SALA DE LEITURA DO EM

JOÃO ROBERTO GULLINO homenageia FERNANDO PESSOA




DREAM
Fernando Pessoa
(do livro Poesias Coligadas)

Qualquer coisa de obscura permanece
no centro do meu ser. Se me conheço,
é até onde, por fim mal, tropeço
no que de mim em mim de si se esquece.

Aranha absurda que uma teia tece
feita de solidão e de começo
fruste, meu ser anônimo confesso
próprio e em mim mesmo a eterna treva desce.

Mas, vinda dos vestígios da distância
ninguém trouxe ao meu pálio por ter gente
sob ele, um rasgo de saudade ou ânsia.

Remiu-se o pecador impenitente
à sombra e cisma. Teve a eterna infância
em que comigo forma um mesmo ente.


RETRATO APAGADO
João Roberto Gullino

É o tempo que retorna na lembrança  -
no sorriso infantil do lábio puro,
de mãos dadas, trançadas pela dança
no envolvimento doce e prematuro.

É no frescor passante inda inseguro
daquela aragem que orna a juventude,
sabor de um enluarado claro-escuro
que nas noites de sonho tanto ilude.

É lágrima salgada da inquietude,
quando padece pela decepção
que na vida tropeça, estrada rude,
dum amargo sabor – separação !

                Igual retrato que, mesmo apagado,
                surge das profundezas do passado.




Um comentário: