas belas obras, mas quero destacar um poema que guardarei com especial carinho:
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Tito Olívio
Antigamente, em tempos de menino,
Tinha uma adoração por brincadeira.
Vivia a fantasia em cada asneira,
Que meu pai castigava, em desatino.
Depois, o namoro foi meu destino,
E a moça mais bonita foi herdeira
Do meu primeiro beijo, sem fronteira,
Mas puro, como um lago cristalino.
Ou bem fadado fosse da beleza,
Ou amador me quis a Natureza,
Certo é que enchi de amor cada mulher.
Acho que fui feliz na minha vida,
Mas se a tantos amores dei guarida,
Agora, que estou só, ninguém me quer."
Respeitoso abraço,
Raquel Nonatto
Meu caro poeta, Tito Olívio. Hoje pude conhecer um pouco mais de sua alma através dos seus belos poemas, todos muito claros, apesar de deixarem sempre um "a mais" para ser escrito. Esta é uma característica sua que me encanta porque desperta o desejo de ler mais. Poucos conseguem isso.Tenho a impressão de que você viveu intensamente e sempre com os pés no chão, bem como não precisou buscar a "poesia" pois ela deve ter nascido consigo. Posso estar enganada mas foi isso exatamente o que senti. Meus aplausos e todo o meu carinho.
ResponderExcluirNesse período em que se aproxima o dia das Mães , leio emocionada os poemas " Mulher" e " Dia da Mãe" . Belo poema tb "A VIagem" ...." Despedir dos amigos não consigo mas sei que os verdadeiros vão comigo".
ResponderExcluirAbraço,
Tetê D' Oliveira
Prezado amigo Tito Olívio: eu conhecia pouco da tua obra, mas esse pouco dava-me o aval de te considerar um grande poeta. Agora que me foi dada, por Regina Coeli e Ilka Ferreira, a benesse de conhecer mais detidamente o teu trabalho, é-me forçoso, mas deveras gratificante, considerar-te um dos maiores poetas contemporâneos da língua portuguesa, daqueles que a gente lê, com satisfação sempre crescente, vinte, trinta ou quarenta poemas de uma estirada só! E quanta coisa linda nos oferece o teu estro privilegiado! E mesmo que agucemos o nosso senso crítico para detectar aqui ou ali alguma falha, nada encontramos que destoe da tua personalíssima e invejável técnica de versejar, seja na perfeição do metro, seja na musicalidade da rima, seja na precisão do compasso, seja na suavidade do ritmo, atributos que só logramos encontrar naqueles que amam o belo e conhecem a fundo a matéria de que tratam. Humberto Rodrigues Neto, ou Humberto - Poeta. São Paulo - Brasil.
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